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2006-09-19
Glaucia Savin *

A gestão dos resíduos sólidos, em todo o mundo, aponta para o que se convencionou denominar por “manejo ambientalmente saudável dos resíduos sólidos”. A Agenda 21, em capítulo específico, recomenda o manejo abrangente dos resíduos sólidos, buscando, antes do tratamento e da disposição final, incentivar a mudança dos padrões de produção e consumo vigentes por padrões ambientalmente sustentáveis.

A questão das embalagens insere-se nesse contexto e vem sendo tratada pela legislação de diversos países como um “resíduo de características especiais”, merecendo, por isto, regulamentação específica.

Dada a ausência de metodologia segura capaz de determinar, de forma objetiva, a magnitude do impacto ambiental da embalagem para o meio ambiente, a legislação de cada país ou grupo econômico acaba por se mostrar, muitas vezes, arbitrária e suscetível às pressões locais. Muitas vezes, dada à falta de dados mais precisos, a legislação acaba traduzindo o resultado de pressões de grupos mais fortes, ou melhor, organizados, em favor de certos materiais e em prejuízo da solução ambientalmente mais adequada.

A Alemanha foi o primeiro país a estabelecer, por meio da Lei Topfer, uma política nacional acerca do gerenciamento dos resíduos sólidos, atribuindo ao produtor a responsabilidade pós-consumo. Dada a iniciativa do governo alemão, as indústrias de vários segmentos criaram uma corporação, denominada DSD — Dual System Deutschland, que financia, gerencia e estabelece regras para todo o processo de descarte das embalagens, incluindo a coleta e a reciclagem.

A Comunidade Econômica Européia, por meio da Diretiva 94/64/CE2, buscou restringir a utilização de embalagens e resíduos de embalagens, além de dispor sobre os materiais empregados em sua fabricação, na tentativa de reduzir seu impacto no meio ambiente. A política adotada tem como princípios fundamentais os chamados três erres: reduzir, reutilizar, reciclar.

Na Europa, dada a adoção pelos países da Comunidade Econômica de normas cada vez mais restritivas, para atendimento aos objetivos e ao rígido cronograma estabelecido por meio da Diretiva 94/62/CE, as indústrias vêm apostando em novas tecnologias e sistemas de gestão de embalagens.

Nos Estados Unidos, embora a legislação sobre o tema seja afeta à competência de cada estado-membro, a prática da reciclagem é amplamente difundida e necessária, dado o grande volume de resíduos gerado no país. Estima-se que a produção de resíduos nos Estados Unidos aproxime-se de meia tonelada per capita ao ano. Isto corresponde ao dobro do que é produzido por um indivíduo no Japão ou na Europa.

A despeito de a legislação norte-americana não apresentar uma política de gestão uniforme sobre embalagens, a EPA — Enviroment Protection Agency estabeleceu prioridades e metas para a gestão dos resíduos sólidos. Dada a política ambiental estabelecida pela Agência Ambiental, muitos estados americanos acabaram adotando padrões mais restritivos em relação a vários tipos de embalagens.

A situação é bastante diversa no Canadá, onde a gestão ambiental das embalagens e resíduos de embalagens é tema de uma política específica, desenvolvida pelo CCME — Canadian Council of Ministers of the Environment. A agenda ambiental do Canadá adotou a política dos três erres e possui disposições bastante restritivas acerca das embalagens e resíduos de embalagens.

O contexto brasileiro
O Brasil ainda não dispõe de um texto legislativo que integre todas as ações relativas à implementação de uma política integrada em relação aos resíduos sólidos e, em especial, quanto ao destino final de embalagens. Vários avanços foram obtidos recentemente em virtude da adoção, por várias empresas, da série de normas ISO 14.000, dada a necessidade de acompanhamento do ciclo de vida do produto.

Na esteira da normatização internacional, o Brasil vem atualizando o conteúdo de suas normas. A título de exemplo, podemos citar o regramento que se estabeleceu para a disciplina do destino final das embalagens de produtos agrotóxicos. O legislador repartiu a responsabilidade pela destinação final das embalagens entre o gerador do produto e seu usuário, fiel à tendência já consolidada, no sentido da normatização da responsabilização pós-consumo do produtor/importador.

Tramita, na atualidade, na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 203/91, que dispõe sobre a Política Nacional de Resíduos Sólidos, ao qual foram apensadas mais 70 outras proposições que tratam do mesmo tema, inclusive a proposta elaborada pelo Conama — Conselho Nacional do Meio Ambiente, consubstanciada na Resolução de 259/99.

Especificamente em relação às embalagens, verifica-se ser a tônica do projeto a responsabilização pós-consumo dos geradores de resíduos, com a adoção das seguintes tendências:

- desincentivar a produção de embalagens descartáveis;
- incentivar o uso de retornáveis;
- incentivar o fabricante a receber o produto exaurido;
- onerar produtos comercializados em embalagens descartáveis;
- estimular/incentivar o desenvolvimento de tecnologias ambientalmente adequadas;
- estimular o envolvimento e a participação social.

