Nas aldeias do Amazonas, os estudantes brasileiros descobrem o desenvolvimento sustentável
2006-08-31
Voluntários do projeto sócio-educativo Rondon, centenas de universitários brasileiros passam suas férias de verão ou de inverno na Amazônia. Enquadrados por professores, esses estudantes espalham-se pela região com o objetivo de transmitir um pouco do seu saber às populações desfavorecidas dos oito Estados da Amazônia brasileira.
Um estudante em geografia e meio-ambiente, Guilherme Dantas percorre para cima e para baixo a aldeia de Caapiranga, uma das mais isoladas do Estado do Amazonas, a oito horas de navegação de Manaus. O jovem rapaz anota, nos seus apontamentos, que nenhum dos 5.000 habitantes tem a sua casa conectada a um esgoto, enquanto as águas usadas são diretamente despejadas no igarapé (pequeno afluente do rio) que banha os pilotis das casas de madeira.
As águas usadas e o lixo doméstico causam um problema terrível. Com a ajuda de cinco colegas, Guilherme reúne os habitantes para ensinar-lhes os procedimentos de higiene. Eles também lhes ensinam a produzir um composto de dejetos orgânicos para pequenas hortaliças, e a organizar um depósito adequado para o resto, longe da água.
Nas ruazinhas de Caapiranga, o lixo faz a alegria dos urubus, essas aves de rapina pretas mais numerosas do que as galinhas, que, no céu amazônico, reinam absolutos. "Esses são os animais domésticos da região", lamenta o estudante.
A água utilizada pelos moradores da área é um terrível vetor de doenças, uma vez que ela não é tratada.
Enquanto ele fica limpando seu peixe no quintal da sua casa, a alguns centímetros de um córrego por onde passam os dejetos dos toaletes, José da Silva conta que a sua mulher morreu "de uma infecção que veio da água". Os estudantes em medicina não se cansam de mostrar para todos a sua lista de doenças que passam pela hepatite A, as diarréias e pela malária - 500.000 casos em 2005 na Amazônia. "Trata-se de um retorno repentino e brutal à época dessas doenças que se tornaram raras no sul do país", explica a sua professora, Sandra Pilon.
A região carece de pessoas diplomadas, e principalmente de médicos. Com os seus 80.000 habitantes, o município de Coari procura pediatras e radiologistas. Os estudantes do projeto Rondon esperam, no espaço de vinte dias, formar agentes de saúde capazes de sensibilizar a população para a higiene e a prevenção.
Célia Rossi é uma freqüentadora de longa data da Amazônia, que participou como estudante do primeiro projeto Rondon, implantado na época da ditadura militar (1964-1985). Uma doutora em psicologia, ela estava na aldeia de Jordão (AC), em 2005, para informar aos adolescentes a respeito das doenças sexualmente transmissíveis, dos preservativos e das gravidezes precoces, por meio de animações teatrais. O seu grupo teve de reorientar o seu trabalho no sentido da valorização do corpo, após ter descoberto que os jovens amazonenses, ainda que dotados de um físico ainda saudável, tentavam obter
saliências musculosas, "vistas na televisão", por meio de anabolizantes para animais.
Concebido pelos militares
Todos os "rondonistas" mostram-se preocupados com o "depois", quando a sua estada já estiver concluída. Desde a sua chegada, eles vêm discutindo com "formadores de opinião" - quer um diretor de escola, um padre ou pastor, o prefeito - sobre modalidades que permitam dar continuidade às atividades a partir de um acompanhamento à distância, mesmo sem a Internet. A maior parte dos voluntários descobre o longínquo norte do Brasil pela primeira vez. Fascinados, eles sobrevoaram durante horas a selva. "Uma região onde os seus irmãos, que vocês ainda não conhecem, também falam o português", lembrou-lhes o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no dia da sua partida para Brasília.
Em Manaus, os militares do batalhão de infantaria da selva os iniciaram às riquezas e às armadilhas do sobosque: como construir um abrigo contra a chuva, fazer uma fogueira, evitar as serpentes e reconhecer as árvores e as suas bagas. A despeito de um antigo estribilho brasileiro, "A Amazônia é nossa", as frutas da região - o cupuaçu, o sapoti ou o tucumã - e as das palmeiras - a pupunha ou o bacuri - não são vendidas nos mercados do sul do Brasil. Os produtos da Amazônia enfrentam dificuldades para serem escoadas pelo país afora. A economia é muito pouco solidária.
O Estado do Amazonas encontrou uma abertura de mercado para um dos peixes do rio, o pirarucu, um espécie de bacalhau de água doce. "Das 500 toneladas que foram pescadas, 10% são comercializadas por um grupo nacional de supermercados", explica Carlos Bueno, na secretaria do meio-ambiente e do desenvolvimento sustentável.
Além de cultivar os intercâmbios sócio-educativos, o projeto Rondon visa também a iniciar os jovens brasileiros à Amazônia. O programa tem o nome do marechal Cândido Rondon (1865-1956), o criador do serviço de proteção dos índios, cujo lema era: "Morrer talvez, matar jamais". "Uma viagem pode provocar para sempre uma mudança de percepção", considera Jackson Rego, um engenheiro do Instituto Nacional de Pesquisas Amazônicas (INPA). "O Brasil inteiro precisa se mobilizar para criar um modelo de meio-ambiente sustentável na Amazônia".
O ministério da Defesa planejou o projeto Rondon até 2010, ano este em que todas as comunidades que vivem nas ribanceiras do rio deverão ter recebido ajuda e diagnósticos.
Concebido pelos militares, que tinham em vista uma ocupação estratégica da Amazônia, o projeto Rondon retoma o slogan do programa de 1967: "Ocupar para não abandonar". O Brasil andou denunciando periodicamente ameaças de "internacionalização" da bacia amazônica.
O general Gilberto Arantes, encarregado da logística fornecida pelas forças armadas, estima que o projeto Rondon é geopolítico. "Os nossos 25.000 homens, que estão estacionados na selva numa área fronteiriça de 17.000 quilômetros de extensão, garantem a defesa da integridade do território", afirma. "Mas são os rondonistas, futuras elites do país, que cuidarão do desenvolvimento e da preservação das riquezas da Amazônia".
(Por Annie Gasnier, tradução de Jean-Yves de Neufville, UOL Notícias, 30/08/2006)
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/lemonde/2006/08/30/ult580u2120.jhtm