Combustíveis do futuro: cultivando a energia do mundo
2006-09-22
A agricultura oferece as primeiras alternativas sérias para os combustíveis
fósseis: diesel, gás natural e petróleo poderão dar espaço no futuro à
energia de "biomassa". À medida que o desenvolvimento prossegue a passo
acelerado, também crescem as preocupações com a eficácia dos combustíveis
cultivados.
Há seis anos, a Volkswagen da Alemanha abriu a Autostadt, ou "Cidade do
Automóvel", na cidade de Wolfsburg, no oeste do país. É o parque mais
impressionante que a indústria automobilística alemã já criou para celebrar
seu produto.
O templo de adoração ao carro oferece aos seus visitantes cinemas, museus e
instalações educativas. Mas a exibição mais interessante também é
provavelmente a mais significativa para o futuro do automóvel. É uma caixa
plástica transparente. Dentro da caixa se encontra um jardim vegetal.
Os visitantes podem usar um braço-robô por controle remoto para semear
agrião -e colher os resultados oito semanas depois: uma gota de óleo diesel
que os cientistas da empresa produzem a partir do que outras pessoas usam em
sua salada.
Um trator pode andar dois metros com uma gota, diz a Volkswagen. Não é muito
para uma máquina agrícola -mas representa um brilho de esperança para uma
sociedade altamente móvel que está olhando o medidor de combustível do mundo
com crescente preocupação.
Os motores podem lidar com o óleo vegetal quase tão bem quanto a gasolina,
como os pioneiros de construção de máquinas já sabiam. "Motores a diesel
podem rodar com óleo de amendoim sem nenhuma dificuldade", explicou o
engenhoso inventor Rudolf Diesel em 1912. Mas os contemporâneos de Diesel
prestaram pouca atenção em tais questões. Era difícil para eles imaginar que
carros estariam associados a questões como esgotamento de recursos.
Mas cerca de 100 anos depois, o número de carros existentes no mundo
atualmente equivale a quase metade do número de seres humanos vivos naquela
época. Cerca de 800 milhões de veículos motorizados compõem um vasto
exército de bebedores de gasolina. Diariamente, veículos motorizados
consomem cerca de 10 milhões de toneladas de petróleo -mais da metade do que
é produzido mundialmente. Encontrar uma forma de abastecer estes veículos
com combustível renovável é uma das tarefas hercúleas do novo milênio. Óleo
de amendoim sozinho não será suficiente.
Semente de canola e caule de girassol
A indústria do óleo de canola alemã tem realizado um esforço sustentado para
substituir combustíveis fósseis por produtos botânicos. Ao longo da última
década, o que começou como uma associação de pequenos empresários de
mentalidade semelhante se tornou um setor econômico para ser levado a sério.
Em 2005, 1,7 milhão de toneladas de éster metílico de canola, extraído da
semente da planta de flor amarela, foram usados para abastecer motores de
carros alemães.
Às vezes o biodiesel -como o produto é oficialmente conhecido- é misturado
ao combustível convencional; às vezes é distribuído de forma pura.
Disponível em cerca de 2 mil postos de abastecimento, o combustível é mais
barato do que a gasolina comum.
Quantidades comparáveis de biodiesel não são produzidas em nenhuma outra
parte do mundo. Neste sentido, a experiência alemã com a canola também é
indicativa dos limites do crescimento econômico ecologicamente limpo.
Cerca
de um milhão de hectares -cerca de um décimo das terras cultiváveis da
Alemanha- atualmente são usados para plantação de canola. Os especialistas
acreditam que uma expansão para 1,5 milhão de hectares adicionais é
possível.
Em outras palavras, no melhor cenário possível, o solo alemão poderia
produzir cerca de 2 milhões de toneladas de biodiesel por ano. Em comparação
aos 130 milhões de toneladas de petróleo que a população alemã consome
anualmente, fica claro que a canola nunca conseguirá liberar uma sociedade
industrial de sua dependência de petróleo.
