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2006-09-14
Com mais de 5 milhões de quilômetros quadrados, ou cerca de 60% do território nacional, a Amazônia Legal Brasileira (os sete estados da região norte, mais o Mato Grosso e parte do Maranhão) é uma vasta região ainda à espera de um modelo de desenvolvimento. Séculos depois de ter rompido a linha do Tratado de Tordesilhas e conquistado aquela área, o Brasil ainda não sabe exatamente o que quer dela. A idéia de que ali se encontra uma enorme riqueza é quase consenso. Não são poucas as pessoas convencidas, no Brasil e no exterior, de que na imensidão da floresta Amazônica, que abriga a maior biodiversidade do mundo, pode estar a cura de doenças como a Aids e o câncer, além de outras riquezas, como minerais, madeira e água.

Para chegar a esse verdadeiro tesouro, porém, é preciso muito trabalho duro e investimento em pesquisas. Mais do que isso: antes de pensar em tirar proveito das potencialidades da Amazônia, o Brasil tem de decidir como deseja explorá-la. Para o biólogo norte-americano Charles Clement, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), há 28 anos no país, o primeiro passo é definir que modelo de desenvolvimento é o mais apropriado para a região. "É com a floresta em pé, com campos agrícolas, criação de gado ou exploração da madeira?", indaga. "Se for com a floresta em pé, será necessário investir muito mais em pesquisa do que se faz hoje."

Para ilustrar o que quer dizer, Clement cita uma analogia feita pelo pesquisador Warwick Kerr, da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com a situação da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) em suas primeiras décadas de existência. "A URSS tomou a decisão de desenvolver a Sibéria, que, assim como a Amazônia, ocupa um vasto território", conta Clement. "Qual foi sua primeira providência? Construir cidades científicas, de diversos tamanhos, espalhadas pela região, e contratar 10 mil cientistas para trabalhar em pesquisa, desenvolvimento e inovação."

Clement ressalta que, além disso, a URSS reconheceu que precisava pagar salários melhores para os pesquisadores que fossem trabalhar na Sibéria do que para os que preferissem ficar em Moscou. "Quantos cientistas seriam necessários agora para desenvolver a Amazônia com a floresta em pé e com a intenção de buscar oportunidades econômicas em todas as escalas na biodiversidade amazônica?", indaga ele. "Não sei, mas o exemplo soviético sugere que são muito mais do que aqueles que estão na região hoje."

Poucos doutores
Segundo dados de 2004 do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), os últimos disponíveis, a Amazônia Legal tinha 4.247 pesquisadores, dos quais 1.980 eram doutores. Esses números representavam 5,5% do total geral e 4,1% do de doutores existentes no país, naquele ano - 77.649 e 47.973, respectivamente. Para piorar o quadro, apenas cerca de metade dos doutores envolve-se de fato em pesquisa, produção de conhecimento e qualificação de pessoal. A outra metade trabalha em funções burocráticas.

A enorme disparidade em relação ao restante do país é flagrante, qualquer que seja o parâmetro adotado - em números absolutos, em relação à área ou à população. Segundo o oceanólogo José Alves Gomes, que realizou um levantamento três anos atrás, quando era diretor do Inpa, para ter um número de doutores proporcional à média do país, a Amazônia precisaria contar com mais cerca de 70 mil pesquisadores desse nível. Na prática, isso significa quase todos os doutores que o Brasil forma numa década. Hoje, a situação da região e sua necessidade desses profissionais continuam basicamente as mesmas constatadas por Gomes naquela época.

Mas, afinal, por que é importante ter tantos pesquisadores e doutores numa área tão vasta e quase inexplorada como a Amazônia? É simples: são eles que geram conhecimento e realizam descobertas, que mais tarde podem dar origem a novos produtos, como medicamentos. Novos produtos, por sua vez, podem resultar em patentes, que significam desenvolvimento e riqueza para o país. Além disso, é com base no trabalho dos cientistas que o Brasil pode definir qual a melhor forma de explorar a riqueza potencial da Amazônia. Portanto, para uma região praticamente desconhecida como essa, a atuação dos pesquisadores é fundamental.

