Derrubada de 36 hectares de eucaliptos em Espírito Santo expõe novamente conflito entre indígenas e Aracruz
2006-09-19
Os americanos vieram ver uma guerra. Ainda não escolheram o lado, mas estão
prestes a fazê-lo. Por ora, só espreitam. Já era noite da terça-feira (12/9) quando
aterrissou no Espírito Santo o primeiro deles. Engravatado, rumou para os imensos campos
de eucalipto da Aracruz Celulose, no norte do Estado. Os índios estão conflagrados. Com
tacapes, arcos, flechas e motosserras, durante uma semana tupiniquins e guaranis
colocaram abaixo 36 hectares de floresta de eucalipto da Aracruz, uma área equivalente a
50 campos de futebol. O prejuízo estimado era de pelo menos R$ 1 milhão. Eles montaram
acampamento dentro do eucaliptal vizinho ao complexo industrial da empresa, a 70
quilômetros de Vitória. O americano é representante de compradoras de até 70% da
produção anual da Aracruz – e dependendo da repercussão internacional do conflito pode
escolher fazer negócios com outra companhia.
A invasão foi a forma encontrada pelos índios para forçar o ministro da Justiça, Márcio
Thomaz Bastos, a demarcar as terras. Para a Fundação Nacional do Índio, a Funai, os 11
mil hectares em que a Aracruz planta eucaliptos pertencem a seis aldeias situadas na
região.
A derrubada das árvores é mais um capítulo de uma velha briga, agora acirrada porque os
índios, moradores de aldeias civilizadas encravadas bem perto de centros urbanos,
resolveram voltar a reivindicar a posse das terras. O relatório do órgão, 18 volumes de
documentos contendo a recomendação para demarcar a propriedade, chegou na terça-feira (13/9)
ao Ministério. Lá, passará pelo crivo da assessoria jurídica de Thomaz Bastos. Depois,
caberá ao ministro a decisão final. Todo o processo deverá levar pelo menos um mês. Mas
os índios não querem esperar. Na quinta-feira 14 eles ameaçavam atear fogo numa torre de
transmissão que fornece energia para a fábrica de celulose.
Com os troncos das árvores cortadas, os guaranis e tupiniquins obstruíram as estradas
vicinais usadas para escoar a madeira. A Aracruz até tentou desobstruir. Escalou 40
empregados de uma empreiteira. Foram todos cercados pelos índios, que ainda lhes tomaram
quatro motosserras. O movimento é liderado por um grupo de caciques. O chefe maior da
turma, um jovem conhecido como Jaguareté, tornou-se celebridade local. É ele quem fala
em nome dos índios, pintado para a guerra, de cocar, borduna à mão. “Não agüentamos mais
promessas”, repete. A Aracruz contesta a conclusão da Funai de que as terras pertencem
aos índios. Sustenta que os cerca de dois mil indígenas que habitam a região nunca foram
nativos dali.
Essa é a terceira onda pela demarcação das terras. Na última delas, em 1998, os índios
conseguiram apenas uma parte da área que queriam. Resistiram. Acabaram fechando um
acordo com a Aracruz, considerado inconstitucional pelo MPF, em que trocavam terras por
cestas básicas. Agora eles querem mais do que isso.
(Por Rodrigo Rangel, IstoÉ, 20/09/2006)
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