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2006-09-04
De nada serviu a oposição de anos por parte de organizações civis e ecologistas. Na quinta-feira começou a funcionar no Chile uma nova fábrica da empresa Celulose Arauco e Constitución (Celco), famosa pelo desastre ecológico causado em um mangue por outra fábrica sua de polpa de papel. “No Chile continuam primando as decisões políticas sobre as indicações técnicas, ambientais e sociais. Estamos diante de uma ditadura dos investimentos e do poder dos grandes conglomerados econômicos, com cumplicidade do governo”, disse à IPS Lucio Cuenca, diretor do Observatório Latino-Americano de Conflitos Ambientais (Olca).

De acordo com o ecologista, isto explica a entrada em funcionamento da nova unidade da empresa chilena, que já possui outras três deste tipo no sul do país, criticadas por causa de problemas ambientais e de saúde que provocam. A fábrica faz parte do Complexo Florestal e Industrial Nova Aldeia, localizado no vale de Itata, na oitava região do Bío-Bío, cerca de 400 quilômetros ao sul de Santiago, e é a maior já construída no Chile, com capacidade de produzir 858 mil toneladas de celulose branqueada por ano.

A fábrica que a Celco possui mais ao sul, em Valdivia, décima região de Los Lagos, ainda está no centro da polêmica em razão do desastre que provocou no mangue do Rio Cruces, onde morreram centenas de cisnes de pescoço preto devido aos resíduos líquidos industriais (riles) despejados pela empresa. O Complexo Florestal e Industrial Nova Aldeia consta de quatro fábricas com investimento de US$ 1,4 bilhão. As três primeiras entraram em funcionamento no final de 2004. a fábrica de celulose inaugurada na quinta-feira utilizará como matéria-prima madeira de pinheiros e eucaliptos, e a totalidade de sua produção será exportada. A empresa informou que atingirá sua capacidade máxima dentro de nove meses.

Segundo Cuenca, a história desta unidade é longa e cheia de irregularidades. A companhia apresentou seu primeiro estudo de impacto ambiental em 1996, que foi rejeitado em 2000 pela Comissão Regional do Meio Ambiente (Corema) da oitava região. Mas, a companhia recorreu e o projeto acabou aprovado durante o governo do ex-presidente Ricardo Lagos (2000-2006). Há dois anos, quando a fábrica estava em construção, cidadãos denunciaram que sua capacidade ia além da avaliada pela autoridade ambiental. “A empresa havia apresentado uma produção de 550 mil toneladas anuais e estava construindo uma unidade para produzir 900 mil toneladas, o que motivou a paralisação das obras”, explicou o diretor de Olca. Mas a Celco elaborou novo estudo de impacto ambiental, que foi aceito, o que implicou a retomada das obras.

Com relação ao ponto mais conflitante, a Corema autorizou a empresa a despejar seus dejetos no Rio Itata, que abastece mais de 40 mil camponeses, com o compromisso de construir uma tubulação mar adentro para esses resíduos no futuro. Segundo a companhia, esta estaria pronta apenas no final de 2007. Cidadãos e ambientalistas se manifestaram contra a fábrica e por despejar dejetos tanto no rio quanto no mar, pedindo inúmeras vezes ao governo que não desse sua autorização. Inclusive, um colegiado de médicos da região divulgou uma nota chamando a atenção para os perigos que a unidade representava para a saúde da população.

“Quero ver se a presidente (Michelle Bachelet), ou qualquer outro representante da administração pública, falará novamente em governo cidadão, depois de tomar uma decisão pelas costas da população e que certamente vai contra os desejos daqueles que terão de conviver com esta fábrica daqui em diante”, afirmou na quinta-feira Marcel Claude, diretor-executivo da organização não-governamental Oceana. Além disso, o presidente do não-governamental Instituto de Ecologia Política (Iepe), Manuel Baquedano, disse à IPS que “a inauguração desta nova fábrica de celulose certamente é uma boa notícia do ponto de vista macroeconômico”, mas não se pode dizer o mesmo do ponto de vista ambiental.

