Produtores desistem de cultivar mamona no Ceará
2006-09-12
No campo, há um descompasso entre o projeto que incentiva o plantio da mamona para a produção de biodiesel e o desinteresse
dos agricultores. Nos municípios de Parambu e Tauá, na região dos Inhamuns, e Piquet Carneiro e Acopiara, na região
Centro-Sul, o quadro é de desistência da cultura. Os representantes do governo federal e estadual, responsáveis pelo
programa de incentivo ao plantio da mamona para abastecer o biodiesel, chegam a admitir o problema, mas ainda tecem loas aos
resultados.
Neste ano, praticamente não houve plantio de sequeiro da mamona, aquele que depende da chuva. A julgar pela situação atual e
pelo sentimento expresso pelos pequenos agricultores, no próximo ano também não haverá renovação da cultura. A exceção é
feita para um grupo de produtores no Perímetro Irrigado Várzea do Boi, no município de Tauá, que recebeu incentivo para o
cultivo e vive um período experimental de produção.
Baixo preço pago aos agricultores, reduzida produtividade e pouca lucratividade são fatores que contribuíram para o abandono
das áreas de produção. Em fins de 2004, os produtores foram incentivados pelo governo a fazer o cultivo da mamona, cuja
produção seria voltada para a fabricação de biodiesel.
Os agricultores receberam da empresa Brasil Ecodiesel sementes, algumas ferramentas, a promessa de assistência técnica e de
compra da produção pelo preço mínimo de R$ 0,56, o quilo. Centenas de pequenos produtores aderiram à idéia em 2005. Fizeram
o cultivo, colheram, armazenaram os grãos em casa e esperaram o cumprimento do acordo.
Os agricultores ficaram abandonados. “Não houve cumprimento do acordo”, disse o secretário de Agricultura do município de
Piquet Carneiro, Expedito José do Nascimento. “No campo, o clima é de revolta contra a empresa que não deu assistência
técnica, nem pagou o preço mínimo e forneceu grãos, em vez de semente de boa qualidade”.
O preço pago pelo quilo da mamona variou entre R$0,25 e R$0,30. “Plantei meio hectare, colhi 350 quilos e só me pagaram 117
reais”, disse, em tom de tristeza, o agricultor, Otaciano Firmino, da localidade Alegre, no município de Piquet Carneiro.
“Por aqui, todo mundo já desistiu. Não deu certo. Prometeram muitas coisas e não cumpriram nada”.
De acordo com os agricultores, havia um contrato firmado entre eles e a empresa Brasil Ecodiesel, que não foi cumprido. Os
produtores José Barbosa e Edmilson de Brito revelam sentimento de raiva e já anunciaram que não farão novo cultivo.
“Enganaram a gente”, disse o pequeno produtor, Francisco Micena Lima, morador do sítio Monteiro, em Piquet Carneiro. Ele
ainda guarda parte dos dez quilos de semente de mamona que recebeu da empresa que prometeu implantar um projeto de inclusão
social, segundo anúncio inscrito na embalagem.
Segundo os dados da secretaria de Agricultura de Piquet Carneiro, em 2005, 109 agricultores plantaram 150 hectares de
mamona. Neste ano, a desistência foi total. Semelhante quadro ocorreu em Acopiara. Cerca de 100 pequenos produtores
cultivaram 200 hectares, mas em 2006 repetiu o plantio de sequeiro. “A desistência foi geral por falta de preço e de
assistência técnica”, disse o secretário de Agricultura do município de Acopiara, Luís Lucas. “O trabalho tem de recomeçar,
mas ninguém confia mais na Brasil Ecodiesel”.
Custo de plantio de mamona irrigado é reduzido em 50%
No Perímetro Irrigado Várzea do Boi, um grupo de 26 colonos aderiu ao plantio de mamona irrigado, sob a orientação técnica
do Agropólo Inhamuns, através do Programa Caminhos de Israel da secretaria de Agricultura e Pecuária do Estado. Os
agricultores receberam incentivos do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), que reduziram em 50% os custos
de implantação da cultura.
O clima é de expectativa e a produção está crescente. Há, entretanto, o temor de que no próximo ano, o açude que abastece o
projeto não tenha condições de garantir a irrigação.