O diretor do Inpa, Adalberto Luís Val, lembra ainda que a produção de boas informações exige pessoal qualificado, capaz de interagir não só com o ambiente mas também com a população local. "Além disso, são necessários laboratórios bem-equipados e processos bem-estruturados de inovação, que incorporem o conhecimento produzido", diz. "Em outras palavras, ciência de verdade só é possível com o trabalho de pesquisadores altamente capacitados - justamente o que está faltando na Amazônia. É certo que o Brasil avançou nessa área e hoje forma mais de 8 mil doutores por ano. O problema, como acontece em diversos outros setores, é a má distribuição desses profissionais no país."

Pressões internacionais
A não-realização de estudos e de geração de conhecimentos sobre a Amazônia não é a única conseqüência da escassez de pesquisadores e de investimentos. "A falta de pessoal qualificado, além de inviabilizar o atendimento das necessidades da região, acaba por torná-la vulnerável a pressões internacionais de todo tipo", alerta Val. "Entre 1990 e 1999, por exemplo, cerca de 130 expedições estrangeiras passaram por lá", acrescenta ele.

Pior ainda, sem pesquisadores qualificados, o país não consegue nem mesmo se inteirar do resultado de estudos sobre a Amazônia feitos por cientistas estrangeiros, uma vez que apenas profissionais de alto nível têm capacidade de decodificar informações dessa natureza e, eventualmente, aproveitá-las. "E é bom ressaltar que a geração de conhecimento por pesquisadores de fora está longe de ser pequena", diz Val. "Na verdade, é a maior parte. Num levantamento que fiz no ano passado, constatei que apenas 37% dos artigos científicos sobre a região têm pelo menos um autor com endereço no Brasil."

Para realizar esse trabalho, Val pesquisou no Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) os artigos publicados entre janeiro e outubro de 2005 em revistas e jornais científicos do mundo todo. "Descobri que os norte-americanos realizam mais estudos sobre a Amazônia do que os brasileiros", diz. "Além disso, verifiquei que os estrangeiros em geral produzem 63% da pesquisa sobre a região sem a colaboração de cientistas brasileiros."

O levantamento de Val mostrou que no período foram publicados 1.026 artigos sobre a Amazônia, dos quais apenas 379 tinham autores brasileiros, e destes só 172 foram produzidos por pesquisadores de instituições da região. Em comparação, 427 foram escritos por cientistas norte-americanos, dos quais somente 84 tinham colaboradores brasileiros. "Chamo isso de taxa de perda de soberania", diz Val. "Não adianta querer colocar um muro em volta da Amazônia. A única maneira de o Brasil proteger a biodiversidade da região, um de seus maiores patrimônios, é por meio do conhecimento e da informação."

Ao contrário do que possa parecer, no entanto, Val não é contra a presença de pesquisadores estrangeiros na Amazônia. Assim como a maior parte da comunidade científica da região, ele considera essencial o trabalho de especialistas de fora. "A cooperação, nessa área, é de vital importância para o desenvolvimento de uma nação", afirma. "A questão fundamental é ampliar a capacidade brasileira de produzir informações sobre a Amazônia." Ele menciona que as fronteiras são criações do homem e que não são respeitadas por plantas e animais, que naturalmente se dispersam ou migram sem reconhecer linhas divisórias entre os países. "A exportação também contribui para transportar elementos da biodiversidade para os quatro cantos do mundo", diz Val. "Elaborar leis que colocam a Amazônia numa redoma apenas nos impõe atraso."

Clement, por sua vez, lembra que ele próprio é um estrangeiro. Em sua opinião, não é possível afirmar que a biodiversidade e os conhecimentos tradicionais estejam em absoluta segurança, mas ele faz questão de dizer que a maioria dos cientistas estrangeiros, como os nacionais, atua de forma ética. "Claro que há riscos, mas grande parte dos pesquisadores estrangeiros já vestiu a camisa da Amazônia e do Brasil", diz. "Além disso, o governo federal dispõe de uma série de mecanismos para minimizá-los. Mais importante que a repressão policial é o fato de que é considerado antiético roubar material de pesquisa."