A escassez não é o único problema com o biodiesel. A fertilização dos campos
e o processamento da colheita exige energia intensiva, eliminando assim
grande parte da economia potencial.
Além disso, a adequação do biodiesel para uso em motores modernos é quanto
muito limitada. Sua composição química complica os esforços para obter
combustão limpa e filtrar as emissões. Na verdade, os motores a diesel
modernos, com injetores de combustível regulados e filtros de partículas,
geralmente não são aprovados para uso com éster metílico de canola.
Os pesquisadores da Shell Corporation consideram o diesel de canola um
combustível de "primeira geração" -um em que apenas as sementes ou brotos da
planta são usados. "Acima de tudo, o resultado não é um combustível de alta
qualidade", disse Wolfgang Warnecke, o homem encarregado do desenvolvimento
global de combustíveis da Shell. "Segundo, sua produção compete diretamente
com a de alimentos. Nós não estamos interessados em nenhuma destas coisas."
A Shell, portanto, está apostando principalmente no desenvolvimento de
combustíveis de segunda geração. Eles são produzidos pelas partes das
plantas que eram consideradas refugo agrícola até hoje, como o haste de
plantações de grãos ou o caule do girassol. "Estes processos de produção não
ameaçam nos envolver em dilemas éticos", disse Warnecke, "e a balança de
dióxido de carbono é virtualmente neutra".
Dirigindo a álcool?
Um dos primeiros biocombustíveis cujo processo de produção está à beira de
passar da primeira para a segunda geração é uma substância que o seres
humanos usam como inebriante por milênios -o álcool.
Por volta e 1860, Nikolaus August Otto criou um protótipo de um motor movido
a diferentes tipos de álcoois disponíveis à venda. Um era o álcool etílico,
na época usado amplamente em lamparinas.
Os pioneiros americanos do automóvel Henry Ford e Charles Kettering (na
época pesquisador-chefe da General Motors) já viam um enorme potencial no
álcool combustível durante os anos 30 e queriam abastecer seus carros com
produtos fermentados de fazendas americanas.
Francis Garvan, presidente da Chemical Foundation na época, escreveu um
forte apelo ao álcool combustível em vez do petróleo do exterior: "Eles
dizem que temos petróleo estrangeiro", explicou Garvan durante uma
conferência em Dearborn, a cidade natal de Ford, perto de Detroit, em 1936.
"Ele está na Venezuela (...) Está no Oriente, na Pérsia e está na Rússia.
Vocês acham que isto é uma proteção para seus filhos?"
Mas o lobby pró-álcool fracassou. Novos campos de petróleo foram descobertos
rapidamente -especialmente em terras árabes. Os combustíveis fósseis
revelaram ser uma opção mais barata- os países industrializados ocidentais
marcharam firmemente rumo à total dependência de petróleo importado.
Apenas um país seguiu seu próprio caminho e optou pelo álcool: o Brasil.
Hoje, o país sul-americano cobre cerca de 40% de suas necessidades de
combustível com bioetanol, uma forma de álcool.
O clima tropical do Brasil permite o cultivo de vastas quantidades de
cana-de-açúcar -a matéria-prima usada na produção do etanol. Mas o que pode
parecer uma bênção não é necessariamente para o meio ambiente local -milhões
de hectares de floresta tropical foram desmatados para plantação de cana.
Na Europa e na América do Norte, o etanol é obtido principalmente de cereais
como trigo, centeio ou milho. Na Alemanha, empresas como a Südzucker
começaram a operar refinarias de álcool. Todas estas empresas ainda estão
trabalhando com métodos de produção de primeira geração. Sua produção nunca
será suficiente para substituir adequadamente a gasolina. Os pesquisadores
apenas começaram a trabalhar há pouco anos em métodos eficientes para
converter palha e madeira em etanol.
As fábricas onde estes métodos podem ser colocados em prática ainda estão em
fase de pesquisa e estão sendo desenvolvidas em parte com o apoio de grandes
companhias de petróleo. A Shell investiu na produtora canadense de etanol
Iogen, uma das pioneiras deste jovem setor de negócios.
