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2006-09-19
Em janeiro de 2007, quando o presidente Bush se dirigir à sociedade americana em seu discurso à União, aquecimento global pode ser citado como uma questão de relevância nacional – o que representaria uma mudança radical na postura do governo dos Estados Unidos. Esta reviravolta foi o tema da coluna de Geoffrey Lean, editor de meio ambiente do jornal britânico The Independent, no último domingo (17/09). E entre os motivos apresentados para a conversão de Bush e sua equipe estão a possível vitória de uma maioria democrata nas eleições para o Senado em novembro e a pressão exercida por prefeitos e governadores republicanos para que o país adote medidas mais restritivas contra a emissão de gases poluentes.

Na linha de frente da ala republicana verde está Arnold Schwarzenegger, que como governador da Califórnia se revelou o conservador do futuro. Em 31 de agosto, a Assembléia Legislativa do estado aprovou a lei mais restritiva da federação em relação à emissão de dióxido de carbono, exigindo uma queda de 25% na poluição produzida dentro do território da Califórnia até 2020 - uma regressão para patamares próximos aos de 1990. As empresas têm até 2012 para se adaptarem à nova lei, que permite a compra e venda de crédito de carbono entre companhias menos e mais poluentes para facilitar o processo. A medida afeta de termelétricas (responsáveis por 1/5 da energia consumida pelos californianos) a refinarias de petróleo – uma vez que a lei exige fornecimento de energia limpa, mesmo que ela seja fornecida por empresas de fora do estado. E coloca o futuro da economia em xeque.

Segundo o jornal The Wall Street Journal, os representantes das maiores indústrias da Califórnia são contrários à lei por temer que ela aumente os custos da produção e prejudique a competitividade de suas empresas. De fato, é esperado um aumento nos custos de energia até mesmo para os consumidores. O jornal lembra também que a Califórnia já detém uma das taxas mais caras de energia, de impostos e o regime regulatório mais duro do país. E que muitas de suas companhias dependem de energias de baixo custo, fornecidas por estados vizinhos – quadro que pode se agravar. A nova lei pode ser a gota d’água que faltava para muitas empresas deixarem o estado.

O jornal The New York Times publicou uma reportagem especial sobre a ousadia da Califórnia e mostrou que em menos de um mês alguns empresários já engavetaram projetos para o estado. Allan Zaremberg, presidente da Câmara de Comércio da Califórnia, reforçou a tese de que as empresas vão fugir para territórios de leis mais amenas onde elas possam continuar a poluir livremente. Mas para empresários do Vale do Silício, que pediram para Arnold Schwarzenegger assinar a lei, a medida é uma chance para Califórnia liderar um movimento dentro do país que mais cedo ou mais tarde terá que acontecer.

Pioneirismo

A Califórnia é o 12º maior emissor de gás carbono da Terra – perdendo apenas, dentro dos Estados Unidos, para o Texas. E um estudo de 2004 da National Academy of Sciences revelou o quanto o estado pode perder com o aquecimento global. Este ano, 140 pessoas morreram de calor no verão californiano. Se as taxas de emissão continuarem a subir, a freqüência das ondas de calor pode quintuplicar em cem anos e o estoque de água existente nas montanhas de Sierra Nevada minguar em até 70%.

Segundo uma pesquisa realizada por David Roland-Holst, professor de economia da Universidade da Califórnia, a nova lei será benéfica ao estado por ter capacidade de gerar cerca de 17 mil novos empregos e injetar 60 bilhões de dólares na economia até 2020, ao atrair novos investimentos, especialmente no setor de energia alternativa.

A Califórnia é responsável por 40% de todo o consumo de energia do Oeste americano. Como disse Hal Harvey, diretor do programa de meio ambiente da Fundação Hewlett no estado, ao The New York Times, “Quando você deixa de ter acesso a 38 milhões de clientes, você repensa. Vender para Phoenix ou Las Vegas é legal, mas eles não são a Califórnia.” Por outro lado, ao impor regras restritivas ao uso de energia à base de petróleo e carvão, o estado ficou dependente em gás natural, cujo preço – lembra investidores – anda volátil. Já a construção de usinas nucleares está proibida por lei na Califórnia até que se descubra uma solução para seus resíduos. Atualmente, 10,7% da energia consumida no estado são fornecidos por fontes renováveis. Em breve, o governador deve assinar um decreto exigindo que essa taxa evolua para 20% até 2010.

