Conforme se avança pela rodovia PA-150, que liga Belém ao interior do Pará,
fica claro que por ali o desmazelo do homem com a natureza acabou com grande
parte da floresta da região. Abocanhadas por grupos de grileiros,
fazendeiros, madeireiros e sem-terra, as matas exuberantes foram aos poucos
substituídas por capoeiras, pastos e terras devastadas. São raras as ilhas
verdes de selva que restaram para contar história. Em determinado ponto da
estrada, uma cidade com pouco mais de 51 mil habitantes chama atenção pelo
uso desordenado e, muitas vezes, ilegal da madeira.
Pólo madeireiro antigo do nordeste do Pará, Tailândia é um dos muitos
municípios amazônicos que convivem com a derrubada desordenada da mata. Até
mesmo as cercas das casas, construídas sem nenhum espaço entre uma e outra
tábua, indicam as dimensões do desperdício de floresta. O município consome,
por ano, mais de 650 mil m³ de madeira, o equivalente a 162.500 árvores.
Para obter essa quantidade de toras, é preciso acabar com uma floresta
nativa do tamanho de um quarto da cidade de São Paulo. Pesquisa do Instituto
do Homem e Meio Ambiente na Amazônia (Imazon) mostra que, em 2004, a renda
bruta com a exploração da madeira no município ultrapassou 58,8 milhões de
dólares. Neste mesmo ano, as cerca de 50 madeireiras existentes geraram
quase 9 mil empregos – prova de que a economia regional depende do setor.
A exploração de madeira em Tailândia se intensificou por volta de 1986,
quando a rodovia PA-150 foi asfaltada. A extração predatória, a ausência de
planos de manejo e de autorizações de desmatamento reduziram drasticamente
as matas da região. Cerca de 53% da madeira consumida no Brasil, diz Paulo
Barreto, do Imazon, são provenientes da retirada ilegal. Principalmente por
esse motivo, o que se vê hoje em Tailândia é uma curva descendente da
produção madeireira, evidência de que a mata está chegando ao fim.
De acordo com um extenso trabalho do instituto, para cada árvore que chega a
uma serraria no Pará, outras 27 são derrubadas inutilmente. Elas são
retiradas para dar espaço a estradas de exploração e pátios de
armazenamento. Muitas são abandonadas por estarem ocas. Entrelaçadas por
galhos e cipós, as árvores menores caem junto com a que foi cortada para a
venda. E nem tudo que sai da floresta é aproveitado. As serrarias da
Amazônia desperdiçam, durante o processamento da madeira, um terço das toras
recebidas.
Mesmo que a exploração tenha diminuído em Tailândia - devido à escassez do
recurso natural -, a quantidade de caminhões carregados de toras que cortam
a PA-150 ainda é grande. À noite, o que mais se vê são veículos cujos eixos
chegam a ficar inclinados, tamanho o peso da carga. Na véspera do feriado de
7 de setembro, quando a reportagem de O Eco tentou falar com os
caminhoneiros, eles não estavam na região. “Ouvi dizer que o Ibama apareceu
por aqui hoje. Sempre que a fiscalização chega, os caminhoneiros se entocam
no meio do mato, até serem avisados de que já podem sair”, conta um morador
da Vila dos Palmares (às margens da PA-150), que prefere não ter o nome
divulgado.
Dito e feito. Naquele dia, segundo a superintendência do Ibama em Belém, um
carro do órgão esteve em Tailândia para apreender um gavião real detido em
cativeiro sem licença. “É assim mesmo. Quando chegamos lá, eles param. O
problema é que temos de estar em todo lugar. Tem serviço que não acaba
mais”, admite o engenheiro florestal do Ibama de Belém, Norberto Neves de
Souza. “O trabalho aumenta principalmente na época de eleições, quando as
invasões de terras são maiores. É que alguns políticos incentivam a entrada
em áreas preservadas.”
Um dia depois da visita inesperada do Ibama à Tailândia, a movimentação dos
madeireiros estava de vento em popa. Em pleno feriado, a reportagem contou
10 caminhões de madeira na rodovia num intervalo de 45 minutos. “É à noite e
de madrugada que eles mais circulam. E, quando descobrem que o Ibama está
por perto, os donos das serrarias avisam os caminhoneiros por celular. Eles
se comunicam demais”, revela o mototaxista. “Alguns homens armados dão
cobertura aos caminhoneiros.”
