Em janeiro de 2007, quando o presidente Bush se dirigir à sociedade
americana em seu discurso à União, aquecimento global pode ser citado como
uma questão de relevância nacional – o que representaria uma mudança radical
na postura do governo dos Estados Unidos. Esta reviravolta foi o tema da
coluna de Geoffrey Lean, editor de meio ambiente do jornal britânico The
Independent, no último domingo. E entre os motivos apresentados para a
conversão de Bush e sua equipe estão a possível vitória de uma maioria
democrata nas eleições para o Senado em novembro e a pressão exercida por
prefeitos e governadores republicanos para que o país adote medidas mais
restritivas contra a emissão de gases poluentes.
Na linha de frente da ala republicana verde está Arnold Schwarzenegger, que
como governador da Califórnia se revelou o conservador do futuro. Em 31 de
agosto, a Assembléia Legislativa do estado aprovou a lei mais restritiva da
federação em relação à emissão de dióxido de carbono, exigindo uma queda de
25% na poluição produzida dentro do território da Califórnia até 2020 - uma
regressão para patamares próximos aos de 1990. As empresas têm até 2012 para
se adaptarem à nova lei, que permite a compra e venda de crédito de carbono
entre companhias menos e mais poluentes para facilitar o processo. A medida
afeta de termelétricas (responsáveis por 1/5 da energia consumida pelos
californianos) a refinarias de petróleo – uma vez que a lei exige
fornecimento de energia limpa, mesmo que ela seja fornecida por empresas de
fora do estado. E coloca o futuro da economia em xeque.
Segundo o jornal The Wall Street Journal, os representantes das maiores
indústrias da Califórnia são contrários à lei por temer que ela aumente os
custos da produção e prejudique a competitividade de suas empresas. De fato,
é esperado um aumento nos custos de energia até mesmo para os consumidores.
O jornal lembra também que a Califórnia já detém uma das taxas mais caras de
energia, de impostos e o regime regulatório mais duro do país. E que muitas
de suas companhias dependem de energias de baixo custo, fornecidas por
estados vizinhos – quadro que pode se agravar. A nova lei pode ser a gota
d’água que faltava para muitas empresas deixarem o estado.
O jornal The New York Times publicou uma reportagem especial sobre a ousadia
da Califórnia e mostrou que em menos de um mês alguns empresários já
engavetaram projetos para o estado. Allan Zaremberg, presidente da Câmara de
Comércio da Califórnia, reforçou a tese de que as empresas vão fugir para
territórios de leis mais amenas onde elas possam continuar a poluir
livremente. Mas para empresários do Vale do Silício, que pediram para Arnold
Schwarzenegger assinar a lei, a medida é uma chance para Califórnia liderar
um movimento dentro do país que mais cedo ou mais tarde terá que acontecer.
A Califórnia é o 12º maior emissor de gás carbono da Terra – perdendo
apenas, dentro dos Estados Unidos, para o Texas. E um estudo de 2004 da
National Academy of Sciences revelou o quanto o estado pode perder com o
aquecimento global. Este ano, 140 pessoas morreram de calor no verão
californiano. Se as taxas de emissão continuarem a subir, a freqüência das
ondas de calor pode quintuplicar em cem anos e o estoque de água existente
nas montanhas de Sierra Nevada minguar em até 70%.
Segundo uma pesquisa realizada por David Roland-Holst, professor de economia
da Universidade da Califórnia, a nova lei será benéfica ao estado por ter
capacidade de gerar cerca de 17 mil novos empregos e injetar 60 bilhões de
dólares na economia até 2020, ao atrair novos investimentos, especialmente
no setor de energia alternativa.
A Califórnia é responsável por 40% de todo o consumo de energia do Oeste
americano. Como disse Hal Harvey, diretor do programa de meio ambiente da
Fundação Hewlett no estado, ao The New York Times, “Quando você deixa de ter
acesso a 38 milhões de clientes, você repensa. Vender para Phoenix ou Las
Vegas é legal, mas eles não são a Califórnia.” Por outro lado, ao impor
regras restritivas ao uso de energia à base de petróleo e carvão, o estado
ficou dependente em gás natural, cujo preço – lembra investidores – anda
volátil. Já a construção de usinas nucleares está proibida por lei na
Califórnia até que se descubra uma solução para seus resíduos. Atualmente,
10,7% da energia consumida no estado são fornecidos por fontes renováveis.