Políticos e engenheiros de todos os países industrializados estão igualmente
inebriados com a idéia de abastecer carros com álcool produzido
principalmente com refugos. A Suécia até mesmo vê o bioetanol como chave em
seus esforços para se libertar completamente de sua dependência de petróleo
até 2020.
O governo americano também considera o bioetanol como sendo um dos
combustíveis do futuro, um que permitirá a transição definitiva para a
autonomia em energia. O presidente George W. Bush anunciou recentemente:
"Nós queremos que as pessoas dirijam com combustível plantado na América".
Uma das grandes vantagens do álcool é sua semelhança com a gasolina. O
combustível convencional pode conter até 5% de álcool sem criar a
necessidade de modificação dos motores.
Na Europa, misturas de álcool e combustível convencional estão disponíveis
com um conteúdo de álcool de até 85%. A Ford e as montadoras suecas Volvo e
Saab já oferecem veículos cujos motores rodam com o novo combustível,
conhecido como E85. As mudanças feitas no sistema de controle do motor são
mínimas; o aumento de preço não é maior que umas poucas centenas de euros.
Na América do Sul os carros já rodam com etanol puro. Mas, quanto maior o
conteúdo de álcool no tanque, maior é o consumo de combustível pelo
motor -porque o álcool contém apenas cerca de dois terços da energia da
gasolina.
Até o momento, os produtores alemães de etanol continuam sendo fracos
concorrentes no setor global de combustíveis. Enquanto o Brasil já produz 10
milhões de toneladas de bioetanol por ano, as três usinas produtoras alemãs
produzem cerca de meio milhão de toneladas. "O grande desafio será produzir
um substituto realmente viável", disse Wolfgang Lüke, um pesquisador da
Shell.
Mas qual é o verdadeiro potencial do álcool combustível em que tantos estão
depositando suas esperanças? Segundo cálculos da Agência de Recursos
Renováveis (FNR), a unidade do Ministério da Agricultura da Alemanha
especializada em biocombustíveis, 2.500 litros de etanol podem ser obtidos
da colheita de grãos de um hectare de terra cultivável alemã. Como um litro
do combustível substitui 0,66 litro de gasolina convencional, a produção de
um hectare representa uma substituição real de apenas 1.650 litros.
Petróleo também é energia solar
Outra nova tecnologia, que ainda está sendo desenvolvida, é bem mais
promissora. Ela é chamada de "SunDiesel" e está atualmente sendo testada em
Freiberg, no Estado alemão da Saxônia.
Lá, o visionário Bodo Wolf -um mineiro de carvão que posteriormente se
tornou engenheiro- desenvolveu um método que permite uma replicação em alta
velocidade do processo no qual os combustíveis fósseis são formados a partir
da madeira e outras substâncias orgânicas.
A percepção chave que lhe permitiu desenvolver seu método na Alemanha
Oriental, antes da queda do Muro de Berlim, está contida em uma verdade
simples: "Petróleo, gás e carvão -todos são energia solar".
Todos os combustíveis fósseis que são fundamentais para a era industrial são
produtos de vida vegetal e animal pré-histórica que desapareceu sob a terra
antes que pudesse apodrecer. As florestas se tornaram carvão; lagos secos
cheios de algas e animais se tornaram campos de petróleo e gás. Expostos a
uma enorme pressão e altas temperaturas, os antigos organismos foram
transformados nas fontes de energia sólida, líquida e gasosa de hoje.
Wolf desenvolveu um método que reproduz este processo e o acelera
dramaticamente. O "método Carbo-V" patenteado de Wolf realiza em poucas
horas o que a natureza levou milênios para obter: madeira, palha e toda
forma de matéria orgânica desidratada é convertida em um gás sintético em um
sistema de fornalhas e catalisadores. O diesel combustível é então extraído
deste gás por meio de um reator Fischer-Tropsch, um equipamento já usado
para liquefazer o carvão e o gás natural.
