Oferta restrita de energia abre espaço para usinas movidas a óleo e a carvão
2006-09-25
Na falta de gás suficiente para abastecer as térmicas e licenças ambientais para construir hidrelétricas, a alternativa foi abrir espaço para usinas movidas a diesel, óleo combustível e carvão. Uma política que incentivou a volta das polêmicas usinas emergenciais, contratadas durante o racionamento de energia, em 2001, que deram origem ao seguro-apagão, pago por toda a sociedade brasileira.
Essas usinas, cujos contratos foram contestados judicialmente, fizeram parte do programa emergencial que propunha criar uma proteção para o País até 2005, enquanto a oferta de energia não era ampliada. Cinco anos se passaram, o programa acabou, a oferta não foi expandida de forma substancial e as polêmicas térmicas reconquistaram espaço no novo modelo elétrico.
Com dificuldades para ampliar a produção, o governo viu novamente nas usinas a diesel e óleo combustível uma forma de garantir a eletricidade. Nos dois leilões de energia nova que o Estado realizou, foram contratadas 46 térmicas, sendo 25 movidas a óleo combustível e diesel (817 MW/médios) e duas a carvão (546 MW/médios). Uma parte dessas usinas era do programa emergencial.
Segundo o diretor-executivo da Associação Brasileira de Geração Flexível (Abragef), Marco Antônio Veloso, das unidades contratadas durante o racionamento, 501 MW foram habilitados pelos leilões e 322 MW estão operando no sistema isolado, em Manaus e no Amapá. Outros 278 MW deixaram o País rumo ao Oriente Médio e outras foram vendidas, provavelmente para empreendedores que também participaram dos leilões de energia promovidos pelo governo.
Construir esse tipo de usina, movida por fontes poluentes, tornou-se um bom negócio no País. Além das unidades já contratadas, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) habilitou 43 usinas a diesel e óleo combustível para o próximo leilão, que ocorre dia 10 de outubro. Isso representa 4.070 MW ou 20% da capacidade instalada total que participará do evento. Duas térmicas a carvão devem entrar no leilão com 1.192 MW de potência. A contratação dos empreendimentos, porém, dependerá do preço.
Na avaliação do secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, José Goldemberg , o Brasil está na contramão da história, já que o resto do mundo vem procurando alternativas para diminuir a participação de fontes poluentes na matriz energética. Ele lembra ainda que o carvão no Brasil é de péssima qualidade.
Além do efeito estufa, o combustível provoca um fenômeno bastante conhecido nas grandes cidades, o smog - camada de névoa escura altamente tóxica formada por finas partículas de poluição que provoca problemas respiratórios. “O óleo combustível também é muito poluente, pois é o resíduo mais pesado do petróleo.”
Para Goldemberg, os órgãos ambientais precisam encontrar saídas para o complicado processo ambiental das usinas hidrelétricas - a maior vocação do País, que não polui. Na opinião dele, a solução passa pelas compensações ambientais bem feitas. “Freqüentemente, as empresas querem economizar nessas medidas, o que contribui mais para atrasar a expansão do setor.”
Das seis usinas hidrelétricas que serão licitadas no próximo leilão de energia, duas ainda não conseguiram licença ambiental prévia. Esse tem sido o maior problema do setor elétrico nos últimos anos, já que os potenciais hídricos mais fáceis já foram explorados. Sobraram empreendimentos localizados em áreas mais sensíveis a impactos ambientais. “Mas é preciso avaliar o interesse de alguns e o de milhares de pessoas”, diz Goldemberg. Na avaliação dele, o País tem preservado de um lado e poluído de outro. “É preciso haver equilíbrio.”
Na opinião do diretor-presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace), Paulo Mayon, está havendo uma mudança na matriz energética brasileira que está levando a uma energia mais cara e poluente.
“O impacto da emissão das usinas a diesel, óleo combustível e carvão é grande. Junta-se a isso o fato de elas serem instaladas próximas dos centros urbanos. Ou seja, estamos caminhando para uma armadilha”, define.
Indústria opta por flexibilidade
O presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, acredita que o setor industrial deve se preparar para usar dois tipos de combustíveis para evitar o aumento de custos com o novo cenário de preços do gás natural. Para o consumidor de gás natural veicular (GNV), o mercado não espera grandes mudanças, uma vez que a diferença entre o preço do gás e o da gasolina é muito grande.
“Se o setor industrial souber se adaptar para ser mais flexível, certamente terá acesso a preços menores”, disse Tolmasquim, após apresentar projeções de crescimento do consumo do combustível, nas quais trabalha com uma diferença menor entre os preços do gás e do óleo combustível. Segundo a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), 40% da indústria paulista já está adaptada ao uso de dois combustíveis.
“E, a partir de agora, muitas outras empresas, por insegurança, vão fazer opção pela flexibilidade”, diz o vice-presidente da entidade, Saturnino Sérgio da Silva. Não é possível calcular o volume de investimentos feitos em conversão até agora nem qual será o prejuízo em caso de aumento de preços.
No mercado automotivo, há hoje 1,2 milhão de veículos adaptados ao GNV. Todo mês, cerca de 22 mil motoristas se dispõem a pagar até R$ 3 mil para usar o novo combustível, conta o coordenador do Instituto Brasileiro do Petróleo, R. Fernandes.
Segundo ele, o GNV é competitivo, mesmo que custe 80% do preço da gasolina - hoje, a relação está em 50%. Fernandes acredita, porém, que as distribuidoras continuarão incentivando o uso do combustível, já que a construção de postos justifica a ampliação das redes dentro das cidades.
Falta de gás natural já afeta operação de térmica
A usina térmica Norte Fluminense, do grupo estatal francês EDF, deixou de gerar 470 MW médios na sexta-feira, ao longo do dia, e 625 MW no horário de pico (entre 18 horas e 21 horas) por falta de gás natural.
A informação consta do boletim do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e indica que até mesmo as usinas que integram o chamado Programa Prioritário de Termoelétricas (PPT) estão tendo dificuldades de acesso ao gás natural.
O programa foi lançado pelo governo após o racionamento de energia elétrica em 2001 e as térmicas do programa são as primeiras a serem despachadas (autorizadas a operar), já que têm custos inferiores aos das térmicas movidas a óleo diesel ou óleo combustível.
Enquanto o custo do combustível das térmicas a gás estão em torno de R$ 100 a R$ 110 por Mwh, os custos das térmicas movidas a óleo estão acima de R$ 500 por Mwh.
A questão da disponibilidade de gás natural para as térmicas preocupa cada vez mais o setor elétrico. No início da semana, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) determinou que o ONS passe a calcular mensalmente o custo extra para o sistema elétrico na falta de disponibilidade de gás natural para as térmicas.
Esse levantamento deverá ser feito a partir deste mês, mas ainda não há definição sobre quem arcará com os custos extras. “É para que o setor tenha mais transparência”, observou um especialista.
Atualmente, pelos dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), há 20 usinas térmicas movidas a gás natural no Brasil, com potência instalada de 7.600 MW médios.
Se todas essas térmicas fossem autorizadas a operar, demandariam cerca de 30 milhões de metros cúbicos de gás, bem acima do total disponibilizado pela Petrobrás para o mercado interno, que está em pouco mais de 20 milhões de metros cúbicos diários.
(Por Renée Pereira, O Estado de S. Paulo, 24/09/2006)
http://www.estado.com.br/editorias/2006/09/24/eco-1.93.4.20060924.8.1.xml