O Brasil tem dezenas de cavernas abertas há anos à visitação pública. Em
casos mais conhecidos recebem cerca de 23 mil pessoas por ano, como na
Caverna de Santana, a mais procurada do Parque Estadual Turístico do Alto
Ribeira (Petar). Números semelhantes têm a Gruta do Lago Azul, em Bonito
(MS), a Caverna do Diabo, no Parque Estadual de Jacupiranga (SP) e diversas
outras em Minas Gerais, como a famosa Gruta de Maquiné. Todas elas, no
entanto, estão em situação irregular. Oficialmente, não estão preparadas
para exploração de atividades turísticas porque não têm ainda licenciamento
ambiental nem plano de manejo (exigido para as que estão dentro de unidades
de conservação).
Há atualmente cerca de 40 processos de licença para atividades em caverna
tramitando no Ibama. Até o ano passado, o responsável pela concessão desse
tipo de autorização era o Centro Nacional de Proteção, Estudo e Manejo de
Cavernas (Cecav), que jamais conseguiu finalizar um único pedido. No cargo
há apenas um ano, a chefe do Cecav, Vera Christiana Pereira Pastorino, não
arrisca explicações sobre o que justifica a não finalização de tais
processos. Mas ela explica que, desde o início de 2006, passou a adotar uma
outra estratégia. “Todos os processos de licenciamento estão agora sendo
encaminhados à Diretoria de Licenciamento (Diliq) do Ibama”, explica.
A idéia é transferir a tarefa do licenciamento à diretoria que tem essa
responsabilidade dentro do Ibama, para não burocratizar ainda mais o
trabalho de uma equipe que já é escassa. Atualmente, são 15 profissionais
lotados em Brasília e de um a três em estados como Bahia, Espírito Santo,
Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte,
São Paulo e Tocantins. Quem trabalha em cavernas sabe que isso é muito
pouco. O espeleólogo Luis Fernando S. da Rocha, por exemplo, reclama que não
há no Paraná um núcleo do Cecav, sendo que são conhecidas centenas de
cavernas no entorno de Curitiba, ameaçadas principalmente pela expansão das
áreas urbanas.
Ele conta que em casos de denúncias ou outras demandas é preciso esperar
atenção da equipe de São Paulo, também reduzidíssima para a quantidade de
cavernas que existem no estado. “Os grupos espeleológicos deveriam trabalhar
em parceria com o Cecav, mas aqui no Paraná, na prática, tem sido
relativamente mais fácil obter apoio do governo do estado”, analisa Rocha.
Christiana admite que para dar conta da demanda o Cecav deveria ter mais 40
pessoas espalhadas pelo país. “Queremos capacitar servidores do Ibama, mesmo
que eles não sejam do Cecav, para que saibam proceder em situações de
cavernas e tenham condições de dar um parecer, fazer alguma intervenção”,
anuncia. No entanto, ainda não há data para esses cursos de formação.
Mas só com o licenciamento feito pela Diliq a chefia do centro considera que
a partir de agora o trabalho do Cecav fica mais ágil e tranqüilo. “Nosso
corpo técnico vai focar esforços na elaboração de planos de manejo
espeleológicos, fomento a pesquisas, coordenação de projetos e educação
ambiental”, diz Christiana. Mas, ainda assim, vai manter a atribuição de se
manifestar tecnicamente ao final dos processos.
O licenciamento de cavernas vai acontecer segundo os mesmos critérios
exigidos para qualquer outra atividade, com fases distintas para concessão
de licença prévia, de instalação e operação, consultas públicas e
apresentação de estudos de impacto ambiental. E vai ser necessário não
apenas nos casos de turismo, mas para empreendimentos como construção de
hidrelétricas, rodovias, linhas de transmissão, gasodutos, mineração ou
obras que estejam previstas para áreas com presença de patrimônios
espeleológicos. As atividades com impacto local deverão ser licenciadas
pelos estados e as de impacto nacional pelo próprio Ibama. Mas em ambos os
casos, a palavra final continua sendo do Cecav.
Mesmo com essas mudanças, até que os processos de regularização das cavernas
já abertas ao turismo sejam finalizados, a orientação do Cecav é que tudo
continue do jeito que está. “É uma situação delicada”, diz Christiana. Ela
acredita que se grutas com histórico de uso de muito tempo forem fechadas de
uma hora para outra podem causar impactos ainda maiores. Socialmente
falando, por certo. “A gente quer concluir tudo o mais rápido possível, sem
colocar em risco o patrimônio nem as pessoas”, avisa. A chefe do Cecav
lembra que algumas cavernas podem apresentar fungos que causam doenças como
a histoplasmose, e precisam ser estudadas para que se saiba, por exemplo, se
há riscos de desabamentos ou se existem ali animais perigosos, como as
aranhas marrons.