A empresa fundada por Wolf é chamada Choren. As primeiras três letras do
nome representam carbono (C), hidrogênio (H) e oxigênio (O) -os blocos de
construção da vida orgânica e de todo combustível convencional; as últimas
três letras do nome são uma abreviação de "renovável".
O fundador da Choren agora está aposentado, mas uma série de empresas
poderosas atualmente possuem uma participação em seu legado. A Daimler
Chrysler e a Volkswagen são parceiras de desenvolvimento da Choren há três
anos. E a Shell passou a investir na empresa no ano passado.
As expectativas são altas, apesar dos produtores de diesel de Freiberg ainda
estarem longe de uma etapa comercial. Até o momento, apenas uma pequena
instalação de pesquisa foi montada. No próximo ano -muito mais tarde do que
o originalmente planejado- uma segunda instalação maior entrará em operação;
ela produzirá 15 mil toneladas de SunDiesel por ano. No final uma grande
refinaria será construída na cidade de Lubmin, no Estado alemão oriental de
Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental, para uma produção anual de 200 mil
toneladas.
O oponente mais perigoso no caminho de tal meta poderá ser o governo alemão.
A crescente produção de biocombustível já deixou sem dinheiro as autoridades
fiscais à procura de novos meios de taxá-lo. O ministro das Finanças da
Alemanha, Peter Steinbrück, do Partido Social Democrata (SPD), já anunciou
que os biocombustíveis em breve serão taxados como a gasolina. Os custos
adicionais que resultariam poderão significar a sobrevivência apenas da
opção barata do óleo de canola. Métodos mais promissores que ainda estão em
desenvolvimento poderão ser abandonados antes mesmo de chegarem ao mercado.
Todavia, a indústria automotiva européia tem uma tremenda esperança no
SunDiesel. Por consumirem pouco combustível, os motores a diesel são um dos
trunfos da indústria -apesar de estarem associados às piores emissões. O
problema das partículas de fuligem foi parcialmente resolvido graças a novas
técnicas de filtragem de partículas. O que permanece é o nível incomumente
alto de emissões de óxido nitroso, um problema que só poderá ser resolvido
com novos investimentos em tecnologia como catalisadores baseados em uréia.
O novo combustível pode oferecer uma solução: o SunDiesel é mais limpo que o
diesel convencional. Ele não é tóxico e livre de aromáticos. Substituir o
combustível regular o pelo SunDiesel levaria a uma forte redução dos níveis
de emissão sem exigir qualquer processamento adicional das emissões.
Além disso, combustíveis sintéticos como o desenvolvido pela Choren, que
também é conhecido como BtL (biomass to liquid, "biomassa para líquido"),
prometem uma eficiência maravilhosa -mesmo ainda não tendo sido testados.
Especialistas do governo alemão da FNR estimam que o SunDiesel poderia
proporcionar uma produção anual de 4 mil litros por hectare -três vezes mais
que o óleo de canola e cerca de uma vez e meia mais que o etanol.
Mas ainda mais pode ser obtido da biomassa. Como matéria-prima, a madeira é
uma fornecedora de energia de primeira classe -especialmente quando não é
usada para mover carros, mas sim produzir eletricidade e calor.
Thomas Nussbauer, um especialista em recursos do Instituto Federal Suíço de
Tecnologia, em Zurique, declarou diretamente que biocombustível baseado em
madeira é inadequado para uso em transporte rodoviário. Em um artigo para a
revista "Holz-Zentralblatt" do setor madeireiro e florestal, ele fez um
apelo pela colocação dos restos de árvores em fornalhas em vez de tanques de
combustível. Segundo Nussbauer, a madeira fornece calor com a mesma
eficiência dos combustíveis fósseis, mas produz apenas três quartos da
eficiência quando usados como combustíveis para motor.