Segurança
Um problema que causa muita preocupação é a biopirataria. Mas é preciso tomar cuidado com o que se entende por essa palavra. "O termo tomou tantos sentidos que tenho até dificuldade de saber do que estamos realmente tratando", diz o pesquisador Ronaldo Barthem, do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG). "Biopirata é aquele cuja ação contraria as normas da Convenção sobre Diversidade Biológica [documento assinado durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada na cidade do Rio de Janeiro em 1992 - a Rio-92]. Muitas das pessoas acusadas de biopiratas não estão contrariando nenhuma dessas normas."

É o caso de quem exporta legalmente informações e genes, paga impostos e dispõe de licenças ambientais, como acontece, por exemplo, na venda de peixes ornamentais. Na verdade, biopirata é aquele que comercializa animais silvestres vivos, madeiras protegidas, carne de caça e pescado sem licença específica e comete outros crimes previstos em lei. "Sua atuação deve ser combatida, pois algumas espécies são vulneráveis a essa ação", afirma Barthem. "No entanto, a figura do biopirata associou-se à imagem do cientista, que, com sua rede de caçar borboleta e lupa, passou a ser considerado um criminoso intelectualizado."

Barthem diz que até compreende que seja complicado para os habitantes locais acreditar que pessoas das grandes cidades enfrentem tantas dificuldades no mato para coletar alguns espécimes de planta ou de animal. Eles conhecem os garimpeiros, que passam por situações semelhantes e levam materiais preciosos, como ouro ou diamantes, e imaginam que os pesquisadores estejam fazendo o mesmo. "O que não entendo é que órgãos públicos e funcionários federais adotem a mesma atitude de desconfiança, por absoluta ignorância e não por perceber uma atitude suspeita do cientista", declara ele.

Há ainda outro tipo de biopirataria, bem mais prejudicial aos interesses das comunidades da região e do país. Trata-se do registro de patentes, por companhias estrangeiras, de valores da Amazônia, como produtos naturais, designações e conhecimentos tradicionais. Um dos casos mais famosos teve início em 20 de março de 1998, quando a empresa de alimentos japonesa Asahi Foods, de Kyoto, registrou no Escritório de Marcas e Patentes do Japão (JPO) a palavra "cupuaçu", que designa uma fruta da Amazônia, como marca comercial.

O fato só foi descoberto em 2002, quando a organização não-governamental (ONG) acreana Amazonlink - que apóia produtores da região por meio da comercialização de derivados de cupuaçu e de outras frutas nativas da Amazônia no exterior - negociava um contrato de exportação de bombons artesanais de cupuaçu (Theobroma grandiflorum). Da mesma família do cacau, essa fruta é fonte de alimento para as populações nativas e serve para preparar sucos, sorvetes, geléias e tortas. Do cupuaçu também se faz uma espécie de chocolate, o cupulate, produzido no Japão a partir de matéria-prima importada do Brasil.

Na época em que tentou exportar os bombons da fruta, a Amazonlink foi alertada sobre a existência do registro da marca "cupuaçu" no Escritório de Marcas, Desenhos e Modelos da União Européia e no Escritório de Marcas e Patentes dos Estados Unidos, além do JPO. "Caso quiséssemos manter a designação cupuaçu nos rótulos dos produtos exportados, deveríamos, a fim de evitar ações legais, celebrar um acordo de licenciamento com a transnacional japonesa, recolhendo royalties pelo uso do termo", conta o presidente da Amazonlink, Michael Schmidlehner.

Limites éticos
A ONG acreana lançou então, em fins de 2002, a Campanha contra a Biopirataria - Limites Éticos acerca do Registro de Marcas e Patentes de Recursos Biológicos e Conhecimentos Tradicionais da Amazônia. "Nosso objetivo era trazer à tona a discussão a respeito de um tema historicamente negligenciado por quase todos os setores da sociedade brasileira", explica Schmidlehner. Ao mesmo tempo, a Amazonlink, apoiada pelo Instituto de Direito do Comércio Internacional e Desenvolvimento (IDCID), organização paulistana fundada por professores, alunos e pesquisadores da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, iniciou uma batalha jurídica para cancelar a patente da Asahi Foods.

