ONGs e MAB contestam validade da Análise Ambiental Integrada da Bacia do Rio Uruguai
2006-09-06
De 01 de dezembro de 2005 a 25 de outubro de 2006 o Consórcio Themag- Andrade & Canallas –
Bourscheid, contratadas pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE - subordinada ao Ministério
das Minas e Energia - MME), está realizando a Análise Ambiental Integrada (AAI) da Bacia do
Rio Uruguai. A realização da AAI foi um dos condicionantes para o Licenciamento da tragédia
ambiental que foi Barra Grande – hidrelétrica que destruiu um dos últimos remanescentes
intocados de Mata Atlântica do Sul do Brasil 1.
O objetivo da AAI é:
Avaliar a situação ambiental da bacia com os empreendimentos hidrelétricos implantados e os
potenciais barramentos, considerando: (i) seus efeitos cumulativos e sinérgicos sobre os
recursos naturais e as populações humanas; e (ii) os usos atuais e potenciais dos recursos
hídricos no horizonte atual e futuro de planejamento, tendo em conta a necessidade de
compatibilizar a geração de energia com a conservação da biodiversidade e manutenção dos
fluxos gênicos, a sociodiversidade e a tendência de desenvolvimento socioeconômico da bacia, a
luz da legislação e dos compromissos internacionais assumidos pelo governo federal. 2
A AAI é composta de quatro etapas: Caracterização (levantamento dos dados científicos
secundários sobre a bacia), Identificação de conflitos, Análise Ambiental Distribuída (AAD -
subdivisão da bacia com identificação e avaliação de indicadores ambientais) e Análise
Ambiental Integrada (avaliação dos efeitos cumulativos e sinérgicos).
Uma das exigências do Termo de Referência é que o processo preveja participação pública. Para
tanto, foram estabelecidos encontros para discutir três etapas, AAD e Conflitos
(conjuntamente), e AAI. Ocorre no entanto que o conceito de participação pública utilizado
pela EPE é um tanto estranho. Talvez fosse melhor caracterizado por Encenação Pública. Pois
nos encontros (Reunião Técnica e Seminários) para a discussão da AAD e Conflitos, os
relatórios parciais a serem discutidos não estavam disponíveis para consulta. Ou seja, a
participação deveria se dar sobre a apresentação em data show dos relatórios de forma
esquemática, não sendo apresentados os dados mais importantes. Sem o acesso aos indicadores da
AAD, por exemplo, é impossível fazer uma participação qualificada. Somos levados a pensar que
a realização desses encontros deve-se somente ao intuito de chancelar os documentos com o selo
"PARTICIPAÇÃO POPULAR", sem que essa possa ter tido relevância para a tomada de decisões.
Infelizmente, esse fato, por si só escandaloso, não é o que de pior há no processo de
elaboração da AAI do Uruguai. Pior é que as decisões geradas com esse documento estão sendo
tomadas por pessoas que não tem autoridade para tomá-las. Talvez pudesse ser utilizado o termo
"usurpação" nesse caso. Essa constatação emerge da maneira como os indicadores da AAD estão
sendo gerados.
Segundo o TR da AAI, a AAD deve gerar "indicadores ambientais que permitam a quantificação e
qualificação dos efeitos de pressões sobre os ecossistemas terrestre, aquático e sobre as
interações socioeconômicas" 3. Esses indicadores servem para avaliar a bacia como um todo a
partir de traços fundamentais, mais críticos, que indiquem a situação geral. Como tal, os
indicadores são escolhas dentre diversas possibilidades existentes. Sendo escolhas, elas jazem
sobre uma escala de valores. A escolha é feita sobre o que se considera mais importante
preservar, seja a biodiversidade, sejam populações tradicionais, pequenos agricultores ou a
capacidade de geração hidrelétrica. Em se tratando de uma escolha baseada em uma escala de
valores, a questão torna-se ética (portanto política), e não científica. Sempre quando uma
questão trata de valores (ou seja o que se considera importante) e não fatos (o que existe e
suas relações), ela é ética, não científica. Técnicos contratados para realizar um estudo
possuem autoridade científica, mas não possuem nenhuma autoridade política. Em um Estado
"democrático", a autoridade emana do povo. A escolha dos indicadores deveria, portanto, ser
fruto de deliberação da sociedade, não de duas dúzias ou mais de técnicos.