Michael Deutmeyer, que é responsável pela gestão de biomassa da Choren, não
duvida da validade do cálculo de Nussbauer, mas argumenta que ele se
esqueceu do ponto principal. Deutmeyer argumenta que já há muitas
alternativas para fontes de energia fósseis nas áreas de produção de calor e
eletricidade: "A produção de energia solar e geotérmica, um isolamento
melhorado, assim como energia eólica e hídrica representam uma ampla
variedade de técnicas que podem ser usadas", ele disse. "Mas quando se trata
de transportes, ainda não há alternativa viável para fontes de energia
fósseis." Para melhor ou pior, o carro ainda depende de petróleo. Tentativas
de mover carros com eletricidade eficazmente fracassaram.
Nem as atuais melhorias na tecnologia de baterias para os veículos híbridos
prometem tornar os motores de carros elétricos adequados para produção em
série tão cedo. Um tanque de gasolina cheio, que pode fazer um motor rodar
por centenas de quilômetros e pode ser reabastecido em questão de minutos,
ainda é muito superior do que qualquer alternativa desenvolvida até o
momento.
Gás natural, como nas vacas
Ainda assim, o conteúdo do tanque não precisa ser líquido. Até o momento, a
melhor alternativa para combustíveis fósseis como a gasolina e o diesel vem
na forma de gás, não líquido. Ele também vem do campo e já está sendo
produzido por uma técnica tão simples quanto provada.
Segundo cálculos dos especialistas da FNR, o metanol de biomassa fermentada
apresenta o maior potencial. Uma produção anual de 3.560 quilos de metanol
pode ser obtida de um hectare. Isto seria suficiente para substituir 5 mil
litros de gasolina -o melhor dos resultados.
Na superfície, a técnica lembra a usada na produção de etanol; ambas são
muito mais simples do que as técnicas altamente complexas envolvidas na
produção de BtL. A colheita não precisa ser desidratada, mas se transforma
automaticamente no combustível desejado após ser colocada em um grande tonel
cheio de sedimento úmido.
Os desenvolvedores da técnica se inspiraram no sistema digestivo das vacas e
outros herbívoros -e no ciclo natural de crescimento, ingestão, excreção e
fertilização. O "biogás" pode ser desenvolvido a partir de uma variedade de
plantas e esta diversidade também é benéfica ao solo. O processo também
resulta em seu próprio fertilizante -os resíduos produzidos podem ser usados
como fertilizante assim como esterco.
Até o momento, o setor de biogás tem se concentrado principalmente na
produção de eletricidade. O gás obtido nos processos de produção alimentam
geradores que criam energia para a rede elétrica. A produção média é bem
menor do que os cata-ventos ou painéis solares em termos de espaço
necessário para produção de eletricidade. Mas as fazendas de energia têm uma
vantagem que os administradores da rede elétrica valorizam bastante: eles
fornecem energia constantemente -mesmo à noite ou quando o vento não está
soprando.
Dentro de pequenas usinas de força, o biometanol faz exatamente o que faria
dentro de um carro: ele alimenta motores. Ele também é perfeitamente
adequado para abastecer carros movidos a gás natural.
De poços de petróleo a relhas de arado
Mas a indústria tem sido lenta em adaptar o combustível para os transportes.
Postos de abastecimento de biogás só existem em poucos locais -na Alemanha e
Suécia, por exemplo. O problema é a falta de consumidores. Mesmo o uso de
gás natural como combustível de veículos não representa um avanço. Há anos
os produtores de gás e produtores de carros movidos a gás natural -Opel,
Volvo e Fiat são as montadoras que lideram o setor- lutam pela aceitação,
mas com pouco sucesso. Seus projetos estagnaram devido aos custos envolvidos
na produção das modificações necessárias nos carros existentes e na
infra-estrutura dos transportes.
Um posto de abastecimento de gás natural com a unidade de armazenagem
pressurizada necessária custa cerca de 200 mil euros (US$ 254.602) -cerca de
quatro vezes mais do que um posto de gasolina e diesel. As montadoras de
carros cobram adicionais entre 2 mil e 4 mil euros (US$ 2.545 e US$ 5.090)
para carros com motores equipados para lidar com gás natural, em parte
devido ao custo adicional de equipar um carro com tanque pressurizado.