A vitória só foi alcançada quase um ano depois da abertura do processo. "Os examinadores do JPO concordaram integralmente com nossa argumentação, cancelando a marca em março de 2004", conta Schmidlehner. "Com essa decisão, vencemos uma batalha na difícil luta pela recuperação do patrimônio brasileiro. Mas ainda há uma longa estrada a ser trilhada: a acerola, o açaí, a cachaça, dentre outras denominações 100% nacionais, já foram registrados por escritórios de marcas e patentes estrangeiros."

Para evitar esse tipo de exploração indevida das riquezas da Amazônia e a biopirataria em geral, o governo brasileiro já havia editado em agosto de 2001 a medida provisória nº 2.186-16, que trata do acesso e da proteção ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional, a qual, no entanto, se tornou alvo de críticas por parte dos pesquisadores. "Essa MP, a chamada Lei de Acesso, tem boas intenções, mas sua regulamentação se mostrou catastrófica, criando dificuldades justamente na hora em que o volume de recursos direcionado para a região amazônica está aumentando", diz Clement.

Segundo ele, o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), responsável pela regulamentação da medida provisória, quer estabelecer regras até mesmo para o acesso à bibliografia, caso ela contenha conhecimento tradicional. "Imagine se os pesquisadores tiverem de pedir autorização para ir à biblioteca", ironiza Clement. "Em vez de facilitar o acesso, para grupos de pesquisa nacionais, e exigir repartição de benefícios na hora de patentear produtos e processos, a regulamentação da lei faz isso antes do início do trabalho, o que é um absurdo. A maioria das pesquisas não gera um produto ou processo pronto para o mercado, mas sim novas perguntas para futuros estudos."

No caso da Amazônia, a escassez de cientistas é ainda mais grave devido ao tamanho e à diversidade da região. Do total da área da Amazônia Legal, cerca de 3,3 milhões de quilômetros quadrados estão cobertos pela floresta, o que representa 40% do território nacional. Há ainda 700 mil quilômetros quadrados de cerrado e outros 200 mil de várzeas. Atividades humanas já ocorrem em aproximadamente 600 mil quilômetros quadrados daquela região, que abriga cerca de 20 milhões de habitantes, dos quais 70% vivem em centros urbanos e o restante na zona rural. Na Amazônia Legal, sobrevive ainda a maioria da população indígena brasileira remanescente, algo em torno de 256 mil pessoas, que falam entre 170 e 180 línguas diferentes.

Biodiversidade
"Por ser grande e tropical, a Amazônia contém uma biodiversidade que não encontra paralelo no planeta", diz Clement. "Em termos de espécies, calcula-se que existam entre 5 mil e 7 mil de animais vertebrados, de 15 mil a 20 mil de plantas superiores, entre 20 mil e 100 mil de microrganismos, e de 1 milhão a 10 milhões de animais invertebrados. O que mais impressiona é a magnitude de nossa ignorância sobre os ecossistemas e as espécies da região. Sobre os genes, então, nem é bom falar."

Esse não é, no entanto, o único tesouro da Amazônia mal estudado e mal aproveitado. Val lembra que a fauna e a flora interagem com uma extensa rede de drenagem, igualmente diversificada, que contribui, por meio do rio Amazonas, com cerca de 20% de toda a água doce que escoa para os oceanos do planeta. "Essa riqueza, a água, que tem despertado interesses multinacionais em função de sua crescente escassez no mundo, também é pouco estudada na região", diz ele. "Da mesma forma, o subsolo, que esconde outras preciosidades, minérios de todos os tipos, é quase desconhecido."

Nem só de recursos naturais, entretanto, é feito o patrimônio da Amazônia. De acordo com Clement, também é essencial levar em conta o aspecto socioeconômico quando se analisa a questão do desenvolvimento. "A Amazônia Legal já produz mais de 20% da soja nacional, tem em torno de 10% do rebanho bovino e 14% da produção mineral", explica o cientista. "Para tanto, a região teve alterados 15% de seus ecossistemas. A riqueza gerada - quase 7% do Produto Interno Bruto [PIB] -, entretanto, não tem se revertido em muitos benefícios para a população da área, que concorre com o nordeste para os piores Índices de Desenvolvimento Humano [IDH] do Brasil."

