O projeto de lei que libera a importação de pneus usados para serem remoldados no Brasil não será mais votado hoje pela Comissão de Meio Ambiente do Senado, como estava previsto. Requerimento apresentado ontem pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), impossibilitou a análise do tema e obrigará a Comissão de Assuntos Econômicos a realizar audiência pública sobre o assunto.
O projeto de lei estava na pauta da Comissão de Meio Ambiente, onde teria votação com efeito terminativo. A proposta, de autoria do senador Flávio Arns (PT-PR), é controversa. De um lado, estão quase 300 empresas de reciclagem de pneus brasileiras, ávidas pela importação para continuar funcionando. De outro, os ambientalistas e as indústrias de pneus novos, preocupados com os efeitos nocivos ao meio ambiente da importação de lixo e ao aumento da concorrência com o menor preço dos remoldados e recapados em relação aos novos. Há também um embate estadual. A bancada da Bahia, onde ficam duas indústrias de pneus, é contrária ao texto. Os paranaenses, que abrigam a maior importadora do país, fazem forte lobby pela aprovação.
No meio dessa briga, Renan não queria ser responsabilizado pela aprovação do texto. Encontrou uma saída regimental para adiar a votação e empurrar o desfecho do assunto para depois das eleições. Com pedido de audiência pública na CAE apresentado no plenário, a Comissão de Meio Ambiente fica impossibilitada de votar o projeto.
O relator da proposta na Comissão de Meio Ambiente, senador Valdir Raupp (PMDB-RO), tem parecer favorável à importação. Ainda assim, vai propor a criação de um sistema nacional de coleta de pneus usados no país, seguido de um período de transição. A idéia de Raupp é manter a importação por cinco anos. Até lá, as indústrias brasileiras de pneus teriam de criar o sistema de coleta. No final do prazo, as importações seriam suspensas e as empresas recicladoras seriam abastecidas pelos pneus usados nacionais.
O presidente da Comissão de Meio Ambiente, senador Leomar Quintanilha (PCdoB-TO), é favorável à aprovação do projeto. "Os pneus europeus são melhores para remodelagem e recapagem do que os nossos, já que lá os usados são inutilizados em melhor estado do que aqui", afirmou o senador.
A concessão de liminares para a importação de pneus usados, que já chegaram a 10 milhões de unidades no ano passado, ameaça fragilizar a defesa do Brasil na disputa contra a União Européia na Organização Mundial do Comércio (OMC). Ontem foi a segunda audiência sobre esse caso, na OMC. E os juízes demonstraram que não conseguem entender como o país proíbe a importação de pneus reformados e usados ao mesmo tempo em que as liminares dadas pelo Poder Judiciário mantêm a entrada do produto usado.
Esse foi o ponto crítico na defesa do Brasil na disputa aberta pela UE contra a proibição brasileira à importação dos pneus usados e reformados. Os árbitros visivelmente não fazem a diferença entre o que o Poder Judiciário decide, referindo-se sempre a decisões do país.
As delegações do Brasil e UE ontem basicamente repetiram seus argumentos. Os brasileiros reiteraram os casos de saúde pública provocados pelos pneus usados. Um diplomata europeu foi irônico, dizendo que não conseguia entender que somente o produto europeu é que causava dengue no país e não o produto usado local.
A decisão do contencioso pode ocorrer no começo de novembro e certamente terá impacto em casos futuros envolvendo comércio e meio-ambiente na cena internacional.
(Por Thiago Vitale Jayme,
Valor Econômico, 05/09/2006 )