Além disso, apenas poucos dos carros movidos a gás natural atualmente
disponíveis no mercado percorrem uma distância aceitável até precisarem ser
reabastecidos. A instalação de um número suficiente de contêineres de gás
pressurizado ainda não é tecnicamente possível na maioria dos carros. O
resultado é que o combustível alternativo subsidiado pelo Estado -e portanto
extremamente barato- ainda precisa se tornar popular. Cerca de 30 mil carros
movidos a gás natural rodam na Alemanha, onde cerca de 650 postos de
abastecimento foram implementados -talvez de uma forma um tanto otimista.
Especialistas empregados pelas grandes companhias de petróleo também
discordam das chances de sucesso do combustível alternativo. A Aral, uma
subsidiária da BP, tem patrocinado de forma consistente a ampliação da rede
de postos de abastecimento -particularmente devido ao tremendo potencial
regenerativo do biogás. Os especialistas da Shell, por outro lado, acreditam
que o gás natural nunca será mais que um nicho de mercado (para empresas com
suas próprias frotas de veículos, por exemplo) e preferem se concentrar na
conversão do gás natural em combustível líquido.
"Os maiores erros que podemos cometer durante a pesquisa de alternativas é
apressar as experiências com a infra-estrutura", alertou Wolfgang Lüke, o
pesquisador da Shell. Segundo ele, os únicos combustíveis alternativos com
potencial são aqueles que podem ser misturados aos combustíveis
convencionais. O etanol e o SunDiesel atendem a este critério.
Lüke prevê que os líquidos que fornecerão energia em uma era pós-combustível
fóssil serão misturados aos combustíveis convencionais em quantidades
gradualmente maiores, encerrando a era do petróleo gota a gota -um processo
confortavelmente lento que já começou e que os consumidores mal percebem,
além de um ocasional debate político ineficaz.
Parece aconselhável, por outro lado, não superestimar a velocidade com que
este desenvolvimento está transcorrendo. Países com menor população como a
Suécia, que está lutando pela independência do petróleo, ou os Estados
Unidos, um país viciado em petróleo ciente dos problemas envolvidos em sua
dependência, dispõem de terras cultiváveis grandes o suficiente para
fornecer à sua indústria uma quantia substancial de biomassa. Mas na Europa
Central, a produção de quantidades suficientes de combustível de base
orgânica para carros não é nem remotamente viável.
Segundo uma previsão da FNR, cerca de 3,5 milhões de hectares de terras
cultiváveis alemãs estarão disponíveis para produção de biomassa em 2020. Em
caso de adoção de um ponto de vista otimista quanto ao futuro
desenvolvimento tecnológico, este terreno poderá fornecer cerca de um quarto
do combustível consumido pelos veículos na Alemanha.
Mas globalmente "o potencial da biomassa é enorme", disse Birger Kerckow, um
especialista da FNR. E Konrad Scheffer, um professor do Instituto de Ciência
Agrícola da Universidade de Kassel, no oeste da Alemanha, alega que o
conteúdo de energia da vegetação que está constantemente se reproduzindo na
superfície da Terra excede as atuais necessidades de energia da humanidade
em um fator entre oito e 10. Nos cenários desenvolvidos pelo setor rural,
relhas de arado substituirão poços de petróleo. O ex-ministro da
Agricultura, Renate Künast, um membro do Partido Verde da Alemanha, já
apelidou os produtores rurais de "xeques do petróleo do amanhã".
Hidrogênio, a última fronteira
O gás mágico que algumas montadoras gostam de citar como futuro elixir de
mobilidade sem culpa não é muito mencionado atualmente -o hidrogênio.
Engenheiros há muito consideram o mais leve dos elementos na tabela
periódica como uma fonte universal de energia da era pós-combustível fóssil.
Produzido a partir da água por energia solar ou eólica, o gás explosivo
seria usado como fonte ilimitada de energia -perfeitamente limpo e
infinitamente reproduzível.
As montadoras investiram bilhões no desenvolvimento de protótipos. Vans e
carros com unidades de combustão que transformam o hidrogênio em energia de
forma altamente eficiente e sem produzir emissões significativas ainda podem
ser encontrados em muitos lugares.