Apesar dos riscos econômicos, a nova lei conta com o apoio da população e foi fruto de uma aliança entre democratas e republicanos. Uma pesquisa de opinião realizada em julho revelou que dois terços dos californianos são a favor da medida.

A adoção de leis a favor da atmosfera já se tornou uma tradição na Califórnia. O The New York Times lembra que na década de 70 o estado foi o precursor mundial no uso de catalisadores em carros. Há quatro anos, foi o primeiro integrante da federação americana a regular a emissão de carbono emitida por veículos – medida que até hoje está sendo questionada na justiça por empresários. Em 2005, importantes investidores do setor elétrico foram impedidos de fechar contratos de longo prazo com fornecedores que não se adequassem a um padrão de emissão. E em agosto deste ano, Schwarzenegger assinou um decreto exigindo que o mercado imobiliário ofereça aos compradores casas com energia solar até 2012.

Vilões automobilísticos

Segundo dados do governo federal, metade da emissão de dióxido de carbono produzida na Califórnia sai dos canos de descarga dos carros. Mas a recente mudança na preferência dos californianos por carros menores, em vez de utilitários, está contribuindo para uma redução nesta cota. Atualmente a Califórnia é o sétimo estado americano que menos queima gasolina.

A escolha por veículos menores seria mais econômica do que ecológica. O real motivo seria o preço da gasolina, mas foi justamente para inibir uma regressão aos velhos modos que a lei de regulação de emissão de dióxido de carbono para veículos foi aprovada em 2002. Ela obriga os fabricantes a reduzirem em 30% a emissão de CO2 de carros vendidos na Califórnia até 2009, e até 2016 para caminhões e utilitários.

A medida foi copiada por outros estados como Nova York, Nova Jersey e Connecticut, o que apavorou ainda mais a indústria automobilística e botou fogo numa questão polêmica que começou a chamuscar as orelhas de abana do presidente Bush: quem regula emissão de CO2 no país?

O principal argumento dos fabricantes de carro para invalidarem a lei é que para carros emitirem menos CO2 é necessário terem combustíveis mais eficientes, mas o controle desse tipo de eficácia é exclusivo do Departamento de Transportes Federal. Portanto, a lei originada na Califórnia é inconstitucional. Paralelamente, a Suprema Corte estuda se a lei exige que a agência ambiental americana, a Environmental Protection Agency, declare CO2 um poluente e o regule. Há uma discussão se o gás já não é considerado nocivo pelo Clean Air Act, lei americana que controla a poluição atmosférica nos Estados Unidos.

Enquanto o assunto exige respostas do Judiciário, cresce a pressão da população americana para que o país adote uma posição mais clara sobre como enfrentar o problema. Uma pesquisa de opinião pública nacional, realizada em agosto a pedido do The New York Times e da CBS News, mostrou que a maioria dos entrevistados considera o aquecimento global uma ameaça muito séria ou séria à economia e à qualidade de vida americana. No entanto, não foram questionados até que ponto estariam dispostos a se sacrificar para reduzir as taxas de emissão dos Estados Unidos – o maior poluidor do mundo.

Graças a este cenário, a Califórnia acredita que sairá fortalecida da decisão pioneira de reduzir a emissão de CO2 em seu território. A aposta é que por pressão, outros estados – republicanos e democratas – e até o governo federal vão adotar medidas semelhantes, e o estado servirá de modelo. “Nada disso funciona ou importa se outros estados e países não copiarem o nosso exemplo”, disse Catherine Witherspoon, gerente executiva do Califórnia Air Resources Board ao The Wall Street Journal. A agência estadual é responsável por descobrir como fazer a nova proposta de sonho americano dar certo.
(Por Carolina Elia, OEco, 18.09.2006)

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