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2006-09-19
Os biocombustíveis crescem na América Latina e alimentam sonhos de abundância em países como Argentina e Colômbia. Entretanto, a experiência do Brasil, o pioneiro, deixa dúvidas sobre o potencial impacto ambiental desta fonte energética. Comprometido com o etanol e o biodiesel, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretende converter o Brasil em uma potência energética. O vôo econômico do país foi prejudicado, nos anos 70, pela dependência do petróleo importado e de suas bruscas altas de preços. Entretanto, ecologistas alertam que, embora os biocombustíveis reduzam os gases que provocam o efeito estufa (responsável pela mudança climática), também podem desatar uma forte expansão de monocultivos, que desmatam e destróem a biodiversidade.

Solitário durante três décadas no uso do etanol, ou álcool etílico, para substituir parte da gasolina, o Brasil desenvolveu tecnologias e uma economia canavieira que lhe asseguram uma competitividade absoluta na exportação do insumo, ainda que limitada por barreiras protecionistas e um mercado internacional titubeante. E pretende disputar o mercado de biodiesel, onde não tem a mesma qualidade de pioneiro. Outros países da região querem imitar a estratégia brasileira. Colômbia e Argentina se destacam por fortalecer legislações para o fomento dos biocombustíveis.

Uma lei, aprovada em 2001, estipula que a gasolina colombiana deverá conter 10% de etanol em 2009 e, gradualmente, deverá chegar a 25% entre 15 e 20 anos. Uma legislação semelhante é preparada para o biodiesel, com base na palma africana, da qual já se produz 600 mil toneladas anuais de óleo comestível. “A Colômbia pode ser o terceiro na produção de biocombustíveis, superada somente por Estados Unidos e Brasil, se lhe for favorável a produção de óleo de palma para biodiesel”, disse ao Terramérica David Cala, diretor da Corporação para o Desenvolvimento Industrial da Biotecnologia (Corpodib), que reúne universidades, empresas e centros tecnológicos. As exportações poderiam chegar a dez milhões de litros por dia de álcool de cana e beterraba e a três milhões de toneladas anuais de biodiesel, entre duas e três vezes o consumo interno, dentro de 10 a 20 anos, estimou Cala.

Na Argentina, a Lei de Biocombustíveis, aprovada em abril impõe 5% de biodiesel e de etanol nos derivados de petróleo, a partir de janeiro de 2010. “Esse mínimo obrigatório, que pode ser maior”, exige 600 mil toneladas anuais de biodiesel e 160 mil de etanol para o mercado interno, que absorveriam somente 8% e 3% da atual produção nacional de soja e milho, respectivamente, disse ao Terramérica Miguel Almada, economista do Programa Nacional de Biocombustíveis. Além disso, “está se desenvolvendo uma indústria de exportação de etanol e biodiesel de aproximadamente dois milhões de toneladas por ano”, acrescentou.

Estas previsões econômicas otimistas devem, entretanto, levar em conta a variável ambiental. E a experiência brasileira pode representar algumas lições. “Preocupa que um novo ciclo econômico baseado em biocombustíveis desate a expansão de monocultivos e o conseqüente desmatamento”, disse ao Terramérica Délcio Rodrigues, especialista em energia da Vitae Civilis, organização não-governamental brasileira muito ativa no controle da mudança climática. A economia canavieira não é um bom exemplo ambiental. No Estado de São Paulo, que produz 70% do álcool brasileiro, as empresas, em geral, não respeitam o Código Florestal, que exige preservar a natureza em 20% das propriedades rurais. A indústria também incendeia os canaviais para facilitar a colheita, o que provoca uma grave poluição atmosférica, lembrou Rodrigues.

E a soja, a principal matéria-prima do biodiesel por sua grande produção atual, “já se converteu em um dos principais fatores do desmatamento amazônico e da região do Cerrado, bioma de savanas e florestas baixas que ocupa a extensa área central do Brasil”, afirma o especialista. No Brasil, o biodiesel começou a ser adicionado ao diesel derivado do petróleo na proporção de 2%, que aumentará para 5% em 2013. O país também optou pelo H-BIO, um processo de hidroconversão desenvolvido pela Petrobras, que acrescenta até 18% de qualquer óleo vegetal ou animal no próprio refino do petróleo para produzir o diesel.

A Petrobras já adaptou três de suas refinarias e pretende iniciar a produção em dezembro, buscando economizar a importação de 256 milhões de litros de diesel no próximo ano, e um bilhão a partir de 2010. O óleo de soja será o principal insumo. O H-BIO não afetará o biodiesel porque são complementares, afirmam as autoridades da área energética. É previsto um consumo de 840 milhões de litros de biodiesel em 2007, com mistura de 2%. O programa foi criado para favorecer a agricultura familiar na produção de rícino, palma e outras fontes de óleo vegetal, com isenções de impostos especialmente nas regiões mais pobres do Brasil, norte e nordeste.

Entretanto, o plano envolve os pequenos agricultores somente como simples fornecedores de oleaginosas, sem incluí-los no processo agroindustrial, em cooperativas que produzam, pelo menos, o óleo, criticou Rodrigues. A Petrobras deve assumir sua “responsabilidade social”, enquanto a pressão dos importadores europeus em favor de padrões ambientais poderia evitar maiores danos, acrescentou. Estudos dos ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente identificaram, nos Estados brasileiros que já contam com infra-estrutura para produção de álcool, 15 milhões de hectares de zonas degradadas propícias para a expansão agrícola, informou ao Terramérica Vânia Araújo, do Ministério do Meio Ambiente.

Assim, será possível triplicar os seis milhões de hectares hoje ocupados pela cana-de-açúcar, teoricamente sem invadir áreas conservadas, mas isso exige articular um bom sistema de controle com os governos estaduais, já que a autoridade ambiental é descentralizada, advertiu a funcionária.
(Por Mario Osava, Terramérica, 18/09/2006)
http://www.envolverde.com.br/materia.php?cod=22560&edt=1

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