As mudanças na legislação de produtos agrotóxicos, previstas em um novo decreto submetido à consulta pública pela Casa Civil, correm o risco de não sair do papel. As propostas de alteração esbarram em pressões antagônicas exercidas por multinacionais do setor e pela representação de produtores rurais e cooperativas. Em jogo, está um mercado de US$ 4,2 bilhões anuais.
Nelson Perez/Valor "Se um produto tem a mesma composição química de outro que já é liberado, não há necessidade de se fazer novos testes", argumenta Oliveira, da Aenda.
Reunidas na Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef), as múltis são contra a isenção de estudos de resíduos e de eficácia agronômica para os chamados produtos formulados, que são vendidos diretamente aos produtores, com base em produtos técnicos equivalentes, usados na mistura do produto final. Nos bastidores, as empresas argumentam já ter sido obrigadas a fazer os testes e que os concorrentes, sobretudo companhias chinesas, teriam vantagens competitivas com o aumento da oferta de produtos. A isenção reduziria, segundo o governo, em pelo menos um ano o prazo para fazer o chamado pré-registro dos produtos - os estudos são feitos em um safra para ser apresentados na outra. Procurada, a Andef não atendeu aos contatos da reportagem.
De outro lado, porém, a Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA) e a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) exigem a livre importação de produtos genéricos e a equivalência de registro de produtos do Mercosul para baixar os preços internos e reduzir custos de produção. Hoje, as empresas pagam até R$ 4 milhões ao longo do processo para registrar um novo produto. O novo decreto pode reduzir o custo para algo próximo de R$ 100 mil a R$ 200 mil, dependendo do número de culturas e alvos biológicos. "Mas se continuarem as filigranas e as
pegadinhas no texto do novo decreto de nada adiantará", diz Ricardo Cotta, superintendente técnico da CNA.
Em meio a pressões e impasses internos, o governo brasileiro é ameaçado pela Argentina de ser acionado no Tribunal Arbitral do Mercosul por descumprimento de resoluções do bloco previstas desde 1996. As regras permitiriam a livre circulação de 27 ingredientes ativos. Na semana passada, os argentinos voltaram a pressionar durante conversas no Itamaraty. Além disso, pequenas empresas, inclusive as chinesas, também querem normas menos restritivas para elevar investimentos e ocupar parte de um mercado, cuja fatia de 85% é controlada por dez empresas.
A liberação comercial de novos defensivos genéricos no mercado brasileiro tem em sua defesa uma associação de 53 empresas. O diretor-executivo da Associação Brasileira dos Defensivos Genéricos (Aenda), Túlio Teixeira de Oliveira, diz que as mudanças propostas no decreto "harmonizam" a lei brasileira com outros países e acelerariam a liberação comercial de 250 produtos hoje à espera de aprovação pelos ministérios da Agricultura, da Saúde e do Meio Ambiente. "A consulta pública só foi feita após a Argentina reclamar junto ao Itamaraty", lembra Oliveira.
A Aenda quer a criação de um grupo de trabalho composto pelos três ministérios para analisar "de uma só vez" os pedidos de liberação. Oliveira informou defender as determinações sobre a simplificação dos testes com defensivos. "Se um produto tem a mesma composição química de outro que já é liberado, não há necessidade de se fazer novos testes", argumenta.
A Aenda afirma que 40% dos defensivos ofertados no mercado brasileiro são genéricos. "A média mundial chega a 60%", diz Oliveira. Dos 438 ingredientes ativos liberados para venda no país, 74% só têm uma empresa ofertante. Túlio Oliveira observa ainda que de 250 pedidos em análise nos ministérios, apenas três foram aprovados: glifosato (Atanor), paraquat (Sinon) e carbendazin (Rotam do Brasil).
(Por Mauro Zanatta e Cibelle Bouças,
Valor Econômico, 26/09/2006)