A razão disso, segundo Clement, é o fato de o Brasil investir pouco na Amazônia, dispensando-lhe um tratamento de "colônia", sem igualdade de condições com o restante do território nacional. Uma das áreas em que o baixo volume de recursos é mais sentido é a de ciência e tecnologia, em que a média histórica de gastos federais sempre oscilou em torno de 2% do montante aplicado no país - um total que, por sua vez, corresponde a apenas 1,5% do PIB. Nos últimos anos, o índice referente à região cresceu, chegando a 3,5% em 2005. "Mas ainda é muito pouco", diz Clement. "Tão pouco que podemos afirmar que a Amazônia paga para outras partes do Brasil desenvolverem ciência e tecnologia ali."

Não há cálculo preciso de quanto o país teria de investir para mapear e estudar todas as potencialidades da Amazônia, mas sabe-se que é muito mais do que gasta hoje. "Inventariar os recursos naturais e sociais e estimar nossa bio e sociodiversidade envolveria todas as áreas do conhecimento", diz a pesquisadora Marilene Correa, secretária de Ciência e Tecnologia do estado do Amazonas. "Seria necessário um esforço nacional contínuo, e as sociedades e academias de ciência não têm noção exata de qual seja", diz ela.

Mais dinheiro
O governo, de sua parte, reconhece que investe pouco na Amazônia, mas garante que os recursos destinados a ela estão aumentando ano a ano. "O volume está crescendo, mas ainda há muito a ser feito, especialmente na área de proteção ambiental e taxonomia", admite o presidente do CNPq, Erney Plessmann de Camargo. "O Brasil levará muitos anos até conhecer toda a riqueza da Amazônia, que detém 20% das espécies do planeta." Segundo ele, o CNPq está fazendo sua parte. Em 2005 e 2006, o órgão, que é vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), destinou mais de R$ 83 milhões à região, para pesquisas nas áreas de biotecnologia, microeletrônica, software, telecomunicações, energia, aprimoramento sustentável das cadeias produtivas de recursos pesqueiros e fixação de equipes qualificadas para o desenvolvimento de ciência e tecnologia.

O subsecretário de Coordenação das Unidades de Pesquisa do MCT, Avílio Franco, tem posição semelhante à de Camargo. "Certamente seriam necessários muito mais investimentos que os atualmente direcionados à região", reconhece ele. "Entretanto, no âmbito do MCT, houve um significativo aumento a partir de 2004. Considerando os recursos dos fundos setoriais e do CNPq, foram aplicados R$ 51.700.436 em 2003, R$ 82.569.281 em 2004 e R$ 103.728.173 em 2005. Como se vê, o volume dobrou entre 2003 e 2005."

Com esse dinheiro, o MCT vem apoiando a instalação de infra-estrutura de pesquisa (laboratórios, equipamentos) na região, com investimentos no MPEG, no Pará, no Inpa e no Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, no Amazonas, e no Instituto da Biodiversidade, no Acre. "Além disso, está criando uma rede de fibras óticas para transmissão de informações em alta velocidade entre as diversas capitais da região", explica Avílio Franco. "Até o final de 2007, essa rede estará interligada com o restante do país", acrescenta ele.

Tecnologia na selva
Essa não é a primeira rede que o governo cria na Amazônia. Uma das que já estão em atividade é o Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam), versão civil do Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam). É uma verdadeira invasão tecnológica da selva. Computadores, telefones, fax e e-mail por satélite, plataformas de coleta de dados meteorológicos e ambientais, sofisticadas antenas parabólicas, radares e outros equipamentos de última geração foram instalados em locais afastados e em comunidades isoladas de toda a Amazônia Legal.

Essa rede de equipamentos realiza a coleta de um conjunto variado de dados sobre a região como nunca se teve antes, que vão desde a biodiversidade, o clima e a situação dos rios até o mapeamento preciso de áreas desmatadas e queimadas. Também podem ser obtidas informações sobre ocupação e uso do solo, garimpos ilegais e focos de epidemia. Todo esse conhecimento é armazenado num banco de dados do Sipam e compartilhado entre os órgãos governamentais com interesse na Amazônia e a comunidade científica local.

