Revolução tecnológica: cientistas apostam na “química verde”
2006-09-26
Uma revolução verde na química percorre o mundo e promete ser rentável e, ao mesmo tempo, reduzir riscos de desastres ambientais como o trágico vazamento de gás de 1984, em Bhopal, na Índia, que deixou milhares de mortos. A “química verde” já converteu milho em plástico biodegradável, desenvolveu solventes não tóxicos e reduziu drasticamente os contaminantes derivados da manufatura de produtos farmacêuticos tão populares quanto o ibuprofeno. Também é vital para produzir os novos automóveis elétricos da Toyota, fabricados parcialmente com base em um cultivo de rápido crescimento chamado kenaf (hibiscus cannabinus L.)
“A química verde tem a ver com desenvolvimento de novos produtos e processos que cumpram o conceito do tríplice balanço em uma empresa, isto é, medir os resultados em termos econômicos, ambientais e sociais”, disse em entrevista Robin Rogers, pesquisador e diretor do Centro para a Manufatura Verde, da Universidade do Alabama. Quase todas as manufaturas envolvem processos químicos, e, na última década, alguns cientistas pensaram em como elaborar estes produtos sem ter que usar materiais tóxicos nem gerar resíduos poluentes.
Este tipo de química mais limpa não procura maquiar de verde velhas tecnologias, mas é parte fundamental de novas tecnologias que funcionam melhor, são mais baratas, consomem menos energia e poluem menos ao longo de seu ciclo vital, disse Rogers. “Considero que isto é uma Revolução Tecnológica Verde, para equipará-la com a imagem da Revolução Industrial”, explicou.
Há pouco tempo, Rogers e seus colegas desenvolveram um novo modo de dissolver e usar a celulose – que se encontra nas paredes celulares das plantas – que ajudará a concretizar a substituição de plásticos baseados em petróleo, que são caros e tóxicos, por materiais vegetais. Os países, incluindo os pobres, que implementarem uma química verde serão globalmente competitivos e aumentarão sua participação no mercado, porque a tecnologia é mais barata e melhor, disse Rogers. A Fundação Nacional Chinesa para as Ciências Naturais já financia cerca de cem projetos de química verde, exemplificou.
A química verde é um assunto internacional porque as emissões contaminantes podem ter um impacto global, disse Kenneth Seddon, professor de Química na Universidade de Quenn, na Irlanda. Em 2005, um vazamento de benzeno na China contaminou a água que abastece milhões de pessoas e depois se desviou para a Rússia, ao longo do Rio Songhua, recordou Seddon na entrevista.
Em 2004, a empresa DuPont concordou em pagar até US$ 600 milhões por danos ambientais causados pela produção de teflon e Gore-Tex. A General Electric vai demorar anos e gastar dezenas de milhões de dólares para limpar os bifenilos policlorados (PCB) – compostos altamente cancerígenos – que derramou no Rio Hudson, nos Estados Unidos.
Em 1984, um vazamento acidental de 40 toneladas de metil isocianato em uma fábrica da companhia química norte-americana Union Carbide, na localidade indiana de Bhopal, matou, pelo menos, 15 mil pessoas e afetou entre 150 mil e 600 mil mais. Essa empresa, que agora pertence à Dow Chemical Company, concordou em pagar US$ 470 milhões em indenizações, mas demoraram anos para que a maioria das pessoas recebessem.
Evitar a contaminação é um motivo para os paises em desenvolvimento se voltarem para uma química verde. Outro é que esses países nunca poderão custear os cada vez mais caros petroquímicos, disse Martyn Poliakoff, da Universidade de Nottingham, na Inglaterra. Poliakoff trabalha com químicos da Etiópia, junto com a firma Procter & Gamble, para tentar converter sacos de plástico branco derivadas da cana-de-açúcar local em alimento para vacas. “A Etiópia não precisaria importar petróleo para fabricar plástico, e as vacas poderiam comer os sacos quando fossem jogados fora”, disse Poliakoff.
Freqüentemente, a química verde representa custos menores, incluindo a redução ou eliminação dos gastos com a eliminação do lixo tóxico, e também reduz os impactos ambientais. E tudo isso deixa as empresas mais competitivas, disse Seddon. “A indústria gosta do conceito, mas pesquisas governamentais e acadêmicas ainda têm de desenvolver todo seu potencial”, acrescentou. Multas, sanções financeiras e regulamentações mais severas guiaram o interesse da indústria química pelos processos menos tóxicos, mas a nova tecnologia foi adotada lentamente, disse Philip Jessop, químico pesquisador da Universidade de Queen, no Canadá.
“Uma razão é o custo de reelaborar os processos industriais existentes e, até há pouco, a falta de exemplos de sucesso em grande escala por parte das empresas. Agora, as companhias vêem que podem economizar uma quantia grande de dinheiro”, explicou. Para produzir um de seus medicamentos mais populares, o gigante farmacêutico Pfizer reduziu um complexo processo de quatro fases, que produzia lixo tóxico, a apenas um que utiliza etanol e economizou milhões de dólares, ressaltou.
Outros grandes laboratórios fizeram mudanças semelhantes em seus processos de manufatura, economizaram milhões de dólares e agora ganham prêmios da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos. A química verde não é mais complexa do que a tradicional, mas implica adotar um enfoque diferente, considerando a toxidade dos materiais e seus derivados na hora de desenvolver um novo processo químico, disse Jessop. Este especialista e seus colegas da Universidade de Queen revelaram recentemente um novo processo para separar água do petróleo, que é mais barato e amigável com o meio ambiente, tem o potencial de reduzir a toxidade de atuais métodos de refino, bem como de reduzir o uso de água na produção de petróleo a partir das areias com alcatrão do Canadá, garantiu.
A contaminação derivada da produção de teflon por parte da DuPont também foi solucionada repensando como se juntam as moléculas que constituem esse material. Agora, a firma usa dióxido de carbono como surfactante, em lugar do tóxico ácido perfluorooctanóico. Uma rede global de defensores da química verde desenvolveu 12 princípios, sendo que o primeiro estipula que “é melhor impedir o lixo do que tratá-lo depois de criado”. Como quase todos os produtos químicos atualmente procedem de fontes petroquímicas, os futuros especialistas não terão apenas de ser formados nos 12 princípios, como também em como compreender a diferente composição química das plantas e de outros seres vivos, disse Jessop.
“Os livros de texto comuns sobre química dedicam pouca atenção à variante verde, e ainda se acredita, erroneamente, que é mais cara ou ineficiente. Precisamos passar rapidamente a ensinar química verde em paises em desenvolvimento”, ressaltou Jessop. Rogers concorda, dizendo que é importante ajudar a impedir que os paises em desenvolvimento “cometam os erros ambientais do passado, adotando tecnologias mais novas e mais limpas”. A quimica verde tenta tornar o planeta mais limpo, mais seguro e mais rentável, concluiu Seddon. “É a consciência da química”.
(Por Stephen Leahy, Terramérica, 25/09/2006)
http://www.envolverde.com.br/materia.php?cod=22777&edt=1