Iraceu Alves de Barros, 66 anos, foi um dos colonos que aderiram ao plantio de mamona. “Ouvi falar nessa novidade do
biodiesel e fui incentivado pelo Dnocs e pela Ematerce”, contou. “Estou esperançoso”. Ele plantou três hectares da
oleaginosa e espera colher nove mil quilos. Francisco de Assis Nogueira cultivou um hectare. “Estou confiante de que vai dar
certo”.
No perímetro, até dezembro a colheita será continua, e depois retomada a partir de março de 2007. No perímetro, o período
atual é de colheita.
Maria Antônia de Souza, 56 anos, desde criança trabalha na agricultura com os pais. Não perdeu o ritmo e mostra ser uma
mulher de fibra. Disposta, está produzindo com a ajuda do filho, Mauro, um hectare de mamona. Está preocupada com a falta
de espaço em casa para guardar os grãos que começou a colher e espera por uma máquina para debulhar as sementes. Os colonos
esperam que o preço mínimo anunciado seja cumprido.
Sem previsão para funcionamento
As cidades de Tauá e Piquet Carneiro ganharam mini-usinas de biodiesel. A unidade de Tauá foi inaugurada em 30 de junho
passado, mas ainda está em fase de instalação de equipamentos. Ocupa um dos galpões da Cooperativa dos Irrigantes do Várzea
do Boi. “A previsão é de que até o próximo dia 15 esteja apta para funcionar”, disse o coordenador do CVT local, Roberto
Alexandrino, responsável pela supervisão dos serviços de montagem da fábrica.
As mini-usinas têm capacidade de produção de 100 litros por hora de biodiesel, que são obtidos a partir do esmagamento de
250 quilos da baga (semente) da mamona. Devem funcionar 24 horas por dia, com três turnos de trabalho, gerando 20 empregos
diretos. O Instituto Centec é o responsável pela instalação dessas fábricas.
Ainda não se sabe como será o modelo de gerenciamento dessas unidades e o aporte de capital de giro para a compra das
sementes. O presidente da Cooperativa dos Irrigantes do Várzea do Boi, Antônio Batista Silva (Antonino) espera que seja
firmado um convênio com o Dnocs para o repasse dos recursos. “Acredito no projeto, mas estamos no compasso de espera”,
disse. “Muitas coisas ainda não foram definidas”.
A unidade de Piquet Carneiro está sendo instalada em um galpão da antiga cooperativa de algodão. “Não temos previsão sobre o
funcionamento”, disse o secretário de Agricultura, Expedito do Nascimento. “Será firmada uma parceria entre o Ministério da
Integração Nacional e o município para gerir a unidade”. Nascimento mostra-se preocupado ante a falta de matéria-prima na
região já que os produtores desistiram de plantar mamona.
Preço mínimo não foi cumprido
Os técnicos do escritório da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Ceará (Ematerce) no município de Tauá
reconhecem que o programa de incentivo à produção de mamona está vivendo um período de crise, dois anos após ter sido
implantado. “Criou-se uma expectativa favorável e os produtores ficaram ansiosos, mas não houve o cumprimento do preço
mínimo anunciado”, disse Francisca Lúcia Ferreira, chefe do Centro de Atendimento ao Cliente (Ceac) da Ematerce, em Tauá.
Em 2006, o cultivo da mamona caiu pela metade nos municípios de Tauá, Quiterianópolis e Parambu, em relação ao ano passado.
Estima-se que hoje a área cultivada nos três municípios é de 300 hectares. Em Arneiroz, a redução foi quase que total. A
expectativa é de que o plantio de sequeiro, em 2007, sofra ainda mais diminuição.
Os números não são animadores. O agente master do Programa Caminhos de Israel do Agropolo Inhamuns, Antônio Ronival Reis,
disse que nas áreas irrigadas a lucratividade por um hectare/ano da mamona é de R$ 1.000,00 e na modalidade de sequeiro é de
R$ 600,00. O cultivo é feito de forma consorciada com feijão, possibilitando a ampliação da renda.
