Chega hoje ao Ibama, pela quarta vez em 15 meses, o Estudo de Impacto Ambiental do megaprojeto das usinas hidrelétricas do Rio Madeira. Trata-se, na verdade, do detalhamento do que pode ser o último ponto de dúvida do EIA-Rima do chamado "Projeto Madeira", assinado pela estatal de energia Furnas e pela construtora Odebrecht, antes da rodada de realização das audiências públicas.
O único item pendente pode estar sanado em uma semana, depois da análise da equipe técnica do Ibama. Se o órgão ambiental der "ok" a este ponto, que versa sobre o fato de o Madeira ser um dos maiores corredores de biodiversidade da Amazônia, o EIA-Rima é aprovado em seu mérito, torna-se aberto a consulta pública e o cronograma passa a contemplar as audiências públicas.
As audiências devem ocorrer em outubro, em Porto Velho e outras comunidades da área de influência do projeto de R$ 20 bilhões, que prevê a construção de duas hidrelétricas no Rio Madeira - Jirau e Santo Antônio -, uma na Bolívia e outra, binacional, no Rio Mamoré. O EIA-Rima, evidentemente, contempla apenas as duas usinas brasileiras. Só então será expedida a licença prévia, o que pode ocorrer até o fim deste ano.
O périplo deste EIA-Rima começou em maio do ano passado, quando os estudos foram entregues ao Ibama. Em fevereiro, o órgão solicitou complementações a Furnas - eram 29 pontos que exigiam maior detalhamento. Em abril, a empresa entregou o que ficou conhecido como "Tomo E", com as respostas solicitadas. O Ibama estudou o caso e pediu mais esclarecimentos em julho. Furnas devolveu tudo em agosto e ficou uma última pendência, um estudo mais minucioso sobre a diversidade dos peixes levando em conta o regimes de seca e cheia do rio.
Os estudos indicam que 470 espécies de peixes vivem por ali. O Ibama queria saber o impacto dos reservatórios na fauna. Outro ponto discutido pelo Ibama foi a contaminação por mercúrio, uma herança sinistra dos garimpos da região. O metal tende a se depositar no fundo dos reservatórios, chegar aos peixes e às populações ribeirinhas. O Ibama pedia que se estabelecesse um monitoramento - quando os níveis de mercúrio aumentarem pode-se avisar a população para não pescar na área.
Outra questão é que tanto Jirau quanto Santo Antônio foram planejadas para aproveitar a grande vazão do Madeira, nos chamados reservatórios a fio d´água. "O projeto tem uma das melhores relações entre área alagada e geração de energia", diz Luiz Felippe Kunz, diretor de licenciamento ambiental do Ibama. O problema é o fato de o Madeira ser o rio da Amazônia que, por natureza, mais carrega sedimentos. O Ibama queria conhecer o efeito deste volume de sedimentos na vida útil dos reservatórios e no aumento da área alagada - na hidrelétrica de Jirau poderia haver o risco de inundar terras bolivianas. Os empreendedores modificaram algumas regras operacionais da usina de Jirau para evitar o problema. "Meio ambiente não é uma ciência exata. Cabe um mundo de interpretações em cada ponto", diz Norma Villela, superintendente de gestão ambiental de Furnas. "Mas atendemos 99,9% do que nos foi pedido", diz ela.
O projeto das usinas do Madeira é tão ambicioso quanto polêmico. É, na verdade, o embrião de uma hidrovia na região. "Mas não analisamos a hidrovia, só as usinas", adianta Kunz.
Os ambientalistas olham o empreendimento com reserva, o que pode dar tempero às audiências públicas. "Todo este processo de licenciamento tem um problema de foco. Não está claro do que se está falando", diz Roberto Smeraldi, diretor da Amigos da Terra, ONG filiada à International Friends of the Earth. "Estamos falando de uma hidrovia e não apenas de duas hidrelétricas", continua. "A discussão não pode ser apenas sobre a desova da tartaruga no reservatório, por mais importante que isso seja", diz ele. "Aqui está se discutindo o destino de uma parte importante da Amazônia Ocidental."
(Por Daniela Chiaretti,
Valor Econômico, 31/08/2006)