Além dos investimentos que destina à região, que possibilitam a existência de serviços como o Sipam, o governo traça algumas políticas e estratégias específicas de desenvolvimento. Uma das medidas mais recentes e polêmicas foi a publicação da lei nº 11.284, de 2 de março de 2006, a chamada Lei de Gestão de Florestas Públicas, que, além das possibilidades já existentes de uso sustentável, inclusive em unidades de conservação, prevê a concessão a empresas privadas, por até 40 anos, mediante processo de licitação pública.

O governo decidiu criar essa lei tendo em vista o fato de que 60% das florestas do país estão em terras públicas. No caso de licitação, a empresa vencedora assinará um contrato com o Estado e deverá apresentar um plano de manejo para a área. Nos primeiros dez anos, a lei funcionará em caráter experimental. Nesse período, há estimativa de que sejam concedidos 13 milhões de hectares na Amazônia, o que representa 3% das florestas públicas daquela região. Para o governo, a nova lei promove uma reforma no modo de preservar a mata, baseada no uso sustentável dos recursos naturais, com geração de emprego e renda.

Nem todo mundo, entretanto, vê essa lei com otimismo. É o caso do geógrafo Aziz Ab´Sáber, professor emérito da Universidade de São Paulo. Ele acredita que a nova legislação permitirá a entrega de parte da floresta Amazônica a grupos internacionais, que não sabem como explorá-la de maneira sustentável. "Esse projeto é o maior escândalo em relação à inteligência brasileira de todos os tempos. Vai ser um crime histórico", afirma ele.

Ab´Sáber critica o fato de o país estar oferecendo a estrangeiros o gerenciamento de algumas florestas nacionais (Flonas). "Como se as pessoas que estão na Suíça, na França ou em qualquer parte da Europa ocidental tivessem capacidade para fazer o gerenciamento auto-sustentado de uma área que mal conhecem", diz. "O mais grave é que se as Flonas forem parar nas mãos de organizações, instituições ou empresas estrangeiras, mais tarde será muito difícil retomá-las. Esse processo não poderá mais ser discutido em instituições jurídicas nacionais; isso terá de ser feito em foro internacional."

Além dessas questões políticas e jurídicas, Ab´Sáber também lista razões técnicas e ambientais para ser contra a concessão de florestas públicas. "As Flonas foram preservadas no passado como possíveis áreas de exploração sustentada", explica. "A situação, no entanto, mudou. Agora as demais áreas estão comprometidas e só sobraram as Flonas. É hora de utilizá-las como reservas de biodiversidade intocáveis e não de explorá-las."

O geógrafo também alerta para os riscos envolvidos no manejo dessas florestas. "As Flonas podem chegar a 2 mil ou 2,5 mil quilômetros quadrados, e as madeiras que estarão disponíveis não se encontram agrupadas na borda delas", explica. "Então, para retirar árvores é preciso penetrar na floresta. Primeiro os mateiros, que as localizam. Em seguida, os que vão cortá-las com motosserra. Depois, será necessário organizar caminhos. E, como existem árvores que estão a 200 metros da borda, outras a 5 quilômetros e outras ainda a 7 quilômetros, já imaginou o que vai acontecer com essas florestas?"

Plano ambicioso
Mais abrangente ainda que a Lei de Gestão de Florestas Públicas é o Plano Amazônia Sustentável (PAS), que está sendo elaborado desde 2003 pelo governo federal, por meio dos ministérios da Integração Nacional (MIN) e do Meio Ambiente (MMA), em discussão com os governos estaduais, empresários e lideranças socioambientais da região. O PAS será uma espécie de carta de intenções, na qual o país definirá o que espera da Amazônia e que papel lhe reserva.

A secretária de coordenação de políticas para a Amazônia do MMA, Muriel Saragoussi, diz que o PAS é uma política elaborada a partir do diagnóstico do que ocorreu na região nas últimas décadas, com base nos processos sociais, culturais, econômicos e de uso dos recursos naturais. "O objetivo geral é implementar um novo modelo de desenvolvimento na Amazônia brasileira, pautado na valorização das potencialidades de seu enorme patrimônio natural e sociocultural, voltado para a geração de emprego e renda, para a redução das desigualdades sociais e para a viabilização de atividades econômicas dinâmicas e inovadoras", explica ela.