No quadro atual, a mamona não está cumprindo o papel de inclusão social e pouco contribui para ampliar a renda da agricultura
familiar. Mas há os otimistas com o programa. O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Tauá, João Evonilson
Alexandrino de Souza, é um deles. “Apostamos no projeto para fixar as famílias no campo e melhorar a renda das famílias”,
disse. “Houve alguns problemas, mas que serão superados”.
Produtores de mamona não serão engolidos pelo agronegócio
A região Nordeste dispõe de quatro milhões de hectares e possui mais de 500 municípios zoneados para o plantio da mamona,
dos quais, 81 são cearenses. Iniciado em dezembro de 2004, estruturado legalmente em 2005, o Programa Nacional do Biodiesel
estima em 840 milhões de litros o tamanho do mercado do biodiesel. A projeção é de Arnoldo de Campos, coordenador do Programa
Biodiesel pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), informando que foram realizados, desde 2005, quatro leilões
pela Petrobras.
Em julho deste ano, foram realizadas dois, resultando na aquisição de 600 milhões de litros. No Nordeste, explica, o projeto
tem parceria com a agricultura familiar. “A metade da produção do óleo na região deve vir dos agricultores familiares”,
orienta, estimando que 319 milhões de litros serão produzidos no solo no nordestino, beneficiando mais de 150 mil famílias.
Arnoldo de Campos cita as plantas industriais da principal empresa a apostar no programa, a Brasil Ecodiesel, em Iraqui, no
Maranhão; Crateús (Ceará); Floriano (Piauí) e Iraquara (Bahia). A empresa vendeu grande parte dos 600 milhões de litros de
óleo no último leilão da Petrobras.
Segundo ele, não houve monopólio, justificando que participaram 28 empresas, tendo sido ofertados 1 bilhão e 100 milhões de
litros. Esclarece que existem outras fontes, no entanto, a semente da mamona apresenta maior teor de óleo. Em comparação
com a soja, por exemplo, que possui apenas 18% e, a mamona, 50%. Além de não concorrer com a produção de alimentos, já que
a principal fonte da soja é o farelo e não o óleo.
A soja conta com 50 anos de pesquisa enquanto a mamona, 10 ou 15 anos. Arnoldo de Campos descarta a possibilidade de os
produtores de mamona nordestinos serem engolidos pelo agronegócio da soja. “Até agora isso não aconteceu”, disse, explicando
que a produção de biodiesel não será mantida por pequena usinas artesanais. Uma produção em pequena escala não pode agregar
custo, observa.
No Nordeste, os agricultores vão receber crédito do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).
Enquanto no Centro-Oeste a indústria paga imposto, no Nordeste, será zero. Pelo contrário, ressalta, “está sendo muito
criticada a política de incentivo para o Nordeste”.
Esclarece que, no momento, a mamona não responde sozinha pela produção de biodiesel no Nordeste. Isto é, 50% vem da soja,
informando que os agricultores não podem se prender apenas à produção de mamona. O Pronaf dispõe de R$ 100 milhões para
financiar agricultores familiares.
De acordo com Arnoldo de Campos, a orientação é de que os agricultores plantem mamona, girassol, soja. “A monocultura é
suicídio para o agricultor”, advertindo que o Nordeste precisa mais do que triplicar a produção.
Atravessador trouxe declínio na produção
O atravessador foi o principal responsável pelo declínio da mamona nos anos de 1950 e 1970 quando a produtividade chegou
a 536 quilos por hectare. Naquele período, o quilo da mamona possuía maior valor de venda, R$ 1,54, baixando para R$ 0,45
em 2003, ao mesmo tempo em que a produção aumentou para 795 quilos por hectare. Ricardo Mendes, coordenador do Projeto do
Biodiesel do Nutec, lembra que a venda da mamona era para o atravessador:
A venda era feita para extração de óleo que era comercializado para a sofisticada indústria química internacional. O óleo de
mamona tem utilização desde a indústria cosmética até a de foguetes. No entanto, lembra, a cadeia produtiva não era
organizada, daí a preocupação com essa nova corrida à mamona, três décadas depois do seu apogeu, que ficou concentrado,
sobretudo na Bahia, que continua explorado o negócio.
Ricardo Mendes chama a atenção para que os erros cometidos no Programa do Álcool não sejam repetidos agora, quando a
monocultura gerou a figura do bóia-fria. Quanto a isso, Jackson Malveira, químico do Projeto Biodiesel do Nutec, explica
que a determinação do governo federal é de que 50% do óleo adquirido nos leilões da Petrobras seja da agricultura familiar,
beneficiando o pequeno produtor.