Algumas das grutas têm histórico de uso religioso desde 1690, como a de Bom
Jesus da Lapa, na Bahia. Mas outras tiveram exploração do turismo
relativamente mais recente. Como a Caverna do Diabo, por exemplo, aberta na
década de 60, outras grutas já apresentam impactos consideráveis aos
ambientes subterrâneos, com alteração de temperatura interna, crescimento de
vegetação em função do aumento de luminosidade, espeleotemas quebrados,
áreas cimentadas para construção de pequenas pontes, escadas e passagens
para o turismo e, em alguns casos, acúmulo de fuligem em seu interior – algo
que está sendo estudado com equipamentos instalados na Caverna de Santana,
no Petar . Mas na opinião de Marcelo Rasteiro, turismólogo da Sociedade
Brasileira de Espeleologia (SBE), é preciso relativizar. “Preparar o turismo
naquela época era viabilizar o acesso de um número muito grande de pessoas.
Não havia a idéia de ecoturismo como temos hoje. Por isso, a Caverna do
Diabo tem corrimão, escada, caminhos de concreto.”
Para ele, talvez se todo esse aparato não tivesse sido colocado lá o impacto
hoje poderia ser bem maior. “É bom lembrar também que o roteiro turístico
tem apenas 500 metros, quando a caverna apresenta mais de seis quilômetros
de desenvolvimento”. Em cavernas novas, ele garante que o procedimento agora
é totalmente diferente. “Podemos usar tecnologias bem menos impactantes para
permitir a visitação”, diz.
O plano de manejo mais próximo de sair deve acontecer em menos de um ano,
segundo Christiana, e vai ser para a Gruta do Lago Azul, em Bonito.
Recentemente, o promotor Luciano Loubet determinou o fechamento das atrações
à exploração turística por falta de licenças ambientais. Essa gruta estava
incluída. Mas agora ela voltou a receber turistas. “Semana que vem uma
equipe do Cecav vai fazer uma vistoria e orientar os estudos finais”, diz.
Em relação às cavernas do Petar, ela informa que a regularização da
visitação está sendo conduzida em parceria com o Instituto Florestal de São
Paulo. As duas entidades estão terminando a elaboração de um Termo de
Referência específico para a região e ainda falta fazer uma vistoria.
Enquanto o governo testa estratégias novas para cuidar melhor das cavernas,
organizações da sociedade civil tentam como podem trabalhar pela conservação
desses ambientes. Os principais grupos espeleológicos do país estão
divididos na SBE ou na Rede EspeleoBrasil. Ambas possuem estudos técnicos e
mantêm um cadastro das cavernas brasileiras. A SBE comemorou recentemente
mais de quatro mil registros, que podem ser acessados por sócios através de
seu site ou interessados em geral mediante solicitação.
O Ibama também prepara seu banco de dados, ainda sem previsão de
implementação. Com dados repassados pelas duas entidades, a iniciativa do
governo vai se chamar CANIE (Cadastro Nacional de Informações
Espeleológicas). Christiana, chefe do Cecav, quer que ali sejam incluídas
informações técnicas sobre as cavidades, localização, pesquisas autorizadas,
situação de licenciamento, etc – tudo disponível para o público.
Mas para que todos colaborem com maior conhecimento e conseqüente
preservação das cavernas são necessários mais incentivos. A gruta de
Lancinhas, que até pouco tempo atrás era considerada a terceira mais
importante do país em termos de biodiversidade, é um exemplo típico. Apenas
depois de 20 anos de insistência de grupos espeleológicos do Paraná foi
criado um Monumento Natural para protegê-la. Mesmo assim, a unidade ainda
aguarda implementação.
Diferentemente do apelo de uma espécie bandeira para proteção de um
ecossistema qualquer, como o uso do tamanduá ou da araucária como símbolo de
conservação, o interesse pelas cavernas ainda não foi despertado pela
opinião pública. “O governo não consegue sensibilização tão grande para
cuidar das cavernas porque não há interesse. Está tudo debaixo da terra”,
diz Rocha.
“Historicamente, as unidades de conservação são criadas sem um levantamento
bem feito sobre a presença de cavernas”, diz Rocha. Ele exemplifica que no
Parque Estadual das Lauráceas (PR), por uma falta de atenção três cavernas
importantes ficaram fora dos limites da unidade. “Só são protegidas as áreas
que já apresentam muita pressão. Para os planos de manejo, somos chamados
sempre para “apagar incêndios”, quando os impactos estão avançados”,
constata.
Segundo Christiana, os proprietários de áreas que contenham cavernas e as
unidades de conservação devem sempre ter em mãos os documentos que comprovem
as etapas de estudo das cavidades, na falta da licença ambiental em si. Isso
dá uma garantia ao turista de que ele está entrando em um lugar seguro. Mas
quem flagrar alguma atividade ilegal em cavernas pode comunicar ao Ibama
através da Linha Verde. As denúncias podem ser feitas de forma anônima e uma
equipe do Cecav no estado em questão será enviada ao local para fiscalizar,
garante a chefe do centro. O telefone da Linha Verde é 0800 61 80 80.
(Por Andréia Fanzeres,
OEco,11/09/2006)