Modelos alternativos
Ao lado dos planos do governo, existem propostas alternativas para o desenvolvimento da Amazônia. Uma delas é de Ab´Sáber, que defende um modelo em que haja desenvolvimento com o máximo de floresta em pé. Para isso, sua proposta é que, em primeiro lugar, se faça um zoneamento da região. Ele mesmo dividiu o território amazônico em 23 áreas, que ele chama de células espaciais, de 80 mil a 150 mil quilômetros quadrados cada. "Esse zoneamento é o primeiro passo para servir a um padrão de desenvolvimento com um máximo de floresta em pé e biodiversidades integradas", explica. "Depois, cada uma dessas células espaciais tem de ser conhecida em sua realidade física, ecológica, urbana e social para a percepção de seus problemas e das expectativas de suas comunidades residentes."

O problema de um desenvolvimento que mantenha a floresta em pé é que não se sabe como fazer isso. "Não há um modelo que se possa seguir", diz Val, o diretor do Inpa. "Como nenhum país do mundo já fez algo parecido, uma vez que a humanidade depende da agricultura, não existe um acervo de conhecimento de ciência e tecnologia disponível para tal propósito. Por essa razão, o Brasil terá de criar um caminho próprio e ousar na busca de novas concepções", acrescenta ele.

O extrativismo de produtos florestais não-madeireiros (PFNM), que muita gente vê como solução para a Amazônia, também não é, segundo Clement, uma opção viável. Esse tipo de economia só é alternativa para poucas e pequenas comunidades. Em grande escala, não funciona. O biólogo cita o engenheiro agrônomo e doutor em economia rural Alfredo Homma, da Embrapa Amazônia Oriental, para explicar o porquê disso. "Ele parte do caso da borracha e afirma que qualquer PFNM que encontra aceitação no mercado seguirá o mesmo padrão", diz Clement. "No início, a floresta pode atender a demanda e até uma certa elevação dela. Mas, à medida que esta continua a crescer, os preços aumentam devido à escassez do produto."

É justamente nessa fase - de muita demanda - que fica evidente que o extrativismo de PFNM pode não ser a solução desejada. E, se não houver procura, a conclusão é idêntica. "Com o aumento da demanda, alguns pesquisadores ou empresários começam a cultivar o PFNM fora da floresta e, normalmente, fora da Amazônia", explica Clement. "Como essas culturas são mais competitivas que o extrativismo, os PFNM somente geram renda em unidades de conservação se os governos pagarem subsídios."

Seja como for, com toda a sua extensão e complexidade, a Amazônia continua a ser um desafio tanto para os governos como para a comunidade científica e a sociedade. Há muitas idéias para desenvolver a região, mas nenhuma alcança consenso. O que se tem como certo é que o modelo atual não serve, pois a floresta está em risco. Em artigo recente, intitulado "Forças de Transformação do Ecossistema Amazônico", os pesquisadores Antonia Ferreira, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), e Enéas Salati, da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS), lembram que, nos 470 anos iniciais da colonização da Amazônia brasileira, apenas 1% da área foi desmatada, mas nos últimos 35 anos - de 1970 a 2005 - o desmatamento já atingiu 17% da região.

Eles ressaltam ainda que a Amazônia é, "ao mesmo tempo, um dos últimos grandes e ricos espaços pouco povoados, assim como um dos ecossistemas mais complexos e vulneráveis do planeta, o que torna seu desenvolvimento uma incógnita e um desafio às ciências mundial e nacional". Segundo os dois autores, os problemas ecológicos e sociais presentes na região não existem em função do nível de desenvolvimento, mas sim do modelo adotado.

Já a geógrafa Bertha Koiffmann Becker, professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), acha que a região precisa, além da produção familiar, de grandes projetos empresariais e de desenvolvimento. "Deve-se preservar, sim, mas também descobrir formas de agregar valor econômico aos recursos naturais, com a participação dos moradores da região", diz. "Se isso não for feito, a floresta não conseguirá competir com a exploração predatória, muito mais lucrativa, da madeira, da pecuária e da soja."