Em julho, essa organização divulgou o estudo “Informe sobre fábricas de celulose livres de cloro: uma meta razoável para o Chile”, o qual sugere que “esta indústria tem de avançar para uma reforma ou transição tecnológica que evite que seus processos industriais gerem graves impactos na saúde das pessoas e nos ecossistemas”. Baquedano assegura que essa mudança não implica abandonar as fábricas atuais. “É necessário apenas investir em nova tecnologia para modificar o processo de produção”. A melhor tecnologia disponível se encontra atualmente na Europa e nos Estados Unidos, onde se utiliza a técnica de branqueamento de celulose totalmente livre de cloro (TCF, sigla em inglês) de ciclo fechado, ou seja, com reutilização da água, segundo Baquedano.

O uso de cloro no branqueamento da celulose é um dos aspectos mais contaminantes desta indústria, pois gera resíduos organoclorados, de grande toxidade para a saúde humana, muito persistente na natureza e com capacidade de acumular-se em determinados tecidos gordurosos de animais e de pessoas. A maior parte da indústria no mundo abandonou o cloro puro, adotado na técnica de livre de cloro elemental (ECF), que, entretanto, utiliza dióxido de cloro. Tanto a fábrica de Valdivia quanto a de Nova Aldeia operam com ECF.

Em Valdivia, a situação não melhorou. Como conseqüência dos danos no mangue do Rio Cruces, em meados do ano passado a Corema de Los Lagos exigiu da empresa um projeto alternativo de retirada de riles. A Celco assumiu imediatamente que isto significava jogar seus dejetos no mar, e por essa razão iniciou estudos sobre a caleta de pescadores artesanais de Mehuín, onde vivem 1,7 mil pessoas, que protestaram contra o projeto. Há um mês, moradores de Mehuín denunciaram que um navio da Marinha encarregado da custódia da embarcação que faria os estudos da empresa os repeliu a tiros por atrapalhar os trabalhos, o que causou grande comoção pública. Agora, os pescadores vigiam dia e noite a zona onde a Celco pretende construir a tubulação.

A empresa tem prazo até abril de 2007 para apresentar o respectivo estudo de impacto ambiental, mas já anunciou que haverá atraso devido à oposição dos pescadores. Enquanto isso, os dejetos continuam sendo jogados no Rio Cruces. “Os pescadores de Mehuín têm toda a razão de se oporem às explorações da Celco se considerarmos a débil legislação ambiental chilena”, afirmou Baquedano. “Os pescadores se perguntam: se a fábrica contaminou um mangue e matou centenas de cisnes de pescoço negro, por que não contaminará o mar onde trabalhamos?”, acrescentou. O diretor do Iepe também criticou a norma ambiental de alguns países da América Latina que permite a instalação de fábricas de celulose nacionais e estrangeiras com sistemas de produção contaminantes.

De acordo com um estudo publicado quarta-feira pela organização Greenpeace em Buenos Aires, atualmente no mundo são destinados 13 milhões de hectares de plantações para a produção de celulose, e 80% desta superfície fica na América do Sul e na Ásia. Segundo dados da Celco, em sua fase de construção o Complexo Florestal e Industrial de Nova Aldeia deu trabalho, em média, a 3,3 mil pessoas, atingindo um pico de 6,2 mil, enquanto o funcionamento das fábricas representará mais 2,4 mil empregos diretos e indiretos. Nos últimos meses, a empresa realizou uma série de ações de apoio à comunidade, como entrega de terra a pequenos agricultores, doação de mudas de eucalipto e quilaia para reflorestar terrenos cultivados e contribuições ao corpo de bombeiros e a famílias afetadas pelos últimos temporais.
(Por Daniela Estrada, Envolverde, 01/09/2006)
http://www.envolverde.com.br/materia.php?cod=22130

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