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2006-09-12
O Brasil tem dezenas de cavernas abertas há anos à visitação pública. Em casos mais conhecidos recebem cerca de 23 mil pessoas por ano, como na Caverna de Santana, a mais procurada do Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (Petar). Números semelhantes têm a Gruta do Lago Azul, em Bonito (MS), a Caverna do Diabo, no Parque Estadual de Jacupiranga (SP) e diversas outras em Minas Gerais, como a famosa Gruta de Maquiné. Todas elas, no entanto, estão em situação irregular. Oficialmente, não estão preparadas para exploração de atividades turísticas porque não têm ainda licenciamento ambiental nem plano de manejo (exigido para as que estão dentro de unidades de conservação).

Há atualmente cerca de 40 processos de licença para atividades em caverna tramitando no Ibama. Até o ano passado, o responsável pela concessão desse tipo de autorização era o Centro Nacional de Proteção, Estudo e Manejo de Cavernas (Cecav), que jamais conseguiu finalizar um único pedido. No cargo há apenas um ano, a chefe do Cecav, Vera Christiana Pereira Pastorino, não arrisca explicações sobre o que justifica a não finalização de tais processos. Mas ela explica que, desde o início de 2006, passou a adotar uma outra estratégia. “Todos os processos de licenciamento estão agora sendo encaminhados à Diretoria de Licenciamento (Diliq) do Ibama”, explica.

A idéia é transferir a tarefa do licenciamento à diretoria que tem essa responsabilidade dentro do Ibama, para não burocratizar ainda mais o trabalho de uma equipe que já é escassa. Atualmente, são 15 profissionais lotados em Brasília e de um a três em estados como Bahia, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte, São Paulo e Tocantins. Quem trabalha em cavernas sabe que isso é muito pouco. O espeleólogo Luis Fernando S. da Rocha, por exemplo, reclama que não há no Paraná um núcleo do Cecav, sendo que são conhecidas centenas de cavernas no entorno de Curitiba, ameaçadas principalmente pela expansão das áreas urbanas.

Ele conta que em casos de denúncias ou outras demandas é preciso esperar atenção da equipe de São Paulo, também reduzidíssima para a quantidade de cavernas que existem no estado. “Os grupos espeleológicos deveriam trabalhar em parceria com o Cecav, mas aqui no Paraná, na prática, tem sido relativamente mais fácil obter apoio do governo do estado”, analisa Rocha. Christiana admite que para dar conta da demanda o Cecav deveria ter mais 40 pessoas espalhadas pelo país. “Queremos capacitar servidores do Ibama, mesmo que eles não sejam do Cecav, para que saibam proceder em situações de cavernas e tenham condições de dar um parecer, fazer alguma intervenção”, anuncia. No entanto, ainda não há data para esses cursos de formação.

Mas só com o licenciamento feito pela Diliq a chefia do centro considera que a partir de agora o trabalho do Cecav fica mais ágil e tranqüilo. “Nosso corpo técnico vai focar esforços na elaboração de planos de manejo espeleológicos, fomento a pesquisas, coordenação de projetos e educação ambiental”, diz Christiana. Mas, ainda assim, vai manter a atribuição de se manifestar tecnicamente ao final dos processos.

O licenciamento de cavernas vai acontecer segundo os mesmos critérios exigidos para qualquer outra atividade, com fases distintas para concessão de licença prévia, de instalação e operação, consultas públicas e apresentação de estudos de impacto ambiental. E vai ser necessário não apenas nos casos de turismo, mas para empreendimentos como construção de hidrelétricas, rodovias, linhas de transmissão, gasodutos, mineração ou obras que estejam previstas para áreas com presença de patrimônios espeleológicos. As atividades com impacto local deverão ser licenciadas pelos estados e as de impacto nacional pelo próprio Ibama. Mas em ambos os casos, a palavra final continua sendo do Cecav.

Mesmo com essas mudanças, até que os processos de regularização das cavernas já abertas ao turismo sejam finalizados, a orientação do Cecav é que tudo continue do jeito que está. “É uma situação delicada”, diz Christiana. Ela acredita que se grutas com histórico de uso de muito tempo forem fechadas de uma hora para outra podem causar impactos ainda maiores. Socialmente falando, por certo. “A gente quer concluir tudo o mais rápido possível, sem colocar em risco o patrimônio nem as pessoas”, avisa. A chefe do Cecav lembra que algumas cavernas podem apresentar fungos que causam doenças como a histoplasmose, e precisam ser estudadas para que se saiba, por exemplo, se há riscos de desabamentos ou se existem ali animais perigosos, como as aranhas marrons.