O Ceará já chegou a produzir cerca de 22 mil toneladas/ano de mamona caindo para 1.700. Na década de 1950, a área plantada
era de 40 mil hectares, contra 2,2 mil hectares em 2003. Vários fatores contribuíram para a derrocada da mamona, naquela
época. Falta de apoio logístico, além da queda da qualidade genética da mamona selvagem que diminuiu o teor de óleo.
O Estado conta hoje com dois tipos de sementes de mamona, trazidas da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa)
de Campina Grande (Paraíba). São elas, Paraguassu, com 48% de teor de óleo e a Nordestina, com 49%. As sementes chegaram no
final de 2003 e foram disponibilizadas no ano passado. Em 2006, foram plantadas 50 toneladas de semente, explicou Valdenor
Feitosa, gerente do Projeto Mamona do Ceará, da Secretaria de Agricultura e Pecuária (Seagri).
Fetraece quer evitar figura do atravessador
Escassez de semente, crédito e melhor preço de venda do quilo de baga (semente), comercializada na última safra até por
R$ 0,30, cujo preço estipulado era de R$ 0,55. Uma das reivindicações da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais
no Estado do Ceará (Fetraece) é elevar para, pelo menos, R$ 0,62 o preço do quilo da baga. Estes são alguns dos problemas
enfrentados pelos agricultores cearenses que apostaram na cultura da mamona.
Embora venha sendo chamada de “ouro verde”, o Ceará ainda não é auto-suficiente na produção de mamona, cuja semente
apresenta, em média, 45% de teor de óleo. Isso significa que um quilo de baga contém 450g de óleo, sendo o resto utilizado
para fertilizante.
Produto que já figurou na pauta de exportação cearense nas décadas de 1950 e 1970, hoje, acontece uma retomada dessa cultura,
despontando num cenário promissor das bioenergias. Cercada ainda de preconceito, sobretudo pela falta de esclarecimento do
agricultor, que ainda vê risco para o gado, devido à toxicidade, esse novo ciclo da mamona está apenas engatinhando.
De acordo com informações de Valdenor Neves Feitosa, gerente do Projeto Mamona do Ceará, da Secretaria de Agricultura e
Pecuária (Seagri), a meta atual é de 134.125 tonelada/ano, sendo a área plantada estimada em 28.718 hectares, existindo 81
municípios zoneados para a produção da semente. Programa recente, portanto faltam ainda ajustes, que tem como um dos
principais pontos a garantia da participação da agricultura familiar, evitando o surgimento do atravessador.
“O agricultor precisa se organizar em cooperativas, caso contrário poderá vender para o atravessador ou ao bodegueiro”,
alerta Valdenor Feitosa. Para garantir o negócio, o agricultor precisa plantar e ter a certeza de que haverá preço razoável,
observa. O desafio é grande, prossegue, explicando que o maior gargalo do Estado foi a comercialização, considerada fechada.
“Há denúncias de que o preço, na última safra, chegou a R$ 0,30”, informou, atribuindo à falta de organização dos
produtores.
José Wilson de Sousa Gonçalves, secretário de Política Agrícola da Fetraece, afirma que está negociando com o governo a
criação de mais estímulos para a produção de mamona e linhas de financiamento. Cobra do Estado a complementação de políticas
do Programa Nacional do Biodiesel. Valdenor Feitosa rebate: “O Estado cumpriu com a sua parte disponibilizando 11 agente
rurais só para a mamona”.
Ele cita a criação do Projeto Mamona do Ceará, em agosto de 2003, e atração da empresa Brasil Ecodiesel, hoje instalada em
Crateús, cuja usina será inaugurada neste mês, com capacidade de 300 mil litros/dia. Valdenor Feitosa garante que o Estado
é “auto-suficiente na produção de semente selecionada”. Informa que até 2003 não dispunha do produto e produzia apenas 1.600
toneladas de baga, pulando, hoje, para 22 mil.
(Diário do Nordeste, 11/09/2006)
https://seguro.diariodonordeste.com.br/default.asp