Vejamos exemplos para elucidar esse argumento. Quando determina os indicadores para a
Fragilidade de Ecossistemas Aquáticos, a AAD apresentada nos seminários considera três
índices: Disponibilidade hídrica, Carga de poluentes e Peixes de interesse especial. Não
considera, no entanto as Reófitas, plantas de corredeira que são altamente ameaçadas por
hidrelétricas 4. Não se considerou, portanto, importante a biodiversidade altamente ameaçada
de plantas nos ecossistemas aquáticos. É uma escolha. Agora, não quer dizer que a sociedade
brasileira queira tomar essa escolha. Técnicos tem somente autoridade científica, não
política. Não estão autorizados a tomar decisões pelo povo brasileiro.
Por esses e outros motivos, constantes na Carta de Erechim (texto abaixo), que o Instituto
Gaúcho de Estudos Ambientais, o MAB e o Núcleo Amigos da Terra Brasil não reconhecem a
validade da AAI como está sendo realizada, exigindo a suspensão da mesma e a elaboração de
outra que contemple efetiva participação popular. Os resultados dessa AAI irão se refletir por
séculos, já que lançarão as diretrizes para a instalação ou não de hidrelétricas. Essas
decisões não podem ser tomadas com leviandade.
Este é um texto sintético sobre a situação. Para acompanhamento dos desdobramentos, visite o
endereço www.inga.org.br.
(Por Vicente Medaglia, coordenador do Ingá Estudos Ambientais)
Carta de Erechim
Posição de Entidades Gaúchas sobre a AAI (Avaliação Ambiental Integrada) da Bacia do rio
Uruguai
Considerando a realização de reunião aberta convocada pela Empresa de Pesquisas Energética
(EPE), do Ministério de Minas e Energia (MME), dia 16 de agosto de 2006, em Erechim, RS, a fim
de apresentar resultados parciais da Avaliação Ambiental Integrada, vimos por meio desta
manifestar o nosso não reconhecimento da validade do atual processo de estudo que deveria
avaliar com profundidade o impacto sinérgico das dezenas de projetos de aproveitamento
hidrelétricos na Bacia do Rio Uruguai e reivindicar alterações nos mesmos, com áreas livres de
barramento a fim de impedir desastres semelhantes ao de Barra Grande, que causou imenso
impacto social e ambiental, levando-se em conta os seguintes pontos:
1º - As empresas Andrade e Canellas, Bourscheid e Themag que realizam a atual AAI não têm
isenção para dimensionar os impactos e definir diretrizes para a bacia do rio Uruguai pois vêm
trabalhando para as hidrelétricas, seja em Estudos de Impacto Ambiental ou na implantação de
programas ambientais para as empresas do setor elétrico.
2º - A realização da AAI, em rios interestaduais ou de fronteiras internacionais, por
competência constitucional, deve ser atribuição dos órgãos ambientais fundamentalmente do
Ministério de Meio Ambiente (MMA), , com a integração da FEPAM (Fundação Estadual de Proteção
Ambiental do RS) e FATMA (Fundação de Meio Ambiente de SC), e não encabeçados pelos órgãos de
outros setores interessados na construção de usinas, como a EPE e o MME.
3º - Os critérios (indicadores) da AAD para levantar fragilidades, potencialidades e impactos
são escolhas políticas, e não técnicas (ainda que devam ser exaustivamente esclarecidas por
técnicos). Os técnicos contratados não tem autoridade política para fazer as escolhas de quais
critérios devam ser escolhidos para determinar indicadores da bacia. Os indicadores devem ser
fruto de diálogo, com consulta e deliberação da sociedade.
4º - O conceito de sustentabilidade que vem sendo utilizado pelo Ministério de Minas e
Energia, de modo a legitimar os empreendimentos hidrelétricos, é vago e sem fundamentação,
pois grande parte das hidrelétricas incidem nas últimas áreas núcleo da Reserva da Biosfera da
Mata Atlântica na região, e em Áreas Prioritárias para a Conservação pelo próprio IBAMA, e
ameaçam com o deslocamento de dezenas de milhares de famílias, produzindo-se assim energia de
elevadíssimo custo ambiental ( extinção de espécies de peixes e plantas), e injustificável
custo social, principalmente a pequenos agricultores que são reconhecidos como modelo de
sustentabilidade.
