Mais de 2.900 quilômetros separam São Paulo, cidade mais populosa do Brasil, de Belém, capital do Pará. Exatos 726,3 quilômetros separam Belém de Belterra, município do centro-oeste paraense. Cerca de 60 quilômetros — por estrada de terra — separam o centro de Belterra de Maguary, comunidade de 56 famílias seringueiras. Mas esse local incrustado na Amazônia tem inusitados vínculos com vitrines de lojas da Itália, Inglaterra, Irlanda, França e Alemanha.
É do povoado de Maguary que saem bolsas, malas, mochilas e brinquedos de um material batizado de “couro ecológico” — feito à base de látex e algodão, imitando o couro animal. A produção é resultado do projeto também chamado Couro Ecológico, lançado em 1995 e que já ganhou apoio de instituições internacionais e do Ministério do Meio Ambiente.
Participam da iniciativa 25 famílias. Parte delas trabalha no processo de extração do látex e outra na confecção das peças — que envolve a aplicação do látex no tecido de algodão, a secagem ao sol e o acabamento final.
Em 2001, a atividade ganhou força com um financiamento da USAID (Agência Norte-americana para o Desenvolvimento Internacional), que possibilitou uma melhoria na infra-estrutura do espaço usado pelo grupo e a elaboração de um plano de negócios. Em 2004, a iniciativa passou a ser apoiada pelo ProManejo (Programa de Apoio ao Manejo Florestal na Amazônia), executado pelo Ibama, com o apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Com a nova verba, recebida até hoje, foi possível aperfeiçoar as técnicas de produção do couro ecológico, o design dos produtos e ampliar os mercados de venda.
“A atividade é uma forma de manter o seringueiro no campo. Há alguns anos, quando a borracha sofreu uma queda no preço, 70% dos seringueiros que viviam da floresta tiveram que ir para a cidade porque não tinham como sobreviver do látex”, conta o diretor de vendas do projeto, Arimar Feitosa Rodrigues, um dos coordenadores da Associação Intercomunitária de Mini e Pequenos Produtores Rurais da Margem Direita do Rio Tapajós de Piquiatuba a Revolta (Asmiprut). “O projeto melhorou muito a qualidade das famílias envolvidas. Eu nasci e me criei na comunidade e a única fonte de renda que tínhamos aqui era a agricultura familiar, era tudo muito difícil”, diz.
Uma família que sobrevive apenas dos produtos que planta, conta Rodrigues, tem uma renda de cerca de R$ 150 por mês, incluindo a ajuda dos programas de transferência de renda como o Bolsa Família. No Couro Ecológico, é possível receber de R$ 250 até R$ 600.
“Mas todas as famílias da comunidade acabam sendo beneficiadas de alguma forma. Repassamos 5% do lucro da venda dos produtos para o fundo comunitário, destinado para ajudar na compra de remédios dos que não podem pagar, por exemplo”, afirma.
O projeto recebeu menção honrosa no Prêmio ODM Brasil, que contemplou práticas que se destacaram no trabalho em prol dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio — uma série de metas socioeconômicas que os países da ONU se comprometeram a atingir até 2015.
No mês passado, ele foi apresentado na Semana Nacional pela Cidadania e Solidariedade como um modelo para ajudar o Brasil a cumprir as metas da ONU. “Isso tudo é um grande incentivo para o nosso trabalho. Ajudou a divulgar os nossos produtos. Muitas pessoas conheceram, ficaram interessadas no projeto, vieram conhecer a comunidade e acabaram contribuindo de algum jeito”, afirma o diretor de vendas.
Nesta semana, Rodrigues embarca para Bolonha (Itália) para expor os produtos em um encontro de cooperativas. Ele adianta que o objetivo é estabelecer parcerias com instituições do exterior e facilitar a venda dos produtos. “As cooperativas fazem um comércio mais justo, não superfaturam os nossos produtos. Tem uma empresa da França, por exemplo, que compra nossas bolsas a R$ 15 e vende no mercado francês a 45 euros (cerca de R$ 124). O valor chega ao consumidor final muito alto”, lamenta.
(Por Talita Bedinelli,
Agência PNUD, 04/09/2006)