Os motores de combustão também podem ser abastecidos com hidrogênio. A BMW
desenvolveu um carro de corrida de 12 cilindros, abastecido por hidrogênio,
que rompeu a barreira dos 300 km/h em uma corrida "verde" de entretenimento.
A Mercedes até mesmo planejou começar a vender carros com unidades de
combustão de hidrogênio em 2004.
Mas ninguém mais fala sobre a nova tecnologia. A Daimler Chrysler agora
projeta para 2015 -e provavelmente também terá que revisar tal meta. Há
muitos carros capazes de rodar a hidrogênio -o que falta é o próprio
hidrogênio.
Em nenhuma parte do mundo é possível encontrar mesmo o início de um projeto
para produção do gás ecologicamente limpo em escala industrial. Mesmo a
Shell, uma das empresas com mentalidade mais aberta no setor de petróleo,
hesita quando se trata de fazer declarações sobre o hidrogênio combustível:
"O hidrogênio poderá ser o combustível definitivo", diz a legenda de uma das
imagens que Warnecke, o diretor de pesquisa e desenvolvimento, gosta de
apresentar.
Segundo Warnecke, um dos maiores obstáculos é a incompatibilidade do
hidrogênio com os combustíveis existentes: "O etanol e o BtL podem ser
misturados com o combustível convencional. O hidrogênio exige uma mudança
para uma infra-estrutura totalmente nova".
E esta infra-estrutura seria muitas vezes mais complicada e cara do que a
exigida para abastecer carros com gás natural. O hidrogênio precisa ser
resfriado a 253º C negativos ou pressurizado a 700 bares (três vezes o nível
de pressurização do gás natural) antes que um carro possa usar o combustível
para percorrer uma distância razoável. A infra-estrutura existente voltada
ao petróleo é portanto completamente inadequada.
Além dos obstáculos econômicos, mesmo especialistas sem laços estreitos com
a indústria do petróleo também se mostram céticos em relação aos benefícios
ambientais do hidrogênio. A produção ecologicamente "limpa" do hidrogênio
exige um excedente tremendo de eletricidade de fontes viáveis. Tal excedente
existe apenas em poucos locais, como no paraíso geotérmico da Islândia (onde
o calor da terra pode ser usado para produzir energia) ou o Paraguai (onde
energia hidrelétrica é abundante).
O respeitado Instituto Wuppertal alemão, que estuda o meio ambiente, clima e
energia, examinou os riscos e oportunidades de uma transição forçada para
uma economia a base de hidrogênio. A conclusão foi de que tal transição "não
faria sentido ecológico pelos próximos 30 a 40 anos". Seria muito mais
eficaz introduzir a energia produzida de fontes ecologicamente viáveis
direto na rede elétrica, em vez de usá-la para produzir hidrogênio.
Mas se uma produção limpa e em grande escala de hidrogênio tiver início em
meados do século 21, então o gás provavelmente não terminaria nos tanques de
carros movidos a hidrogênio.
Os produtores de combustíveis de base botânica provavelmente se
transformariam em compradores ávidos do hidrogênio. A produção de diesel BtL
está sofrendo de uma falta severa de hidrogênio. A introdução da substância
altamente reagente no processo de produção da Choren poderia dobrar a
produção das usinas de diesel BtL.
O resultado seria uma cadeia de produção plenamente sustentável, uma que
seguiria o exemplo de milênios de história natural. O hidrogênio é um
elemento que gosta de seu unir a outros elementos. Apenas quando está
combinado com carbono é que resulta no bloco de construção básico da vida
orgânica -e com ele nos recursos de energia do petróleo e do gás natural.
"Em nenhuma parte da natureza o hidrogênio aparece em forma pura", disse
Wolf, o fundador da Choren. "Por que seria assim na indústria?"
(Por Christian Wüst, Der Spiegel, 22/09/2006)
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/derspiegel/2006/09/22/ult2682u206.jhtm