A prefeitura de Socorro, pequeno município com 35 mil habitantes e localizado a 140 km da capital paulista, levou um cartão vermelho. É que o prefeito de lá planejava construir uma avenida avançando Área de Preservação Permanente (APP) adentro. O projeto intitulado Beira-Rio foi barrado pela ação rápida de ambientalistas capitaneados pela Copaíba, ONG caçula da região.
Assim que souberam da novidade os ambientalistas solicitaram ao Departamento Estadual de Proteção dos Recursos Naturais (DEPRN) detalhamento do projeto com cópia para a prefeitura.
Do órgão ambiental não obtiveram resposta, mas foram chamados pelo prefeito José Mario de Faria (PSDB) para esclarecimentos. “Fomos muito mal recebidos por ele”, lamenta Tiago Sartori, diretor-executivo da ONG. Na ocasião o político apresentou o projeto que já estava em processo de licitação e uma autorização do DEPRN. “Vou continuar a avenida a ferro e a fogo”, bradou Faria para espanto dos presentes à reunião.
A obra prevê a construção de uma avenida de mão dupla com 1,5 quilômetro acompanhando o Rio do Peixe, que serve a cerca de 150 mil habitantes de três cidades ocupando cerca de 20 mil metros quadrados dentro da APP. “Embora seja uma via que não leve a lugar algum não somos contra a avenida, apenas achamos que ela poderia ser construída fora da APP”, explica Sartori.
Como não houve acordo, a Copaíba, em conjunto com a Rede de ONGs da Mata Atlântica (RMA), procurou o Ministério Público Estadual para entrar com uma ação Civil Pública contra o empreendimento. Depois disto houve uma audiência pública solicitada pela prefeitura para alterar a legislação municipal e diminuir de 50 metros para 15 metros de área de preservação. “Sendo que a legislação federal fala em 30 metros”, ressalta.
A prefeitura lotou o auditório da cidade com funcionários públicos na intenção clara de aprovar sua solicitação. Mesmo assim, de nada adiantou porque o povo acabou votando a favor da mudança, porém, contrário à construção da avenida.
Não bastasse essa pequena derrota, que enfureceu o prefeito, um professor de biologia da rede pública estadual, amigo dos ambientalistas, deu aos seus alunos como atividade um questionário com quatro questões sobre APPs.
Claro que a maioria não sabia nada do que se tratava. A Copaíba então, colocou à disposição no xerox da cidade um material farto sobre o tema. “A resposta foi imediata, pois no mesmo dia alguns alunos já entraram em contato conosco em busca de material e no decorrer dos debates surgiu a questão sobre a construção da avenida onde os alunos apoiaram totalmente a atitude da ONG”, recorda Sartori.
“O projeto surgiu da necessidade de sensibilizar alunos de 8ª série ao 3º colegial da rede pública de ensino sobre questões ambientais, principalmente sobre APPs que encontramos em nossa região”, relembra o professor João Gabriel Tannus Giacometti.
Outra professora, de Português, entrou na onda. Pediu aos alunos uma redação sobre o assunto. E a coisa se espalhou por outra escola da cidade. Embora não fosse uma ação direta contra a avenida, ajudou a esclarecer a população sobre a necessidade de barrar o projeto. “Quando os alunos liam nos jornais da cidade que éramos contra o empreendimento, logo ligavam à questão das APPs”, comemora o ambientalista.
Prefeitura rebate acusações
Foi a primeira vez que uma ONG bateu de frente contra a prefeitura da cidade na questão ambiental. “Conseguimos alçar o tema à mídia e as escolas, foi uma bela vitória”, ressalta Gerson Silveira, biólogo e presidente da Copaíba.
Por sua vez, a prefeitura afirma, que há sim o devido licenciamento, com autorização especial, amparada por uma resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) de número 237/97 e por decreto estadual 49.566/05. “A licença está condicionada a um termo de compromisso, que prevê a recuperação da área com o plantio de 4.330 mudas nativas”, argumenta Faria.
O que há, segundo ele, é um “total desconhecimento de causa pelos interlocutores ambientais já que existe um projeto de recuperação que reverterá em total preservação da área apontada, com garantia de que não será indevidamente ocupada ou invadida, pela urbanização racional que se propõe, dentro de um critério de desenvolvimento sustentável do município”.
Faria, conhecido como falastrão e piadista, não desistiu e chamou a turma para tentar um novo acordo. Propôs a continuidade do projeto original em troca de uma bela compensação ambiental em outro ponto da cidade. Claro que a Copaíba, que a essa altura já contava com o apoio de mais outras quatro ONGs da região, não topou. “Fomos contra por que a APP é inegociável”, diz Silveira.
Com a negativa, a coisa esquentou de vez e sobraram ameaças pra todos os lados. Faria é um tipo folclórico de prefeito. Daqueles que gostam de gritar e xingar seus funcionários publicamente. Está em seu segundo mandato, foi vereador, ex-funcionário da Fundação Florestal, aviador e segundo suas próprias palavras, bebedor de pinga dos bons. “O prefeito começou a nos tentar intimidar através de ameaças as empresas de nossos integrantes”, lembra Sartori.
Agora, a Copaíba espera que a Promotoria entre com a Ação Civil Pública para embargar de vez o empreendimento e ainda articula com outras quatro ONGs de três cidades vizinhas junto ao Departamento Estadual de Recursos Naturais (DPRN) que os novos processos levem em consideração a Legislação Ambiental vigente.
Por Carlos Matsubara. Publicado originalmente na Revista Rede Pela Mata, da
Rede de ONGs da Mata Atlântica- RMA
, 05/09/2006)