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2006-09-14
A empresa Metroágua, da cidade colombiana de Santa Marta, constrói um coletor pluvial que beneficiará os moradores da empobrecida zona nordeste desta cidade caribenha. Mas, diante da falta de serviços sanitários, o canal pode levar muito mais do que chuva para o mar do Caribe. Santa Marta, capital do departamento de Magdalena, não conta com um apropriado sistema de drenagem pluvial e na época das chuvas ocorrem inundações, que nos bairros marginalizados ganham características de emergência sanitária por causa da falta de coleta de lixo e redes de saneamento.

Nos bairros da periferia, o “aqueduto” consiste em carros puxados por mulas, que vendem água potável ao preço de quatro centavos de dólar o galão. Além disso, nas favelas, cujos barracos se aferram desordenadamente ao morro, também não existem esgoto e, às vezes, nem latrina. O sistema de drenagem recolherá as águas da chuva de 31 bairros, beneficiando 8.508 casas, segundo a Metroágua, empresa de capital misto encarregada do aqueduto e do esgoto nessa cidade de 1,7 milhão de habitantes e propriedade majoritária das espanholas Técnicas Valencianas da Água e Canal Isabel II, da Comunidade de Madri.

A estatal Corporação Autônoma Regional do Magdalena (Corpamag), encarregada da proteção ambiental, aprovou a “viabilidade” do projeto e garantiu que vai melhorar a qualidade de vida dos moradores, solucionar o problema das inundações e criar empregos durante sua construção. O coletor pluvial compreende a construção de um canal de aproximadamente cinco quilômetros de comprimento que receberá a água da chuva em sua passagem até despejá-las no mar do Caribe, mediante um túnel de 258 metros através da montanha. O projeto tem custo de US$ 1,865 bilhão, fornecido pelo Ministério de Meio Ambiente, Habitação e Desenvolvimento Territorial.

A desembocadura do túnel, cuja construção começou em maio, coincide com um extremo da bela baía de Taganga, de pouco mais de 1,5 quilômetro e a 10 minutos de carro de Santa Marta, conforme afirmam numerosos documentos obtidos pela comunidade dessa localidade. O projeto afetará a saúde dos 4.600 habitantes de Taganga, bem como suas principais atividades, que são pesca e turismo, afirma a comunidade. Também se teme que prejudique a fauna e flora marítimas, os corais, o fundo do mar e a paisagem aquática, que é fonte de renda pelo mergulho recreativo.

Embora se trata de um sistema de drenagem de águas pluviais, os moradores dizem que as chuvas levarão lixo orgânico, devido à falta de esgoto e coleta de lixo em alguns bairros de Santa Marta. “Se não tem água para beber, muito menos para a higiene”, disse à IPS uma fonte de Taganga que não quis ser identificada. Além disso, em alguns trajetos superficiais o coletor correrá em paralelo a uma estrada, também em construção, por onde circularão caminhões com carga de carvão e produtos químicos.

Embora a Metroágua tenha previsto instalar uma rede para evitar a queda de lixo no canal, os moradores de Taganga temem que o coletor também receba dejetos de carvão e químicos e que as oficinas de caminhão se instalem à margem da estrada, levando metais pesados e substâncias cancerígenas e venenosas para a baía. A obra também recebe oposição dos povos indígenas da Serra Nevada de Santa Marta, os quais afirmam que a baía está dentro da “Linha Negra”, um traçado imaginário reconhecido pelo Estado colombiano desde 1973 que demarca territórios ancestrais e locais sagrados vitais para a sobrevivência cultural das etnias da região.

A baía de Taganga contém dois pontos sagrados, Java Julekun e Java Nekun, onde desde tempos imemoriais os indígenas vão recolher conchas marinhas. O ponto mais ameaçado seria Java Nekun, no extremo noroeste da baía, onde desembocará o túnel. Embora o projeto tenha sido proposto no programa governamental de audiências públicas em 2003, a comunidade de Taganga nega ter sido consultada ou informada com antecedência sobre o início da obra. Para ter acesso ao projeto completo, a comunidade apresentou um recurso jurídico cuja decisão ordenou a Metroágua entregar dois documentos, mas sua aplicação bateu de frente contra os US$ 800 que a empresa cobra pela cópia de ambos.

No dia 7 de julho, o prefeito de Santa Marte, José Francisco Zúniga, reconheceu que “foi um erro não ter socializado o projeto com os moradores”. O mesmo havia dito a companhia, no dia 6 de junho, na primeira reunião convocada pela comunidade. Apenas em 13 de junho a Metroágua expôs o projeto ao competente Instituto de Pesquisas Marinhas e Costeiras (Invemar). A apresentaçao da empresa foi de “alcance limitado” e não incluiu “informação detalhada”, segundo o instituto. Na contramão da Corpamag, que afirma que a obra “não requer um estudo de impacto ambiental”, a Invemar, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, declarou que “para conceituar sobre os possíveis efeitos da emissão de águas do coletor pluvial sobre a zona (...) é necessário conhecer e revisar os estudos relacionados com os impactos ambientais”.

Para o diretor da Invemar, Francisco Arias, “é conveniente ter um inventário detalhado dos sistemas ambientais vizinhos ao ponto de emissão, para determinar seu estado atual e grau de vulnerabilidade ao efeito das águas do coletor”. O Invemar alertou que o coletor pluvial deve prever o aumento de sedimentação no futuro, por isso deveria “haver uma caracterização e um acompanhamento do material de sedimentário e ter previsões sobre medidas de manejo”. Também recomendou um estudo oceanográfico de ventos, correntes, marés e profundidades “para determinar a distribuição das águas e do material sedimentário que o coletor descarregar na zona”. Para o Comitê pela Defesa de um Ambiente São para Taganga, formado há quatro meses por organizações da comunidade, “nem a prefeitura nem a Metroágua sustentam que a desembocadura do canal seja a alternativa mais viável”.

Segundo um membro do comitê ouvido pela IPS, não foram mostrados os documentos sobre as outras opções consideradas. Para o comitê comunitário, as águas deveriam ser canalizadas de forma paralela à via férrea e desembocar ao lado dos molhes de Santa Marta, a leste do traçado previsto, com prévio tratamento para evitar o acúmulo de sedimentos no molhe. Uma solução “muito mais viável e econômica”, afirmaram os moradores de Taganga em carta enviada ao prefeito no dia 20 de junho e assinada por 1.003 pessoas. A mesma carta atribui o assassinato em 2003 do prefeito de Taganga, Rafael Pinto, de 50 anos, à sua ativa oposição pública à construção de um esgoto e um sistema de tratamento de águas nessa localidade, cujo destino final seria a baía.

A obra foi adiada por causa da queixa apresentada por Pinto à Procuradoria. O início das atividades do túnel prejudicará os planos dos pescadores artesanais de Taganga de cultivar lagosta, cujas crias utilizam esta baia de águas tranqüilas e quentes como “berçário” para crescerem. Segundo a Fundação Sila Kangama, em um estudo financiado pelo fundo de apoio ambientalista Ecofundo, Taganga sobressai na área do Grande Caribe como um dos locais prediletos desses filhotes, comparável somente a Puerto Morelos, no México.
(Por Constanza Vieira, Envolverde, 13/09/2006)
http://www.envolverde.com.br/materia.php?cod=22412&edt=34

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