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2006-09-11
Portugal é onde menos se recicla resíduos químicos, comparado com os 15 países que formavam a União Européia até abril de 2004, segundo relatório divulgado na semana passada em Lisboa. Este novo destaque negativo de Portugal causou indignação entre os ambientalistas, que divulgaram um estudo realizado pelo Instituto Britânico para a Pesquisa em Políticas Públicas (British Institute for Public Policy Research), referente ao período 2003-2004.

A associação não-governamental Quercus, a principal do setor ambiental no país, já havia demonstrado profundo mal-estar com o governo ao abandonar, na semana passada, a Comissão de Acompanhamento Ambiental (CAA) da qual faz parte junto com a companhia cimenteira Secil-Outão, instalada no Parque Natural de Arrábida, nas proximidades de Lisboa. A entidade explicou que se retirou devido ao “rompimento das regras de confiança” por parte da empresa, responsável por queimar resíduos industriais perigosos, mas não sem antes informar ao CAA sobre toda decisão relacionada com a incineração.

Os ambientalistas e prefeitos da região argumentam que, na realidade, a empresa tenta passar por cima da legislação ambiental da União Européia. A UE define a co-incineração como instalações que têm o objetivo fundamental de produzir energia ou produtos materiais e que utilizam resíduos como combustível habitual ou complementar, os quais recebem tratamento térmico para sua eliminação. As normas da UE obrigam os países-membros a cumprir regras sobre a incineração e co-incineração de “resíduos perigosos ou não-perigosos que podem produzir emissões de substâncias que contaminam a atmosfera, a água e o solo e têm efeitos nocivos para a saúde das pessoas”.

A norma estabelece que uma autoridade competente “deve enumerar as categorias e quantidades de resíduos perigosos e não-perigosos que podem se tratadas, a capacidade de incineração ou de co-incineração da instalação e os procedimentos de amostragem e medição a serem utilizados”. Os argumentos também pesaram para os vereadores das municipalidades de Setúbal, Anunciada, São Simão e São Lourenço, todas na Serra de Arrábida, a abandonarem a Comissão por motivos idênticos aos da Quercus.

Segundo o especialista Rui Berkemeier, da Quercus, esta organização estava disposta a permanecer na CAA se a Secil-Outão cumprisse o requisito de realizar um estudo de impacto ambiental antes de realizar a co-incineração de resíduos industriais perigosos.

Além disso, o compromisso assumido implicava não queimar nos fornos da empresa produtos que façam parte da lista dos que devem ser enviados para os Cirver (Centro Integrado de Recuperação, Valorização e Eliminação de Resíduos Perigosos), incluindo oleos usados e diluentes. Os Cirver, cujo processo de licença ainda está em curso, somente deverão começar a operar no começo de 2008, enquanto o Ministério do Meio Ambiente garantiu que a co-incineração começa este mês. O caso da companhia no tocante aos resíduos tóxicos se une à falta de reciclagem de lixo, onde, segundo o instituto de pesquisa britânico, Portugal aparece no último lugar nos últimos dois anos em que a UE esteve formada por 15 países. Em 1º de maio de 2004, somaram-se outros 10 Estados ao bloco europeu.

O estudo afirma que os portugueses somente reciclam 3% de seus desperdícios, seguidos por Grécia (8%) e Reino Unido e Irlanda do Norte (18%). No outro extremo estão Holanda com 65% de seu lixo reciclado, seguida de Áustria (59%) e Alemanha (58%). A falta de reciclagem provocou ainda mais críticas dos ambientalistas pelo fato de, segundo o documento, a tarefa não ser de grandes proporções, já que entre as naçoes da UE Portugal é o segundo país que menos lixo produz, com 434 quilos anuais por habitante, uma cifra que só perde para a Grécia, com um quilo a menos por pessoa.

Entre os campeões da produção de desperdício estão República da Irlanda, com 869 quilos/habitante, Dinamarca (696), Luxemburgo (668) e Espanha (662). A voz da Quercus se levanta contra a decisão unilateral da Secil-Outão, ao pretender “incinerar várias dezenas de milhares de toneladas de resíduos industriais perigosos, incluindo óleos e solventes”. Os ativistas recordam que em março o ministro do Meio Ambiente, Francisco Nunes Correia, garantiu que somente uma pequena parte dos resíduos tóxicos, não susceptíveis de tratamento nos Cirver, seria enviada aos fornos da companhia.

Nessa oportunidade, a Quercus alertou o governo sobre os problemas que pode provocar a opção de queimar resíduos contidos na lista dos Cirver, cujas conseqüências negativas começariam pelo grave risco ambiental se a co-incineração ocorrer antes de passarem por um tratamento para reduzir sua quantidade e periculosidade. Os ambientalistas recomendam “uma política correta de gestão” para as 250 mil toneladas anuais de resíduos industriais perigosos”, que, na ordem de prioridades, contempla a regeneração de 50 mil toneladas de óleo lubrificante, 15 mil toneladas de solventes e o armazenamento e posterior envio aos Cirver das 185 mil toneladas restantes.

Isabel de Castro, até o mês passado deputada do Partido Ecologista Verde, assegurou à IPS que o problema é muito maior e complexo, porque nasce da falta de política ambiental das “consciências anestesiadas de um poder político pretensioso, arrogante e ignorante” que permitiu “uma impunidade instalada que favorece os atentados e a degradação ambiental. O constante aumento e falta de tratamento dos resíduos, o desmantelamento das estruturas fiscalizadoras e sua insipiência, a falta de vontade política e de visão prospectiva são os sintomas da inexistência de uma estratégia para alterar esta realidade tão sombria e conformista”, conclui Castro.

A co-incineração em Portugal foi proposta pela primeira vez pelo atual primeiro-ministro, o socialista José Sócrates, quando era titular do Meio Ambiente no governo de Antonio Guterres (1995-2002), atual Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados. O governo conservador que o sucedeu (2002-2004), liderado pelo agora presidente da Comissão Européia, Jose Manuel Durão Barroso, abandonou a idéia, optando pela construção de centros integrados de avaliação e eliminação de resíduos. Ao assumir, em abril de 2005, Sócrates recuperou o projeto.

As diferenças entre o governo atual e todos os ambientalistas sobre co-incineração se foca exclusivamente no fato de os ativistas aceitarem a solução, mas somente depois de estarem funcionando os Cirver e da realização de novos estudos sobre impacto ambiental. A Secil-Outão, por sua vez, solicitou ao governo a dispensa de uma avaliação de impacto ambiental para o processo de co-incineração de lamas oleosas, óleos e solventes. Agora, tudo depende da decisão do governo de Sócrates, que muitos anos antes de assumir o primeiro escalão do poder sempre demonstrou sensibilidade com os temas ambientais.
(Por Mario de Queiroz, Envolverde, 08/09/2006)
http://www.envolverde.com.br/materia.php?cod=22291

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