O Ministério do Meio Ambiente convocou a imprensa nesta terça-feira para
falar de índices de desmatamento na Amazônia. Mas o número mais próximo da
realidade saiu de um cálculo feito na hora, em plena coletiva, pela
secretária da Amazônia do Ministério do Meio Ambiente, Muriel Saragoussi:
16.700km2 de floresta perdida entre agosto de 2005 e agosto de 2006.
O que o governo tem de concreto nas mãos são os dados do Deter, o Sistema de
Detecção de Desmatamento em Tempo Real, criado pelo Inpe, capaz de, através
de imagens de satélite de pouca precisão, apontar tendências sobre o
desmatamento na Amazônia e ajudar no combate à perda de vegetação. Os dados
do Deter indicam que entre agosto de 2005 e agosto de 2006 a floresta
amazônica perdeu 10.943 km2. Comparado ao número apontado pelo Deter para o
período anterior (agosto de 2004 a agosto de 2005), esta projeção representa
uma queda de 11% no último ano.
A matemática fecha, mas não para a taxa de destruição da Amazônia. Como o
Deter só detecta desmatamentos acima de 25 hectares, seus resultados
precisam ser confirmados por dados do Prodes, um outro sistema usado pelo
Inpe que tem uma resolução acima de 6,25 hectares. Portanto, muito mais
exata. Para se ter uma idéia, ano passado o Deter estimou que a Amazônia
perdeu 12.587 km2 entre agosto de 2004 e agosto de 2005. Hoje, o governo
aproveitou a ocasião para informar que, concluída a análise das imagens do
Prodes, o número oficial do desmatamento desse mesmo período fechou em
18.790km2 - uma diferença de 6.203km2, o equivalente a quase um Distrito
Federal.
Sendo assim, dizer que a Amazônia perdeu 10.943km2 de floresta no último ano
é prematuro – tanto que o governo divulgou este número como uma tendência-,
mas acreditar que neste período houve uma queda no desmatamento de 11% é
plausível. Baseado nisso, Muriel calculou quanto pode ficar a taxa de
desmatamento do Prodes de 2005/2006 se a tendência de 11% se mantiver sobre
os 18.790km2. O resultado da matemática é 16.700km2.
“O Deter subestima o desmatamento”, diz Carlos Souza , pesquisador do Imazon
especialista em leitura de satélite. Para ele, é bem mais provável que a
taxa final do desmatamento para 2005/ 2006 fique mais próxima da casa dos 17
mil do que dos 11mil km2. Ele lembrou também que os dados do Deter costumam
apresentar imprecisões sobre áreas detectadas como desmate, às vezes para
mais, ás vezes para menos. Citou como exemplo áreas de queimadas que foram
interpretadas pelo sistema como de derrubada, mas onde a floresta continua
em pé, apesar de um pouco chamuscada, como mostraram imagens do Cybers, um
satélite sino-brasileiro. “Ás vezes é difícil entender qual o critério que o
Inpe tem para definir desmatamento”, comenta Souza. Até 17 de agosto, o
Deter indicava um desmatamento de 13.890km2 para a Amazônia entre 2005/2006.
Quinze dias depois o número caiu para 10.943km2. A reportagem de O Eco
procurou o Inpe para sanar a dúvida, mas a assessoria de imprensa informou
que só poderia dar explicações sobre as estimativas do Deter divulgadas
nesta terça-feira com autorização do Ministério do Meio Ambiente, o que só
deve acontecer em 15 dias.
De teto a piso
Apesar de não ter números concretos na mão, o Ministério do Meio Ambiente
comemorou a tendência de queda de 11%. "Teremos dois anos consecutivos de
taxas abaixo de 20 mil km2, voltando ao patamar da segunda metade da década
de 1990”, afirmou João Paulo Capobianco ,secretário de Biodiversidade e
Florestas do Ministério do Meio Ambiente. Em 2005, foi constatada uma queda
de 30% na taxa desmatamento em relação ao período anterior, quando o número
ficou na casa dos 26 mil km2, o segundo mais alto índice da história.
Mas como observou Roberto Smeraldi, diretor da ONG Amigos da Terra, em nota
à imprensa ,"A projeção de redução em 11% confirmaria uma dramática
constatação: o que na década de 90 era teto agora virou piso. Ou seja, mesmo
em um ano de redução expressiva da área plantada e da pastagem, ainda
teríamos um desmatamento estrutural superior a 17 mil km2, antes
considerados um recorde."
