Represas são acusadas por enchentes na Índia
2006-09-11
As inundações são permanentes na Índia, mas as registradas este ano foram de tal magnitude que muitos ambientalistas culparam as enormes represas construídas precisamente para controlar os sistemas hídricos naturais. “Há muito que aprender com as inundações provocadas por esta monção. Ao contrário do que se pretende (que as represas controlem as inundações), na verdade a situação ficou pior com elas”, afirmou Medha Patkar, reconhecida ativista contrária a essas instalações. Este ano, com muitos países rio abaixo acusando os responsáveis pelas bacias superiores de calcularem mal a liberação de água, foi especialmente difícil para os defensores dessas obras responderem às críticas, como as feitas por Patkar.
Inclusive, funcionários do vizinho Nepal culparam a Índia de não abrir comportas a tempo, agravando as conseqüências das cheias nesse país. “O manejo errado e as operações negligentes nas grandes represas dos Rios Tapti, Narmada, Krishna, Godavari, Mahi e Sabarmati criaram um desastre provocado pelo homem nos Estados indianos de Gujarat, Maharashtra, Madhya Pradesh, Karnataka e Andhra Pradesh”, disse o especialista em hidrologia e coordenador da Rede de Represas, Rios e Pessoas da Ásia Meridional, Himanshu Thakkar. “Os Estados mais afetados são os que possuem grandes diques”, afirmou. Thakkar reclama uma “investigação independente e crível sobre o motivo dessa situação, que poderia ter sido evitada com um manejo eficaz dos projetos”.
Falta estimar a verdadeira magnitude do desastre, mas centenas de milhares de pessoas teriam sido afetadas pelas inundações. Alguns especialistas acreditam que o aluvião, que atingiu vastas porções do país, se deve ao fracasso de manter um equilíbrio adequado entre o controle das águas e os demais usos das grandes represas, a irrigação e a geração de energia. Ramaswamy Iyer, ex-alto funcionário do Ministério de Recursos Hídricos, disse à IPS que muitas represas estão projetadas especificamente para controlar as cheias. “Mas existe um conflito inerente com seus outros objetivos: os de tentar maximizar a energia gerada e a irrigação”, afirmou. Iyer disse que o controle das inundações requer que a represa tenha um espaço adequado para receber as torrentes de água, mas o maior potencial hidrelétrico necessita que os níveis de água sejam os mais altos possíveis.
“Como se eleva a pressão para aumentar a geração de energia, o objetivo de controlar as inundações perde importância. Isso faz com que a água tenha que ser liberada de uma vez e em grande escala e que sejam liberadas torrentes de água desastrosas”, disse Iyer. “Os documentos oficiais reconhecem amplamente que a grande quantidade de lama, acumulada pelo excessivo número de represas, é muito maior do que o previsto”, disse, por sua vez, Dinesh Mishra, engenheiro e representante da Barh Mukti Abhiyan (Campanha pela Liberdade e por Alimentos). “O verdadeiro problema é o lodo, não a água, pois deteriora a possibilidade de acúmulo das represas, reduzindo sua capacidade de absorver as correntes”, explicou.
Entretanto, Thakkar atribui os estragos deste ano à mera ineficiência. Em especial, as inundações que arrasaram a cidade de Surat, no Estado de Gujarat. Três quartos dessa cidade, conhecida por sua produção de diamantes, permanecem debaixo d’água. O exército teve de auxiliar milhares de pessoas que ficaram isoladas. Estima-se que cerca de três milhões de pessoas ficaram sem fornecimentos básicos como alimentos e água potável na noite de 6 de agosto, quando o departamento de irrigação liberou sem aviso prévio 22,65 metros cúbicos por segundo da represa de Ukai.
Thakkar considera que havia suficiente informação disponível sobre as precipitações que sugeriam que a liberação de água em quantidades manejáveis deveria ter começado dia 1º de agosto. Mas isto não foi levado em conta, e quando finalmente se deixou que corresse quase duplicou a capacidade de drenagem do Rio Tapti. E o pior foi que coincidiu com a maré alta. As inundações pioraram a já dramática situação na região de Marathawada, no Estado de Maharashtra, onde centenas de agricultores se suicidaram este ano por causa da angústia causada pela seca.
O ativista Nisarg Mitra Mandal, Vijay Diwan, analisou a situação com extremo cuidado. “Se forem comparadas as precipitações dos primeiros cinco anos se vê que a quantidade de água que caiu foi significativamente superior este ano nos distrito de Jalna, Parbani e Nanded, assim, as pessoas perguntam se estas inundações tiveram relações com a ineficiência de represas como Jayakwadi e Issaper e com projetos de irrigação como Vishnupuri”, afirmou.
Os moradores desses lugares foram vítimas do grande volume de águas vertido pelas represas rio acima e pelas que não deixaram correr as de rio abaixo, explicou Diwan. Já havia uma quantidade considerável de água armazenada nessas instalações quando começou a chuva. Thakkar diz que a informação disponível em muitas represas dá conta da grande quantidade de água armazenada bem antes do inicio da monção, a corrente de ar quente que muda de direção a cada seis meses e causa impacto especialmente nesta região da Ásia. Essa situação reduz a capacidade das represas de absorver as chuvas torrenciais.
“Naturalmente, as represas são necessárias para armazenar água, mas é preciso ter normas que sejam consideradas proteção adequada. No caso de Ukai, a água acumulada antes da monção superava as necessidades de Surat”, afirmou Thakkar. “Claro, podem ser discutidos vários aspectos do manejo das represas, porém as inundações deste ano geraram sérias dúvidas a respeito da utilidade destas instalações como proteção diante das cheias”, acrescentou Thakkar. “Nossa experiência nos ensina que mesmo as represas relativamente pequenas podem provocar cheias desastrosas, e agora estão sendo projetadas quase mais 160 no noroeste e alguns dos projetos são enormes”, afirmou Ravindranath, especialista em alertas de cheias no Estado de Assam. Além disso, o nordeste testemunhou grandes desastres ecológicos nas bacias dos rios por causa de desmatamento ilegal, extração das pedreiras e pela mineração. “O futuro é perigoso pelos danos nas bacias e a construção de represas em grande escala”, afirmou Ravindranath, da organização Amigos da Bacia do Rio.
Um aspecto importante das cheias deste ano é que enquanto foram alagadas áreas conhecidas por sua escassez – houve inundações devastadoras no árido distrito de Barmer, em Rajasthan – algumas das bacias com água abundante apresentaram sinais de seca, disse Iyer. O suposto manejo ineficaz da água deste ano é o melhor argumento contra o ambicioso e controvertido plano da Índia para conectar seus principais rios entre si e, assim, compensar as inundações com as secas, dois fenômenos que se apresentam em zonas bem distantes deste grande país, segundo ativistas.
(Por Bharat Dogra, Envolverde, 08/09/2006)
http://www.envolverde.com.br/materia.php?cod=22289