Os gargalos não se resumem ao sistema de fiscalização ineficaz. O ciclo de
exploração madeireira gera outros problemas de difícil solução. “É bastante
complicado dar conta de todas as etapas. O desmatamento ocorre fora do
centro da cidade, num raio de até 200 km dentro da mata. Não temos
instrumentos para inspecionar, o que nos limita a agir somente no final da
cadeia, durante o transporte da carga”, diz o promotor de Justiça de
Tailândia, Lauro Francisco da Silva Freitas Junior. As fraudes de
autorizações para transporte de produto florestal (ATPFs, agora substituídas
pelo Documento de Origem Florestal - DOF) representam 80% dos crimes
ambientais registrados no Ministério Público de Tailândia.
Na entrada da cidade, agentes de uma base da Polícia Rodoviária Estadual
parecem não enxergar a um palmo do nariz. Por diversas vezes, os caminhões
carregados de madeira passam tranqüilamente pela rodovia e nada acontece. A
apreensão das toras transportadas sem licença é de competência do Ibama, não
da polícia rodoviária. Porém, cabe a esses últimos a interceptação dos
veículos até que os representantes do órgão responsável cheguem ao local.
Questionado sobre o por quê da conivência com a situação, o cabo Cadedra
desabafa. “Isso é um problema muito sério no Pará. Chama-se política. Como
somos de um órgão estadual, temos de obedecer a ordens. A madeira é a base
da economia de Tailândia.”
E isso não é tudo. Muitos dos caminhões utilizados para transportar a
madeira circulam irregulares. São os famosos “bufetes”, verdadeiras sucatas
sem lanterna, velocímetro nem freios confiáveis. Alguns não têm nem cabine.
Quando tem, elas são feitas de madeira (foto). Estima-se que existam hoje na
região de Tailândia cerca de cem veículos do tipo, mas o número já foi
maior. “Estamos fazendo um trabalho de conscientização para que as pessoas
regularizem seus caminhões. Porém, não podemos tirar todos de circulação.
Resolveríamos um problema, mas causaríamos outros. Muitas famílias
sobrevivem disso por aqui”, explica o promotor de Justiça. Um acordo foi
feito com os caminhoneiros, para que os “bufetes” circulem somente da mata
até o início da rodovia. De lá, as toras têm de ser colocadas em outro
veículo, que as levará até a cidade.
Os “bufeteiros”, na maioria das vezes, não têm nem habilitação para dirigir.
“Já tivemos muitos acidentes com morte na PA-150 por causa dos bufetes”,
conta o comandante da Polícia Rodoviária Estadual, major Antônio Cláudio
Moraes Puty. Somente este ano foram três. Quando os policiais apreendem
esses veículos, a dificuldade é a ausência de um local para levá-los. “Temos
sério problema com o pátio de retenção, porque fica em Jacundá, a 250 km
daqui.” O Ibama enfrenta o mesmo obstáculo. “Já colocamos os próprios
infratores como fiel depositário, porque não temos onde colocar o material
apreendido. É um contra-senso deixar o criminoso com a posse do objeto do
crime”, diz Norberto Neves de Souza, engenheiro florestal do órgão.
De 2001 para cá, o Ibama lavrou 299 autos de infração referentes à flora –
que vai desde desmatamento até o comércio de xaxim - em Tailândia. Parte
dessas autuações foi feita em outubro do ano passado, durante a operação
Ouro Verde, que teve como objetivo desmantelar quadrilhas ligadas ao
comércio ilegal de carvão e de madeira na Amazônia.
Em um ano, segundo a Polícia Federal, foram comercializados cerca de 75 mil
metros cúbicos de madeira só nos municípios paraenses de Tucuruí, Tailândia,
Paragominas e Goianésia, onde uma quadrilha lucrou cerca de 65 milhões de
reais. “Em Tailândia, 27 membros da organização criminosa foram detidos”,
lembra o delegado da PF em Rondônia, Janderlyer Gomes de Lima, que de Belém
coordenou a Ouro Verde. Entre os acusados, está o ex-prefeito da cidade,
Francisco Alves de Vasconcelos, conhecido como Chico Baratão – que desde
abril deste ano responde pelo crime em liberdade.
Medidas pontuais, diz Lima, não são suficientes para acabar com as
irregularidades. “Cerca de 90% das madeireiras de Tailândia estão em nomes
de laranjas. Se desmonta um esquema, mas sempre há outro armado.” Souza, do
Ibama, tem uma sugestão para fechar o cerco à extração e comércio de madeira
ilegais na região. “O que precisa é de uma força-tarefa para coibir
permanentemente as ações.” Enquanto ela não chega, Tailândia faz sua parte
para manter a reputação do estado do Pará, segundo maior responsável pelo
desmatamento da Amazônia de acordo com o governo federal.
(Por Aline Ribeiro,
OEco, 20/09/2006)