5º - A FEPAM, o próprio Ministério de Meio Ambiente, a comunidade acadêmica, os técnicos de
fora do governo, ONGs, movimentos sociais e demais pessoas participantes dos seminários
públicos e reuniões promovidas pela EPE, para a atual AAI, não tiveram acesso ao relatório
parcial previsto para a segunda etapa desta avaliação (AAD), que era, justamente, o objeto de
discussão dos eventos, conforme o cronograma da própria EPE. .
6o - A bacia do rio Uruguai concentra vales onde a biodiversidade ainda é elevadíssima,
contendo muitas espécies endêmicas e ameaçadas, outras tantas pouco conhecidas, não sendo
possível admitir que estudos como a atual AAI sejam realizados totalmente com dados
secundários (bibliografia) como está no seu plano de trabalho, ademais realizado em um tempo
exíguo de alguns meses, para avaliar milhões de hectares de áreas de ecossistemas sob
influência direta e indireta das hidrelétricas.
7º - A energia e a água, por serem bens públicos, devem estar sob controle e a serviço da
sociedade, e não nas mãos das grandes empresas privadas que controlam a maior parte da
produção da energia no país, por meio de concessões, de até 35 anos.
Sendo assim, EXIGIMOS:
1º - A realização de uma nova Avaliação Ambiental Integrada , por setor imparcial e altamente
capacitado, não vinculado às empresas produtoras de hidroeletricidade, e que seja conduzida
pelo órgão ambiental competente.
2º - Que a AAI preveja:
a) Estudos primários de campo em todas as estações de ano, com inventários que indiquem
espécies desconhecidas da ciência, espécies endêmicas, espécies ameaçadas e apresentem a
totalização, em hectares, das tipologias de formações vegetais e habitas sujeitos a
desaparecer pela conjunto dos barramentos propostos.
b) Alternativas locacionais e de alternativas de cotas de alagamento dos projetos
hidrelétricos que evitem o alagamento de sítios de elevada beleza cênica como os já alagados
Estreito Marcelino e Encanados, pela UHE de Itá e UHE Barra Grande, contemplando-se, assim, a
legislação referente aos licenciamentos, prevendo-se áreas livres de barramento na Bacia do
Rio Uruguai, em função do alto impacto social (densos povoamentos) e ambiental (áreas da
Reserva da Biosfera da Mata Atlântica e com elevada biodiversidade)
c) Implantação de programas que viabilizem maior eficiência energética na produção,
transmissão e consumo, descentralizados, incluindo maior diversificação de fontes de energia,
e que a hidroeletricidade contemple empreendimentos de pequeno porte, aproveitando-se a vazão
natural dos rios por meio de tecnologias modernas já disponíveis, rechaçando-se os
mega-empreendimentos que trazem grandes impactos.
d) Impedimento de licença a novos empreendimentos hidrelétricos na bacia do rio Uruguai,
enquanto não forem cumpridos os compromissos ambientais e sociais pendentes das usinas
hidrelétricas já implantadas.
3º - Que os indicadores da avaliação ambiental sejam também fruto de consulta e deliberação da
sociedade, principalmente das populações atingidas, ONGs, Universidades, etc.
4º Que as fontes de informação socioambiental não sejam baseadas nos EIAs, considerando-se as
irregularidades, por exemplo, que levaram à licença à hidrelétrica de Barra Grande;
Erechim, 16 de Agosto de 2006.
Assinam:
InGá Estudos Ambientais – www.inga.org.br.
MAB - www.mabnacional.org.br
Núcleo Amigos da Terra/Brasil – www.natbrasil.org.br
União Pedritense de Proteção ao Ambiente Natural - UPPAN
Projeto MIRA-SERRA - www.miraserra.com.br/
(Ecoagência, 06/09/2006)
http://www.ecoagencia.com.br/index.php?option=content&task=view&id=1814&Itemid=2