O impasse gerado pela utilização de sementes transgênicas ilegais de soja no Rio Grande do Sul
esconde a proliferação de materiais genéticos proibidos no país. Neste ano-safra 2006/07,
iniciado em julho, o Ministério da Agricultura contabiliza a apreensão de pelo menos 300 mil
sacas de sementes de soja transgênica que seriam plantadas sem registro legal nos devidos
órgãos reguladores do segmento.
"Essa semente pirata é algo generalizado no país. É um material de baixa qualidade, que pode
trazer doenças e pragas, além de uma baixíssima produtividade", diz o presidente da Associação
Brasileira de Sementes e Mudas, Ywao Miyamoto.
As sementes, batizadas de "bolsa branca" por não ter identificação, foram encontradas em poder
de produtores e multiplicadores do norte do Rio Grande do Sul, do oeste do Paraná e do sul de
Mato Grosso do Sul. "O material tem entrado em carretas pelas áreas de fronteira gaúcha com a
Argentina como se fossem grãos importados. Mas é usado como semente", diz o coordenador de
Sementes e Mudas do ministério, José Neumar Francelino.
A Casa Civil da Presidência da República atua na tentativa de conciliar interesses divergentes
de produtores e sementeiros. Em três reuniões na Casa Civil, o Ministério da Agricultura
apresentou vários argumentos, legais e agronômicos, contrários à liberação do plantio da soja
ilegal. "Mas a questão não é mais técnica, é política", resume o presidente da Fetag-RS,
Ezídio Pinheiro. A Agricultura insiste que os materiais sem registro causam prejuízos
agronômicos e financeiros. No ciclo 2005/06, o Tesouro bancou R$ 455 milhões com o seguro de
safra. Em 2004/05, foram R$ 823 milhões. Além disso, ao plantar o grão ilegal os produtores
desrespeitam as leis de Sementes, de Biossegurança e de Proteção à Propriedade Intelectual.
Nos bastidores das discussões para legalizar mais uma safra de transgênicos irregulares, o
governo tenta não melindrar aliados de movimentos sociais de pequenos produtores, sobretudo no
Rio Grande do Sul. Para evitar novas apreensões e uma ampliação na fiscalização do ministério,
entraram em campo até candidatos do PT nas eleições de outubro. O ex-ministro do
Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, intermediou uma solução entre a Fetag e o ministro
da Agricultura, Luís Carlos Guedes Pinto. "O ministro Rossetto colaborou muito nisso", disse,
referindo-se ao candidato ao Senado.
Antes disso, as ações de fiscalização já haviam sido suspensas por determinação do
superintendente do Ministério da Agricultura no Estado, Francisco Signor. "Temos fiscalizado
dentro das nossas possibilidades, do nosso orçamento", afirma o diretor de Fiscalização de
Insumos Agrícolas, Álvaro Nunes Viana. "O Signor foi sensível", diz Pinheiro.
Para rebater os alertas sobre a deficiência técnica das sementes, a entidade que representa
220 mil pequenos produtores do estado argumenta: "Essa mesma semente deu a maior safra três
anos atrás. Ela resiste mais que as outras. Não pode vir com conversa fiada. Não somos bobos",
afirma Pinheiro.
Prejudicados pela invasão de materiais ilegais, os sementeiros já avisaram a Casa Civil que
acionarão o Ministério Público. "Se o Banco do Brasil financiar e o Banco Central pagar o
Proagro, o Ministério Público vai cair matando", afirma Ywao Miyamoto. "Isso abre um
precedente perigoso. É o mesmo que financiar carro contrabandeado".
(Por
Mauro Zanatta,
Valor online, 05/09/2006)