Eduardo dos Santos não trabalha na Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam). Nem
participa do Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica Taquari-Antas. Sequer tem idade
para isso, aliás. Mas, com apenas cinco anos, Eduardo sabe muito sobre a poluição dos recursos
hídricos da região. Foi, e ainda é, vítima dela.
Há quatro anos, o pequeno Eduardo observava o Arroio Tega sentado no pontilhão que liga sua
casa, no Valão dos Braga, em Caxias, ao asfalto da RS-122, na saída da cidade para Flores da
Cunha. A mãe, Patrícia dos Santos, hoje com 29 anos, lavava roupa no
tanque. Com água tratada, não a do córrego, claro. Data da primeira metade do século passado o
tempo em que alguém podia lavar roupa ou qualquer outra coisa no Tega.
Bom, o fato é que, naquele dia, Eduardo desequilibrou-se, caiu das tábuas da pinguela e
mergulhou no fétido arroio. Patrícia saltou imediatamente para salvá-lo. Resgatado, Eduardo
não se livrou de provar o gosto do Tega. Engolira uns bons bocados do líquido denso e escuro,
às vezes marrom, às vezes preto.
- Na hora, dei-lhe um banho e leite para tomar. Não adiantou. Ele teve febre, diarréia,
vômito. Passou uma semana no hospital - conta Patrícia.
A intoxicante lembrança provavelmente não está mais registrada na cabeça de Eduardo. Mas não
há como esquecer o arroio poluído. A avó Maria Noeli Telles, 53, relata a difícil convivência
da família com o turvo vizinho. Há dias em que, de tão fedorento, o Tega a impede de abrir as
janelas de casa. Há noites em que é necessário acender um incenso para aliviar o mau-cheiro. E
as águas imundas atraem outros vizinhos incômodos. São os mosquitos, que fazem outra neta de
Noeli, Leidiane, 11, envergonhar-se de ir para a aula com a face repleta de picadas vermelhas.
E há ainda os vermes, castigo para as crianças que se descuidam em caminhar descalças na beira
do Tega.
Há 15 anos morando de frente para o arroio, Noeli já viu navegarem por ele fogões, geladeiras,
sofás, roupas e até cadáveres. E peixe, já avistou algum?
- O quê???? Como é que vai haver peixe numa sujeira dessas???? - responde a dona de casa,
espantada com a ingenuidade da pergunta.
De tão acostumada à degradação do Tega, Noeli sequer consegue imaginá-lo limpo. Seu desejo é
bem mais modesto.
- Queria apenas que tapassem o arroio, porque esta podridão faz mal para todo mundo. Mas dizem
que é muito caro, que não tem verba. E a gente, como mora em área invadida, nem tem liberdade
de pedir nada - conclui.
(
Pioneiro,
26/09/2006)