Na esteira da legislação adotada pela Comunidade Econômica Européia, por meio da Diretiva 94/62/CE, o Projeto de Lei 203/91 conceitua por embalagem “todos os produtos, confeccionados de quaisquer materiais, utilizados para conter, proteger, transportar, armazenar e apresentar mercadorias, desde matérias-primas até produtos acabados, utilizados desde a produção até o consumo nas etapas de produção, armazenamento, transporte e entrega”.

Adotou-se, em relação à caracterização da embalagem, o mesmo critério utilizado pela Diretiva Européia. As embalagens foram classificadas sob três espécies distintas (primária, secundária ou agrupada e terciária ou “de transporte”), levando-se em consideração sua finalidade em relação ao produto.

O projeto de lei estabelece que, após dois anos contados da vigência da lei, as embalagens não poderão exceder, em volume e em peso, o necessário para sua eficiência, devendo ser fabricadas de forma a possibilitar sua reutilização e reciclagem, minimizando os riscos ao meio ambiente.

A responsabilidade pelo gerenciamento dos resíduos de embalagens é do fabricante/importador quando esta puder ser caracterizada como produto de venda específico e independente; é de responsabilidade do utilizador ou do envasador nas hipóteses em que a embalagem constitui veículo necessário ao acondicionamento do produto fabricado. Nesta última hipótese, a responsabilidade pela coleta e retorno da embalagem é solidária, abrangendo o fabricante, o importador, o envasador e o utilizador, que devem elaborar plano de gestão de resíduos especiais de embalagem, sendo obrigatório o recebimento das embalagens por estes fabricadas ou utilizadas.

A discussão do problema
A análise da legislação em vigor e das tendências que vêm se consolidando em todo o mundo em relação ao descarte de embalagens nos levam à reflexão sobre a necessidade de adoção de mecanismos que permitam à indústria conhecer seu destino final, de forma a evitar a responsabilização ambiental por sua reutilização ou descarte indevido.

Os sistemas adotados por todo o mundo prevêem a adoção de alguns instrumentos aptos a ensejar a implementação da política de controle do destino final das embalagens. Dentre outros, podemos destacar os programas de gerenciamento integrados, com a criação de centros de recepção de resíduos; a utilização de instrumentos econômicos (incentivos e benefícios); a valorização dos resíduos; a certificação ambiental de produtos e serviços; o seguro ambiental e a adoção de sanções (premiais e penais).

A implementação de postos de coleta de embalagens, de acordo com a proposta legislativa, passa a ser responsabilidade do produtor/importador, que deverá colocar à disposição do consumidor meios que permitam a restituição das embalagens inservíveis. Porém, não se pode dispensar a iniciativa governamental.

O grande problema que se apresenta diz respeito ao rastreamento das embalagens junto aos pequenos consumidores, pois embora a responsabilidade pela coleta seja compartilhada com o revendedor do produto, é certo que a persecução ambiental sempre será voltada ao produtor que, em geral, detém maior capacidade econômica para responder por eventuais danos causados ao meio ambiente.

Em todo o mundo é grande a preocupação com a reutilização de embalagens pelo consumidor ou por terceiros e suas conseqüências para o produtor originário. A utilização inadequada de embalagens vazias por terceiros, muitas vezes, é apta a gerar a responsabilização ambiental do produtor por ações a que não deu causa.

Mostra-se necessário o desenvolvimento de mecanismos de identificação e rastreamento da embalagem, seja por meio de códigos de barras e sistemas de informação integrados que permitam localizar o invólucro, se não restituído após determinado lapso de tempo. A descoberta de novos desenhos e tecnologias para a embalagem poderá levar à adoção de invólucros que não permitam o reaproveitamento pelo consumidor e facilitem a sua devolução.

Dada a acentuada responsabilidade do produtor/importador de produtos, entendemos que os instrumentos que melhor se adequem à implementação das obrigações legais são os econômicos, por serem capazes de incorporar ao preço dos produtos os custos decorrentes da poluição ambiental. Busca-se, com este mecanismo, compartilhar a responsabilidade ambiental com o consumidor.

É importante lembrar que qualquer ação voltada ao varejo que não envolva o consumidor poderá mostrar-se inócua, transferindo para o produtor/importador toda a responsabilidade do destino final de produtos que não mais se encontram sob sua guarda.

Percorridas várias soluções possíveis, chegamos à inevitável conclusão de que não há uma solução única para o problema, estando, desta vez, produtores e consumidores condenados a equacionarem a questão, de modo a minimizar a possibilidade do surgimento de eventos que possam dar origem à responsabilização ambiental.

De outra parte, nos países nos quais a legislação já discrimina a embalagem, seja por meio de taxação ou de certificação, os produtos que não atendem às exigências ambientais acabam sendo penalizados comercialmente, encontrando dificuldades competitivas. Na Alemanha, há quem afirme até o nascimento de uma nova forma fiscal, de natureza privada, imposta pelo sistema dual ao adotar o chamado Ponto Verde, com suas taxas progressivas, impostas em razão do peso/volume do das embalagens.

O desafio que se nos apresenta implica encontrar soluções que permitam aliar a adequada destinação final da embalagem à necessidade de preservação da integridade do produto, agregando o menor custo possível ao processo produtivo e, ainda, isentando a empresa de qualquer tipo de responsabilidade por danos ao meio ambiente.

*Advogada

( Revista Consultor Jurídico, 18/09/2006)

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