Algumas das grutas têm histórico de uso religioso desde 1690, como a de Bom Jesus da Lapa, na Bahia. Mas outras tiveram exploração do turismo relativamente mais recente. Como a Caverna do Diabo, por exemplo, aberta na década de 60, outras grutas já apresentam impactos consideráveis aos ambientes subterrâneos, com alteração de temperatura interna, crescimento de vegetação em função do aumento de luminosidade, espeleotemas quebrados, áreas cimentadas para construção de pequenas pontes, escadas e passagens para o turismo e, em alguns casos, acúmulo de fuligem em seu interior – algo que está sendo estudado com equipamentos instalados na Caverna de Santana, no Petar . Mas na opinião de Marcelo Rasteiro, turismólogo da Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE), é preciso relativizar. “Preparar o turismo naquela época era viabilizar o acesso de um número muito grande de pessoas. Não havia a idéia de ecoturismo como temos hoje. Por isso, a Caverna do Diabo tem corrimão, escada, caminhos de concreto.”

Para ele, talvez se todo esse aparato não tivesse sido colocado lá o impacto hoje poderia ser bem maior. “É bom lembrar também que o roteiro turístico tem apenas 500 metros, quando a caverna apresenta mais de seis quilômetros de desenvolvimento”. Em cavernas novas, ele garante que o procedimento agora é totalmente diferente. “Podemos usar tecnologias bem menos impactantes para permitir a visitação”, diz.

O plano de manejo mais próximo de sair deve acontecer em menos de um ano, segundo Christiana, e vai ser para a Gruta do Lago Azul, em Bonito. Recentemente, o promotor Luciano Loubet determinou o fechamento das atrações à exploração turística por falta de licenças ambientais. Essa gruta estava incluída. Mas agora ela voltou a receber turistas. “Semana que vem uma equipe do Cecav vai fazer uma vistoria e orientar os estudos finais”, diz. Em relação às cavernas do Petar, ela informa que a regularização da visitação está sendo conduzida em parceria com o Instituto Florestal de São Paulo. As duas entidades estão terminando a elaboração de um Termo de Referência específico para a região e ainda falta fazer uma vistoria.

Enquanto o governo testa estratégias novas para cuidar melhor das cavernas, organizações da sociedade civil tentam como podem trabalhar pela conservação desses ambientes. Os principais grupos espeleológicos do país estão divididos na SBE ou na Rede EspeleoBrasil. Ambas possuem estudos técnicos e mantêm um cadastro das cavernas brasileiras. A SBE comemorou recentemente mais de quatro mil registros, que podem ser acessados por sócios através de seu site ou interessados em geral mediante solicitação.

O Ibama também prepara seu banco de dados, ainda sem previsão de implementação. Com dados repassados pelas duas entidades, a iniciativa do governo vai se chamar CANIE (Cadastro Nacional de Informações Espeleológicas). Christiana, chefe do Cecav, quer que ali sejam incluídas informações técnicas sobre as cavidades, localização, pesquisas autorizadas, situação de licenciamento, etc – tudo disponível para o público.

Mas para que todos colaborem com maior conhecimento e conseqüente preservação das cavernas são necessários mais incentivos. A gruta de Lancinhas, que até pouco tempo atrás era considerada a terceira mais importante do país em termos de biodiversidade, é um exemplo típico. Apenas depois de 20 anos de insistência de grupos espeleológicos do Paraná foi criado um Monumento Natural para protegê-la. Mesmo assim, a unidade ainda aguarda implementação.

Diferentemente do apelo de uma espécie bandeira para proteção de um ecossistema qualquer, como o uso do tamanduá ou da araucária como símbolo de conservação, o interesse pelas cavernas ainda não foi despertado pela opinião pública. “O governo não consegue sensibilização tão grande para cuidar das cavernas porque não há interesse. Está tudo debaixo da terra”, diz Rocha.

“Historicamente, as unidades de conservação são criadas sem um levantamento bem feito sobre a presença de cavernas”, diz Rocha. Ele exemplifica que no Parque Estadual das Lauráceas (PR), por uma falta de atenção três cavernas importantes ficaram fora dos limites da unidade. “Só são protegidas as áreas que já apresentam muita pressão. Para os planos de manejo, somos chamados sempre para “apagar incêndios”, quando os impactos estão avançados”, constata.

Segundo Christiana, os proprietários de áreas que contenham cavernas e as unidades de conservação devem sempre ter em mãos os documentos que comprovem as etapas de estudo das cavidades, na falta da licença ambiental em si. Isso dá uma garantia ao turista de que ele está entrando em um lugar seguro. Mas quem flagrar alguma atividade ilegal em cavernas pode comunicar ao Ibama através da Linha Verde. As denúncias podem ser feitas de forma anônima e uma equipe do Cecav no estado em questão será enviada ao local para fiscalizar, garante a chefe do centro. O telefone da Linha Verde é 0800 61 80 80.
(Por Andréia Fanzeres, OEco,11/09/2006)

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