O Mato Grosso continua sendo o estado campeão em desmatamento. Baseado nos
dados do Deter, ele foi responsável por 55% de toda área de floresta que
desapareceu no último ano. Ainda assim, a quantidade de mata derrubada em
seu território caiu em 34% em relação ao período anterior. O segundo na
lista é o Pará, o que preocupa o governo. Lá, o desmate aumentou em 50% em
relação ao ano de 2005. O município amazônico que apresentou o maior índice
de desmatamento (34%) foi São Félix do Xingu, na Terra do Meio, região do
Pará que foi alvo de diversos projetos do governo federal de ordenamento
territorial nos últimos meses. Segundo Capobianco, o salto da degradação no
Pará é explicado pelo deslocamento das atividades madeireiras ilegais do
entorno da BR-163 para outras partes do estado, ou até mesmo para fora do
estado. Ao mesmo tempo, o índice de derrubada no Pará nos últimos 12 meses
(2.700km2) ainda é bem menor do que a série histórica do estado, que até
2003 se equilibrava em 6 mil km2.
Capobianco citou a criação de unidades de conservação como um instrumento
eficaz na interrupção do avanço da fronteira agrícola. No atual governo
foram criados 19,4 milhões de hectares de unidades de conservação na
Amazônia. Em algumas delas, o Deter registrou diminuições significativas nas
taxas de desmatamento, como na Estação Ecológica da Terra do Meio, onde
houve uma queda 76%, ou na Floresta Nacional do Jamanxin, com redução de
13%. “As unidades de conservação estão provando ser um instrumento útil no
combate do desmatamento”, ponderou o secretário de Biodiversidade e
Florestas.
Mas apesar dos incentivos estaduais e federais para criação de unidades de
conservação no Amazonas, o estado registrou um aumento de 53% na área
derrubada em relação ao mesmo período do ano passado. Para Carlos Rittl,
coordenador da campanha de clima do Greenpeace, empresários, madeireiros e
fazendeiros podem ter migrado para o Amazonas diante do aumento das ações de
fiscalização em estados onde a floresta já escasseia como Mato Grosso,
Rondônia e Pará. E, além do acréscimo de desmatamento, constatou-se um
aumento dos conflitos sociais, especialmente no sul do Amazonas. “A soja e a
pecuária já são uma realidade no Amazonas”, diz. A estratégia de se criar
unidades de conservação ali, no entanto, está correta. O que falta é
implementação, com mais recursos e pessoal.
O governo tem ainda fichas na manga para continuar o combate ao desmatamento
na Amazônia. Ainda este ano pretende criar 10 milhões de hectares de
unidades de conservação no bioma. Muitas destas áreas protegidas (cerca de 8
milhões de hectares) sairão do planejamento territorial que foi feito no
entorno da BR-319, Porto Velho-Manaus. A idéia é repetir o modelo já
aplicado na BR-163. De acordo com diretor do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (INPE), Gilberto Câmara, é possível aferir a partir das tendências
atuais que caso não se restrinja o uso da floresta nas margens da rodovia, a
região pode estar totalmente depenada em 2020.
No entanto, a aposta principal será na implementação da Lei de Gestão de
Florestas Públicas e também em outras medidas que podem mudar o perfil de
desenvolvimento da Amazônia. No primeiro caso, espera-se que o Distrito
Florestal da BR-163 seja emblemático se conseguir gerar 100 mil empregos em
atividades sustentáveis contra os 18 mil que lá existiam extraindo madeira
ilegalmente. O outro ponto, lembrado por Capobianco, será aprovar normas que
obriguem as instituições financeiras a usarem critérios ambientais no
financiamento do setor agropecuário. No Mato Grosso, por exemplo, 80% do
financiamento aos produtores vêm de bancos privados.
O governo promete divulgar a taxa de desmatamento de 2005/2006, calculada
pelo Prodes, até novembro. E segundo Capobianco, ainda esta semana, o Inpe
deve tornar público o acesso as imagens do Prodes utilizadas para calcular a
taxa de desmatamento de 2004/2005. Um passo fundamental para se auditar os
números oficiais.
(Por Carolina Elia e Gustavo Faleiros,
OEco, 05/09/2006)