O Tribunal de Contas da União (TCU) publicou, no início deste mês, um relatório com os resultados de uma auditoria que analisou os instrumentos de controle utilizados pelo Poder Executivo federal para minimizar a ocorrência de fluxo não-autorizado de espécimes da fauna e flora brasileiras e de material genético nas fronteiras do país.
Além de abordar questões como tráfico de animais e extração ilegal de madeira, o relatório também se detém no acesso a recursos genéticos. Neste tema, a auditoria aponta omissão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) no cumprimento da legislação de acesso e repartição de benefícios (MP nº 2.186-16/01), especificamente do certificado de procedência legal para patentes biotecnológicas, reforçando o estudo realizado pelo ISA sobre o assunto divulgado em março deste ano durante a COP-8, em Curitiba.
Segundo o TCU, o INPI não está aplicando o artigo 31 da MP nº 2.186-16/01, que exige a comprovação da legalidade do acesso ao material genético ou conhecimento tradicional utilizado no processo ou produto sobre o qual se requer a concessão de patente, impedindo que o Brasil cumpra um dos objetivos da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB): a repartição justa e eqüitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos.
Além disso, segundo o relatório, o não cumprimento por parte do INPI ameaça as negociações internacionais conduzidas pelo Ministério das Relações Exteriores junto à Organização Mundial do Comércio para adequar o Acordo TRIPS (Tratado sobre os Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio) aos dispositivos da CDB. O Brasil é um dos maiores defensores do certificado de procedência legal para patentes biotecnológicas no cenário internacional, mas não implementa o dispositivo internamente.
A causa para o descumprimento reside em uma divergência de interpretação legal entre o INPI e o Ministério de Meio Ambiente (MMA). O INPI, em ofício encaminhado ao TCU, alega que o não cumprimento do artigo 31 da Medida Provisória deve-se ao fato de considerá-lo dispositivo legal de natureza programática, ou seja, que não tem eficácia imediata e que dependeria de regulamentação do Poder Executivo.
O MMA, por sua vez, afirma que a concessão do direito de propriedade industrial ficou condicionada à observância da MP, ou seja a concessão de patentes passou a estar atrelada à comprovação do cumprimento dos dispositivos estabelecidos pela MP, independentemente de regulamentação. Visando dirimir a discordância o TCU determinou que a Advocacia Geral da União (AGU) emita parecer pacificando o entendimento a respeito da aplicação da norma.
O relatório também recomenda ao MMA e ao INPI que discutam as medidas necessárias para dar cumprimento ao art. 31 da MP. Paralelamente, o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN) criou um Grupo de Trabalho para discutir as formas de implementação do artigo 31 da MP.
A criação do GT é resultado do estudo sobre o banco de patentes do INPI realizado pelo ISA e apresentado ao CGEM em julho último, que aponta a omissão do escritório brasileiro de patentes no cumprimento da Medida Provisória, antecipando as conclusões da auditoria do TCU. O estudo sugere, entre outras coisas, que a autorização do CGEN para acesso a recursos genéticos ou conhecimentos tradicionais seja considerada o documento a ser exigido pelo INPI para todos os pedidos de patente que recaiam sob o escopo do artigo 31 da MP.
O GT criado em agosto, que conta com participação restrita da sociedade civil, do INPI, do MDIC e do MMA, discute de que forma a autorização do CGEN, que atesta a legalidade do acesso a recurso genético ou conhecimento tradicional, deverá ser exigida pelo INPI, quando houver um pedido de patente de produto ou processo sob o escopo da MP. O GT tem até o fim de setembro para resolver o impasse.
(Por Henry Novion,
ISA, 06/09/2006)