Organização das Nações Unidas quer “Petrocentavos” para o desenvolvimento de países pobres
2006-08-29
A Organização das Nações Unidas vai apelar aos grandes exportadores de petróleo para que ajudem os 50 países mais pobres a atenderem suas necessidades mais urgentes. O subsecretário-geral da ONU e alto representante para os Países Menos Desenvolvidos, Anwarul Karim Chowdhury, propôs às nações petrolíferas que nos próximos dez anos destinem US$ 0,10 por barril vendido ao desenvolvimento da infra-estrutura do mundo pobre. “Isso é parte de nossas gestões para garantir novas fontes de financiamento para o desenvolvimento”, afirmou Chowdhury à IPS. Para implementar a proposta, acrescentou, “precisamos da vontade expressa dos produtores e das empresas diretamente envolvidas na produção de petróleo”.
“Se importantes organizações, como as fundações de Bill e Melinda Gates, Ted Turner e George Soros, se concentraram nos últimos anos nos países mais necessitados, por que não podem fazer o mesmo os produtores de petróleo, cujos lucros se multiplicaram tanto?”, perguntou Chowdhury. Os 50 países menos desenvolvidos, de acordo com a caracterização da ONU, são considerados os mais pobres entre os pobres e incluem 34 africanos. A renda com petróleo é fonte das maciças reservas de divisas em países como Arábia Saudita, Kuwait, Qatar e Irã. As Nações Unidas acredita que o lucro líquido com exportação renda, somente no Oriente Médio, US$ 400 bilhões este ano, contra US$ 307 bilhões no ano passado.
O cálculo se baseia em um preço médio de US$ 57 por barril de 159 litros de petróleo, segundo estudo da ONU divulgado em abril. Mas desde então, o preço saltou para US$ 70, o triplo de 2001. Se os 17 maiores produtores do mundo – entre os quais Argélia, Canadá, Venezuela, China, Noruega, México, Indonésia e Estados Unidos – reservassem US$ 0,10 por barril para os países menos desenvolvidos, seria possível destinar-lhes US$ 17,6 milhões por mês, segundo cálculo do escritório de Chowdhury. O subsecretário disse à IPS que já existe um precedente “de destaque” estabelecido pela Organização de Países Exportadores de Petróleo (Opep) em meados dos anos 80.
Nessa época criaram o ainda existente Fundo Comum para as Matérias-primas em benefício dos países mais pobres, com sede em Amsterdã, recordou Chowdhury. “Os Países Menos Desenvolvidos têm muitos projetos de infra-estrutura sem fundos ou subfinanciados que poderiam ser apoiados com fundos novos, quando disponíveis”, acrescentou. Chowdhury, que fez a proposta formal em recente reunião do Conselho Econômico e Social da ONU (Ecosoc), em Genebra, espera uma reação positiva dos produtores de petróleo. Porém, até agora, não há compromissos firmes a respeito. Um diplomata árabe disse à IPS que o Qatar, um país rico em reservas de petróleo e gás, criou no ano passado um fundo especial para ajudar os 132 membros do Grupo dos 77 países em desenvolvimento, entre os quais estão os 50 menos desenvolvidos. “Porém, a maioria das nações do Oriente Médio produtoras de petróleo atualmente estão preocupadas ajudando na reconstrução do Líbano, devastado pela guerra”, acrescentou.
Arun Karki, presidente da organicação LDC Watch, com sede no Nepal, disse à IPS que apóia fortemente a proposta de Chowdhury. “Isto ajudará a arrecadar um fundo especial sem afetar nenhum outro destinado ao desenvolvimento”. Karki também afirmou que deveria haver outras “fontes inovadoras de financiamento” para ajudar os Países Menos Desenvolvidos. “Um bom exemplo é o atual imposto sobre passagens aéreas”, lembrou. Bill Fletcher Jr., professor-visitante no Brooklyn College, da Universidade de Nova York, e ex-presidente do Fórum TransAfrica, disse à IPS que a crise petrolífera dos anos 70 devastou muitos países não-produtores em todo o Sul em desenvolvimento, incluídos alguns que se solidarizaram com o embargo ao petróleo árabe de 1973.
“Esta devastação teve um impacto duradouro nas condições de vida do Sul global. Portanto, hoje é certo pedir aos países produtores que separem uma determinada porcentagem da renda com petróleo para ajudar o desenvolvimento no Sul”, acrescentou. Fletcher disse que o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, demonstrou que o petróleo pode ser um veículo de apoio, mais do que de opressão econômica. “Ao mesmo tempo, devemos reconhecer que são as empresas petrolíferas que devem ser inquiridas. O maciço lucro que tiveram no ano passado – enquanto os preços continuavam subindo – demonstram a atitude completamente amoral que assumiram diante dos povos do mundo e da necessidade de energia”, acrescentou Fletcher.
A maioria dos partidos políticos e instituições políticas irão retoricamente atrás das empresas petrolíferas,mas evitarão tomar qualquer medida significativa para ajudar os países menos desenvolvidos com uma parte dos enormes lucros dessas companhias, ressaltou o professor. A especialista Anuradha Mittal, do Instituto Oakland, disse que a fome e a pobreza nas nações pobres é realmente um paradoxo em um mundo de abundância. “A última proposta da ONU para que as nações petrolíferas destinem apenas US$ 0,10 por barril ao desenvolvimento da infra-estrutura nos países menos desenvolvidos é uma tentativa de abordar as desigualdades de crescimento. Entretanto, é preciso ter cautela por causa dos antecedentes”, afirmou.
Nos anos 70, os 22 países mais ricos se comprometeram diante da Assembléia Geral da ONU destinar 0,7% de seu produto interno bruto à assistência para o desenvolvimento, mas somente cinco cumpriram esse objetivo: Noruega, Dinamarca, Suécia, Holanda e Luxemburgo. Segundo Mittal, os Estados Unidos, que gastam 0,1% de seu PIB em assistência, nem mesmo estabeleceu um prazo para alcançar o objetivo da ONU ou estabelecer metas para objetivos intermediários, colocando esse país em último entre as 22 principais nações. Além disso, a ajuda como fração da renda de um país rico não é uma medida significativa do adequado dos fluxos de assistência. “Seria muito melhor estimar as necessidades de ajuda começando pelo receptor, com um modelo significativo de como a assistência afeta o desenvolvimento”, acrescentou.
No entanto, em um informe destinado à próxima sessão da Assembléia Geral que acontecerá em setembro, o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, disse que, apesar da melhoria do desempenho econômico, “a pobreza extrema parece estar diminuindo em pouquíssimos Países Menos Desenvolvidos, e aumentado em muitos. Em uma reversão sem precedentes das tendências históricas, a expectativa de vida está diminuindo em vários Países Menos Desenvolvidos, majoritariamente afetados pelo HIV/aids (síndrome da deficiência imunológica humana) e pelos conflitos civis”, acrescentou Annan.
O secretário-geral também destacou que a mudança climática surge como “um novo desafio para o desenvolvimento sustentável dos Países Menos Desenvolvidos, em particular os africanos e as ilhas pequenas”. Preparado pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, o documento de 27 páginas indica que a maioria dos Países Menos Desenvolvidos está afetada por muitos fatores: debilidades estruturais de suas economias; limitada capacidade humana, técnica, comercial e produtiva; infra-estrutura inadequada e uma dívida externa insustentável.
(Por Thalif Deen, Envolverde, 28/08/2006)
http://www.envolverde.com.br/materia.php?cod=21824&edt=1