Em breve, o governador deve assinar um decreto exigindo que essa taxa evolua
para 20% até 2010.
Apesar dos riscos econômicos, a nova lei conta com o apoio da população e
foi fruto de uma aliança entre democratas e republicanos. Uma pesquisa de
opinião realizada em julho revelou que dois terços dos californianos são a
favor da medida.
A adoção de leis a favor da atmosfera já se tornou uma tradição na
Califórnia. O The New York Times lembra que na década de 70 o estado foi o
precursor mundial no uso de catalisadores em carros. Há quatro anos, foi o
primeiro integrante da federação americana a regular a emissão de carbono
emitida por veículos – medida que até hoje está sendo questionada na justiça
por empresários. Em 2005, importantes investidores do setor elétrico foram
impedidos de fechar contratos de longo prazo com fornecedores que não se
adequassem a um padrão de emissão. E em agosto deste ano, Schwarzenegger
assinou um decreto exigindo que o mercado imobiliário ofereça aos
compradores casas com energia solar até 2012.
Segundo dados do governo federal, metade da emissão de dióxido de carbono
produzida na Califórnia sai dos canos de descarga dos carros. Mas a recente
mudança na preferência dos californianos por carros menores, em vez de
utilitários, está contribuindo para uma redução nesta cota. Atualmente a
Califórnia é o sétimo estado americano que menos queima gasolina.
A escolha por veículos menores seria mais econômica do que ecológica. O real
motivo seria o preço da gasolina, mas foi justamente para inibir uma
regressão aos velhos modos que a lei de regulação de emissão de dióxido de
carbono para veículos foi aprovada em 2002. Ela obriga os fabricantes a
reduzirem em 30% a emissão de CO2 de carros vendidos na Califórnia até 2009,
e até 2016 para caminhões e utilitários.
A medida foi copiada por outros estados como Nova York, Nova Jersey e
Connecticut, o que apavorou ainda mais a indústria automobilística e botou
fogo numa questão polêmica que começou a chamuscar as orelhas de abana do
presidente Bush: quem regula emissão de CO2 no país?
O principal argumento dos fabricantes de carro para invalidarem a lei é que
para carros emitirem menos CO2 é necessário terem combustíveis mais
eficientes, mas o controle desse tipo de eficácia é exclusivo do
Departamento de Transportes Federal. Portanto, a lei originada na Califórnia
é inconstitucional. Paralelamente, a Suprema Corte estuda se a lei exige que
a agência ambiental americana, a Environmental Protection Agency, declare
CO2 um poluente e o regule. Há uma discussão se o gás já não é considerado
nocivo pelo Clean Air Act, lei americana que controla a poluição atmosférica
nos Estados Unidos.
Enquanto o assunto exige respostas do Judiciário, cresce a pressão da
população americana para que o país adote uma posição mais clara sobre como
enfrentar o problema. Uma pesquisa de opinião pública nacional, realizada em
agosto a pedido do The New York Times e da CBS News, mostrou que a maioria
dos entrevistados considera o aquecimento global uma ameaça muito séria ou
séria à economia e à qualidade de vida americana. No entanto, não foram
questionados até que ponto estariam dispostos a se sacrificar para reduzir
as taxas de emissão dos Estados Unidos – o maior poluidor do mundo.
Graças a este cenário, a Califórnia acredita que sairá fortalecida da
decisão pioneira de reduzir a emissão de CO2 em seu território. A aposta é
que por pressão, outros estados – republicanos e democratas – e até o
governo federal vão adotar medidas semelhantes, e o estado servirá de
modelo. “Nada disso funciona ou importa se outros estados e países não
copiarem o nosso exemplo”, disse Catherine Witherspoon, gerente executiva do
Califórnia Air Resources Board ao The Wall Street Journal. A agência
estadual é responsável por descobrir como fazer a nova proposta de sonho
americano dar certo.
(Por Carolina Elia,
OEco, 18.09.2006)