Bertha sabe do que está falando. Aos 75 anos, ela passou mais de 30 estudando a Amazônia. Hoje, seus conhecimentos e suas posições sobre aquela região são referência mundial. Ao longo de mais de quatro décadas de carreira, a pesquisadora escreveu 14 livros e publicou 38 artigos em periódicos científicos importantes, a maioria com a Amazônia como tema central.

Graças a suas pesquisas, Bertha já conseguiu derrubar alguns mitos sobre a Amazônia. Segundo um deles, aquela área é um vazio demográfico, um deserto de gente. Contrariando essa idéia, a geógrafa cunhou, em 1985, a expressão "floresta urbanizada" para se referir a ela. "Nas últimas décadas do século passado, a região teve as mais altas taxas de urbanização do Brasil", explica. "De acordo com o Censo de 2000, 69,07% de sua população se concentrava em núcleos urbanos. Então não é correto dizer que aquele território é vazio."

Hoje, ela defende um caminho que alie preservação e desenvolvimento. "Não sou contra as unidades de conservação, só não quero que fique tudo só preservado", explica. Segundo ela, essa combinação só pode ser conseguida com o uso da tecnologia. "É preciso uma revolução científico-tecnológica que utilize a biodiversidade em todos os seus níveis, desde os extratos e óleos até os fármacos", explica. "É necessário agregar valor ao que a floresta oferece e formar cadeias produtivas, abrangendo dos ribeirinhos aos centros de biotecnologia. Sem isso, a Amazônia é apenas uma riqueza potencial."

Um modelo de proteção
Um exemplo mundial de desenvolvimento sustentável está em evolução na confluência dos rios Japurá e Solimões, no município de Tefé (AM), a 663 quilômetros de Manaus. Ali se localiza a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, com 11 mil quilômetros quadrados de florestas inundadas da Amazônia central, onde se promove, em parceria com as comunidades locais, a conservação da biodiversidade por meio do manejo sustentável dos recursos naturais. Hoje, a reserva é administrada pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM), fundado em maio de 1999, reconhecido como organização social em 7 de julho do mesmo ano e vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT).

O projeto surgiu em 1990, quando foi criada pelo estado do Amazonas a Estação Ecológica Mamirauá, uma categoria de área de preservação que não permite que pessoas residam em seu território. Por isso, em 1996, o governo estadual concebeu uma nova modalidade: a reserva de desenvolvimento sustentável. Mamirauá foi a primeira a se enquadrar na nova legislação e, hoje, estão em andamento ali vários projetos de pesquisa, principalmente sobre biodiversidade e preservação de recursos naturais, além de atividades econômicas sustentáveis.

Entre essas últimas, destacam-se a pesca, a agricultura, o artesanato, o manejo florestal comunitário e o ecoturismo. Há três anos, os excedentes financeiros provenientes dessas atividades são usados para apoiar a população local. Entre outras conquistas, o projeto já entregou radiocomunicadores, embarcações e construiu centros escolares para estimular a educação infantil. Ao todo, sete comunidades recebem os recursos e trabalham junto com o instituto, que gera 45 empregos diretos e beneficia 650 habitantes. Os trabalhadores, além do salário, ganham um percentual sobre a venda dos produtos, como peixe e artesanato. Em 2005, a reserva de Mamirauá recebeu cerca de 700 visitantes interessados no ecoturismo, atividade que também ajuda a elevar a renda.

O IDSM é responsável ainda pela Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Amanã, criada em 1998 para proteger 23,5 mil quilômetros quadrados da região central do estado do Amazonas, nos municípios de Barcelos, Coari, Codajás e Maraã. Sua localização, entre o rio Negro e os rios Japurá e Solimões, cria um corredor ecológico com 57 mil quilômetros quadrados que liga a reserva de Mamirauá ao Parque Nacional do Jaú. É a maior área protegida de mata tropical do mundo.
(Por Evanildo da Silveira, A Notícia – TO, 13/09/2006)
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