As populações das aldeias em redor do primeiro parque eólico que está a ser instalado no concelho de Peniche mostram-se agradadas com a nova paisagem que vêem surgir nas colinas. “Desde que não nos prejudique, achamos bem. Estamos satisfeitos”, afirma Manuel Martins, agricultor de Ribafria, de 72 anos. “Já fui lá mais do que uma vez ver a instalação”, conta, acreditando que a nova paisagem servirá para cativar turistas. “Ainda não ouvi ninguém queixar-se”, assegura.
Francisco Cipriano, de 64 anos, tem dois terrenos na área das torres eólicas, que arrendou à empresa Enernova - Novas Energias S.A., do grupo EDP, por 700 euros anuais. Vê, por isso, com agrado, a instalação do parque de produção de energia. “São cerca de cinco mil metros quadrados que estavam ocupados por eucaliptos e não davam rendimento e agora é diferente”, justifica, revelando que, segundo as cláusulas do contrato assinado, a partir do terceiro ano de exploração as condições poderão ser revistas e as rendas aumentadas.
Junto à sua casa, na povoação dos Bolhos, foi aberta uma estrada de acesso ao parque eólico e Francisco Cipriano já nota a diferença, na paisagem e no movimento. “As pessoas têm curiosidade e vão lá ver os trabalhos”, relata. O agricultor não receia eventuais consequências negativas da instalação. “Para estarem ali a trabalhar é porque foi aprovado um estudo de impacto ambiental”, sustenta.
“A população não se tem pronunciado”, avança António Filipe, presidente da Junta de Freguesia da Serra D’El-Rei, onde está a ser instalado o parque eólico, com uma potência total de 21,7 megawatts, num investimento de cerca de 25 milhões de euros.
A autarquia arrendou um terreno de 22500 metros quadrados à Enernova e espera vir a receber em contrapartida cerca de 40 mil euros. “Ainda estamos em negociação”, refere. Mas a junta firmou um protocolo em que, pela criação do parque eólico na freguesia, será contemplada com 2,5 por cento do valor total da facturação anual da venda de energia.
“Irá haver caminhos rurais que a empresa se comprometeu a arranjar e outros já foram renovados, e a Enernova tem a intenção de criar um parque de merendas”, adianta o presidente. Com a Câmara de Peniche a empresa celebrou um protocolo em que se compromete a custear as obras de recuperação de um antigo moinho de vento no valor de 100 mil euros.
“As pessoas estavam habituadas a olhar para o planalto das Cezaredas, onde estão a ser colocadas as torres, e a ver o arvoredo e mato, e agora vêem-se as torres com 67 metros de altura, mais as pás, que constituem uma fonte de atracção. Aos sábados e domingos vêem-se lá muitos carros em cima e as pessoas começam a passear mais no planalto”, descreve, indicando que já notou consequências positivas ao nível dos fogos florestais. “Este ano houve menos incêndios, porque as zonas foram limpas, os caminhos foram abertos e há mais gente a passar pelo local e por isso maior vigilância”, explica.
O autarca garante que “há uma certa satisfação porque os sítios estavam um bocado abandonados e agora vê-se movimento e vai trazer rentabilidade para a freguesia”. António Filipe acredita que o funcionamento das torres não incomodará a população, apontando que as casas mais próximas estão a dois quilómetros de distância.
Sobre a polémica da corrida ao registo das propriedades ocupadas pelas torres por usucapião para obtenção de receitas, o presidente da junta revela que nenhum dos terrenos utilizados passou por este método, porque “levaria à publicação de editais e iria atrasar o processo de instalação das torres”.
Lobo Gonçalves, administrador da Enernova, considera que o projecto “casa bem com a natureza”. “Está instalado numa zona que é Reserva Ecológica Nacional e que teve todo um procedimento de preocupação com as questões ambientais e está ser construído sob as melhores normas de conservação da natureza. Estou convencido que no final será também agradável para a nossa vista, até porque está associada a este projecto a recuperação da zona envolvente, ficando uma zona de lazer”, afirma.
Este responsável destaca que o parque eólico “é uma medida importante não só para Peniche, mas para todo o país”, apontando que “ajuda Portugal a cumprir as metas comunitárias de energias renováveis, que prevêem que, em 2010, 39 por cento do consumo seja de uma energia renovável”. Sublinha também que “estamos a dar um contributo para que se cumpra o protocolo de Kioto, que limita as emissões de gases de efeito de estufa para a atmosfera, porque esta energia não é produzida numa central térmica convencional que liberta gases”.
Vozes discordantes nas Caldas
A atracção gerada pelas torres eólicas também foi um fenómeno ao qual o concelho das Caldas da Rainha não escapou nos últimos anos. Tal como agora acontece em Peniche, aquando da instalação das torres na zona da Serra de Todo o Mundo, as populações de A-dos-Francos e Landal também fizeram autênticas romarias para verem mais de perto um cenário que lhes entrava pelas povoações.
