Cruzada binacional em favor do pântano: abertura de usina pelos EUA significará menos água para o local
2006-09-05
Com 20 mil hectares de um verde brilhante no mar de areia do Estado de Sonora, o pântano de Santa Clara é um dos ecossistemas costeiros mais ricos do México. Diante da abertura iminente de uma unidade dessalinizadora nos Estados Unidos, uma equipe binacional trabalha a toque de caixa para protegê-lo. A atual seca no sudoeste norte-americano levou o governo de George W. Bush a financiar a plena operação da largamente inutilizada usina de Yuma, no Estado do Arizona.
A entrada em operação da unidade, no delta do fronteiriço Rio Colorado, “significará menos água para o pântano e que a água será muito mais salgada”, disse Karl Flessa, professor de Geociências na Universidade do Arizona. “Isso eliminaria completamente o pântano”, disse Jaqueline García Hernández, cientista do Centro de Pesquisa em Alimentação e Desenvolvimento em Guaymas, México, que lidera o esforço científico conjunto para controlar os impactos que a usina causará.
O pântano de Santa Clara concentra cerca de 225 espécies de aves, entre elas o palmeador de Yuma (Rallus longirostris yumanensis) e o papa-moscas do sudoeste (Empidonax traillii extimus), que são exóticos nos Estados Unidos. Também é uma importante escala para as aves que migram seguindo a rota do Pacífico, e ainda fornece hábitat e alimentação para aproximadamente 200 mil pássaros costeiros, patos e gansos. O pântano foi gerado acidentalmente. Há cem anos, o delta do Rio Colorado incluía, pelo menos, um milhão de hectares acima do Golfo da Califórnia.
Represas e extração de água, principalmente nos Estados Unidos, fizerem com que hoje chegue ao Golfo apenas um fio de água. E isso somente durante os anos úmidos, o último dos quais foi 1997. O exuberante delta se converteu em pouco mais que uma superfície salgada, até a construção de um canal de drenagem de 56 quilômetros em 1977, para transportar águas residuais salobras de origem agrícola dos campos irrigados do Arizona. Estas águas são muito salgadas para cumprir a obrigação dos Estados Unidos de fornecer água do Rio Colorado para o México, tal como estipula o Tratado da Água entre os dois países (1944).
Embora sejam inadequadas para cultivos, começaram a crescer totoras (Typhaceae) e outras plantas típicas dos pântanos, enquanto 120 bilhões de litros de águas residuais alimentavam os solos anualmente. Assim, uma pequena parte do delta renasceu. “Embora a água já não seja do rio, o pântano se manteve relativamente saudável nos últimos 30 anos”, disse Hernández. Reconhecendo a importância da área, em junho de 1993 o governo federal do México incluiu o pântano na Reserva da Biosfera Alto Golfo da Califórnia e Delta do Rio Colorado, de 162 mil hectares.
O delta também foi nomeado parte da Rede Hemisférica de Reservas para Aves Costeiras, e agora Reserva de Biosfera da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Porém, preocupantes níveis de selênio foram encontrados em alguns pássaros e peixes locais. A usina de Yuma, de US$ 250 milhões (embora alguns falem em US$ 400 milhões) pode piorar as coisas. O governo começou a construí-la nos anos 70 para dessalinizar a água que agora alimenta o pântano de Santa Clara, a fim de limpá-la para cumprir as obrigações estabelecidas no tratado.
Por outro lado, o baixo fluxo de águas residuais da usina de Yuma, extremamente salobras, foi parar no pântano. E em 1992, quando a usina foi concluída, correntes altas do Rio Colorado foram suficientes para proporcionar a água de baixa salinidade que os Estados Unidos devem fornecer a estabelecimentos rurais e cidades do México. Os altos custos operacionais mantiveram fechada a que então era a maior usina mundial de dessalinização. Agora, a seca prolongada e as sedentas cidades do sudoeste fizeram renascer o plano.
Organizações ambientalistas se opuseram durante muito tempo. Assim, foi surpreendente o pedido que receberam para trabalharem com agências do governo e com a indústria agrícola para encontrar maneiras de atender as necessidades dos consumidores de água norte-americanos e mexicanos sem prejudicar o pântano. Dessa forma surgiu o YDO/Pântano Workgroup, que exigiu um programa de controle científico para o pântano, agora liderado por Hernández. Além disso, a unidade de Yuma vai operar com apenas 10% de sua capacidade, durante três meses nesta primavera no hemisfério norte, enquanto Hernández e seus colegas do México e dos Estados Unidos medem os impactos.
“Isto marca o início do fim de uma das mais amargas guerras da água no baixo Colorado”, disse Jennifer Pitt, da organização não-governamental Environmental Defense (Defesa Ambiental), que participou do Workgroup. “É um primeiro passo crítico, em um esforço binacional de longa data, para avaliar sistematicamente como a variação da quantidade e qualidade da água afeta os ecossistemas do delta”, disse Flessa. “Espero que isto seja um exemplo de como podem ser restaurados outros ecossistemas no delta”, afirmou Hernández. “E, além do mais, as espécies não reconhecem fronteiras”.
(Por Stephen Leahy, Terramérica, 04/09/2006)
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