Greenpeace Cone Sul alerta: pressão devastadora do papel vai aumentar ainda mais na América Latina
2006-09-01
Um informe da organização ecologista Greenpeace Cone Sul afirma que a crescente demanda de papel no mundo desenvolvido exerce uma pressão devastadora sobre os recursos naturais de um grupo de países sul-americanos. A situação do mercado global de papel e a expansão da produção de celulose para Brasil, Argentina, Chile e Uruguai são analisadas na primeira das três partes da pesquisa apresentada nesta quarta-feira (30/08) em Buenos Aires e intitulada “A escalada da celulose na região: indústria suja ou produção limpa”.
“Nas próximas décadas haverá uma importante pressão para ampliar as zonas de plantação – de árvores – e instalação de fábricas de polpa de celulose em grande escala na América do Sul”, afirma o Greenpeace, que considera esta indústria “voraz e devastadora dos recursos naturais” em sua forma atual de produção. A elaboração de matéria-prima para papel requer grandes quantidades de água, energia e terras para estender o monocultivo de árvores de crescimento rápido, acrescenta a organização. Essa indústria – prossegue - “pressiona sobre áreas de florestas nativas” e descarrega grandes volumes de elementos contaminantes no meio ambiente.
Uma fábrica que produz 300 mil toneladas de pasta de celulose necessita de 50 mil hectares de monocultivos de árvores, segundo o Greenpeace. Mas os projetos para a região prevêem volumes de um milhão ou mais de toneladas ao ano. Atualmente, no mundo são destinados 13 milhões de hectares de plantação à produção de celulose, e 80% dessa área fica na América do Sul e na Ásia. O estudo comenta as condições em que atualmente operam as fábricas de celulose na Argentina e no Uruguai, dois países que mantêm uma controvérsia pela instalação de duas unidades na cidade uruguaia de Fray Bentos, à margem de um rio compartilhado pelas duas nações.
Uma das fábricas, pertencente à corporação finlandesa Botnia, produzirá um milhão de toneladas por ano, e a outra, da espanhola Ence, 500 mil toneladas. Segundo o Greenpeace, o aumento da demanda do mercado de papel exige a instalação de duas novas fábricas como a da Botnia por ano. “Estamos em um momento-chave para que Argentina e Uruguai definam critérios rígidos no desenvolvimento desta indústria a fim de superar o passivo ambiental que muitas fábricas representam e evitar uma expansão industrial descontrolada”, diz o informe.
O Greenpeace insiste em uma proposta que já havia apresentado: criação de um plano de produção limpa nestes dois países que inclua eliminar o cloro no branqueamento da celulose, bem como os efluentes no ar e na água; maior uso de papel reciclado; exploração sustentável das florestas e participação das comunidades nas decisões sobre instalação das fábricas. Segundo a organização, não se trata de rejeitar investimentos, mas de exigir menor escala e formas de produção sustentável. Juan Carlos Villalonga, autor do documento e diretor de Política do Greenpeace, disse à IPS que, “diante de um bombardeio dever haver limites, condições e pautas claras para evitar um desastre, e atualmente não vemos isso na região”.
De acordo com o informe, o consumo mundial de papel passou de 300 milhões de toneladas para 366 milhões entre 2000 e 2005, e estima-se que chegará a 566 milhões em 2020. Para atender essa demanda, centrada na América do Norte, Europa, Japão e agora também na China, será preciso expandir a indústria da matéria-prima. Por sua vez, a demanda de celulose branqueada quimicamente crescerá de 45 milhões de toneladas para 74 milhões em 2020. “Esse dado é o que dá a idéia da pressão devastadora que será exercida sobre a América do Sul”, alerta o estudo.
Tradicionalmente, os grandes consumidores eram os grandes produtores de celulose e papel, mas nos últimos 15 anos começou um processo de divisão entre consumidores e fábricas de papel localizadas no Norte e fornecedores de celulose no Sul, diz o Greenpeace.
Em 2005, quando a produção mundial de polpa foi de 192 milhões de toneladas, 40% da produção era da América do Norte, 29% da Europa, 22% da Ásia e 9% da América Latina. Nessa divisão a América do Sul emerge como atraente região para a expansão da atividade por causa de suas condições climáticas (próprias para plantação de árvores de crescimento rápido), do baixo custo da mão-de-obra, dos estímulos governamentais ao investimento e “normas ambientais menos exigentes”, diz o informe.
Segundo o documento, o presidente do grupo sueco-finlandês Stora Enso para a América Latina, Nils Grafstrom afirmou que “os melhores lugares atualmente para produção de celulose estão no sul do Brasil e no Uruguai”. O empresário admitiu que o custo da madeira nestes países – mais Argentina e Chile – constitui a metade do registrado no norte europeu. “A América do Sul é hoje uma das regiões preferidas por empresas multinacionais para o desenvolvimento de grandes planos de plantações, instalação de novas fábricas de celulose e expansão da capacidade das unidades já existentes”, resume o trabalho do Greenpeace.
Essas fábricas são concebidas em uma escala muito maior do que as construídas na Europa, onde, em média, a produção é de 210 mil toneladas. O Greenpeace diz que a grande produção “reduz custos, mas aumenta os riscos. Uma produção em menor escala permitiria níveis inferiores de contaminação e riscos”, acrescenta. O documento indica que a América Latina não é um ator relevante no consumo de papel. Em 1990, a região absorvia 5% da demanda global e no ano passado cresceu apenas 6%. Entretanto, em matéria de produção de celulose para exportação o aumento de sua participação é notável.
Se em 2005 a América Latina cobriu 9% do total da produção de polpa e 18% da polpa de mercado (destinada à exportação), em 2010 passará a produzir 25% da celulose dirigida ao mercado internacional. De fato, em um total de 14,6 milhões de toneladas de polpa que a região produzirá em quatro anos, apenas 1,2 milhão serão para seu mercado doméstico. Por tudo isso, o Greenpeace afirma que “se não se conseguir estabilizar e tornar eqüitativo o consumo global de papel, não será possível evitar uma expansão destrutiva para o meio ambiente e para muitas comunidades do planeta”.
(Por Marcela Valente, agências IPS/Envolverde, 31/08/2006)
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