Em Março de 2004 foi assinado um protocolo entre a Câmara Municipal das Caldas da Rainha e a empresa Tecneira, pertencente ao Grupo ProCME, especializada na promoção e construção de parques eólicos. A autarquia reconhecia a utilidade pública deste projecto na Serra de Todo o Mundo e comprometia-se a colaborar na promoção, construção e exploração do parque eólico, recebendo dez por cento do volume de negócios relativo à produção de energia eléctrica fornecida à EDP, num período mínimo de dez anos.
Encontram-se instalados desde 2005 na Serra de Todo o Mundo um total de dez aero-geradores. Os primeiros cinco localizados a nascente estão instalados no concelho das Caldas da Rainha, os outros cinco a poente estão em território do concelho do Cadaval. O denominado Parque Caldas I, com uma capacidade de produção de dez megawatts, representa um investimento de mais de dez milhões de euros.
“Conheça os caminhos da Serra de Todo o Mundo, visitando o seu novo parque eólico desfrutando do contacto com a natureza e a imensidão da paisagem”, é o convite feito na Internet, num site sobre a freguesia do Landal. Os aero-geradores podem ser visitados apenas na sua base.
Apesar da mais-valia, o parque eólico na Serra de Todo o Mundo também trouxe pontos negativos. Segundo o site http://landal.ho-me.sapo.pt, desde que entrou em funcionamento “verificam-se dificuldades na recepção das emissões de televisão e a autoridade para as telecomunicações – ANACOM - já efectuou medições sobre a recepção dos sinais de televisão, confirmando que a interferência rádio-eléctrica provocada pelos geradores eólicos afecta a recepção dos sinais de televisão”.
O mesmo site avança que estão a ser desenvolvidos contactos de forma a resolver o problema e segundo o JORNAL DAS CALDAS apurou, a Câmara Municipal das Caldas da Rainha deliberou notificar a Eneraltius – Produção de Energia Eléctrica, S.A., empresa detentora do parque eólico na freguesia do Landal para, “com carácter de urgência, tomar as medidas necessárias tendentes a corrigir os efeitos negativos das interferências na recepção de radiodifusão televisiva na referida zona”.
“A ANACOM – Autoridade Nacional de Comunicações procedeu a medidas e ensaios no local, tendo concluído que as interferências são provocadas pelo funcionamento do parque eólico e que afectam os canais 46, 48 e 52 que servem a zona a partir dos emissores de Mon-tejunto”, revela a autarquia.
Também este ano se levantaram vozes discordantes perante a intenção de instalar, junto à estrada Atlântica, na Serra do Bouro, um parque de aero-geradores para a produção de energia eléctrica. De acordo com uma moção aprovada na Assembleia de Freguesia a 22 de Maio, a medida iria descaracterizar uma zona “de grande beleza”, que faz parte da REN e que é habitat de muitas espécies selvagens.
Por outro lado, receia-se que possa comprometer uma área classificada em PDM como sendo de urbanização para o turismo e para onde está em estudo a implemen-tação de “relevantes empreendimentos turísticos”, nomeadamente um campo de golfe.
O presidente da Junta da Serra do Bouro, Álvaro Baltazar, entende que o parque eólico iria comprometer estes projectos e afectar a qualidade de vida de quem habita ali próximo, não aceita, por isso, que se inviabilize o potencial turístico da freguesia por causa da energia eólica.
Uma posição que mereceu a solidariedade do seu colega autarca de Salir do Porto, Abílio Luís, para quem os aero-geradores “só vêm criar situações desagradáveis a uma das zonas mais bonitas da nossa costa”, sustentando que o turismo pode criar mais empregos do que a energia eólica.
Apesar de, segundo a vere-adora Maria da Conceição, a Câmara ter indeferido o pedido de instalação de um parque de aero-geradores para aquela localização, a autarquia deu autorização para instalação de uma torre de medição de potencial eólico na freguesia da Serra do Bouro, a título provisório, pelo período de dois anos, “sem prejuízo de poder vir a ser removida, dentro deste prazo, por motivos de interesse municipal/público”.
Votaram contra os vereadores João Aboim, do PSD, e António Galamba e Nicolau Borges, do PS, tendo estes últimos declarado que “por princípio, votamos contra a instalação de parques eólicos em qualquer zona da orla costeira”.
A decisão foi tomada com os votos favoráveis dos vereadores Maria da Conceição e Tinta Ferreira, e do presidente da Câmara, que exerceu o voto de qualidade e declarou que “trata-se de autorizar uma torre para medição do vento, não se trata de autorizar a instalação de um parque eólico”.
O vereador João Aboim manifestou que, apesar de ser um defensor da energia eólica, “todo um concelho agro-rural com essas potencialidades”, considerando que a exploração na Serra do Bouro “é incompatível com o eventual desenvolvimento de hotelaria de alta qualidade no eixo de Salir/Foz do Arelho”.
(
Jornal Regional , 25/09/2006)