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2006-08-29
Em seis das oito prefeituras visitadas pelo Correio não há registro das obras de saneamento e abastecimento de água feitas pelas administrações anteriores. Os documentos sumiram, afirmam os atuais prefeitos. Vários deles receberam a prefeitura inadimplente, sem condições de receber recursos federais, porque os prefeitos anteriores não prestaram contas ou tiveram contas rejeitadas pelos órgãos que financiaram as obras.

Em Governador Edson Lobão, foram implantados sistemas de abastecimento de água na sede do município e em localidades da zona rural. O assessor Raimundo Morais, vereador do município, afirmou que a Funasa já pediu a prestação de contas das obras, mas não foram encontrados os registros: "Quando chegamos aqui, não havia nada. Então, houve a inadimplência do município. Nesta gestão, não recebemos verbas do estado nem do governo federal". O presidente da Câmara, Chico Lima, disse que já foram aprovadas as contas até 1999. As contas a partir de 2000 estariam no Tribunal de Contas do Estado (TCE) para análise. Sobre as obras, comentou: "Aqui sempre é a mesma empresa, a RV Alencar".

A cidade de João Lisboa também recebeu sistemas de abastecimento de água e pavimentação de ruas. Mais uma vez, nada de registros. A Porto Belo toca obras de pavimentação no município. O chefe de gabinete do prefeito Francisco Menezes (PDT), Ivanildo Oliveira, relatou: "Não encontramos nada. Os caras não deixaram informação nenhuma. Para não comprometer, eles queimaram mesmo. Não encontramos documentos nem na Câmara. Havia denúncias de superfaturamento, mas não pudemos comprovar nada". Ele mostrou uma notificação do Ministério do Planejamento cobrando um débito de R$ 22,6 mil. A obra, um poço artesiano, foi realizada em 1989.

O presidente da Câmara de Vereadores de João Lisboa, Adão Portugal (PP), afirmou que as prestações de contas da administração anterior "estão todas no TCE". E revelou um dado assustador: "A última prestação de contas aprovada foi a de 1993". O Correio encontrou o ex-prefeito Francisco Holanda (PTB) em Itinga, distante 137 quilômetros. Ele trabalha como médico do município. Disse que enviou as suas contas ao TCE, que seria o responsável pelo atraso. "Tem contas de 1994 que não chegaram de volta do tribunal".

Busca e apreensão
O prefeito de Senador La Roque, João de Oliveira Alencar (PFL), precisou acompanhar a reportagem até Imperatriz, onde o contador da prefeitura teria informações sobre as contas da gestão anterior. "Levaram tudo. Entramos com ação na Justiça contra o ex-prefeito, João Salomão (PMDB), e tivemos que entrar com pedido de busca e apreensão". O contador relatou que não foram entregues as prestações de contas a partir de 2002. As contas de 2001 foram apresentadas em abril de 2002.

O contador também trabalha para a prefeitura de Buritirana. Ele contou que a prefeitura está inadimplente porque não teria realizado uma obra de abastecimento de água, apesar deter recebido o dinheiro, R$ 100 mil. O prefeito José Willian (PMDB), o Mundico, disse que entrou na Justiça contra o prefeito anterior, Antônio do Leque (PFL). "Quando assumi, não tinha nada, nenhum documento. O Tribunal de Contas da União (TCU) está realizando uma tomada de contas especial no município". Mundico disse que o seu antecessor acabou concluindo a obra, mas com outros recursos.

A situação é semelhante em Amarante do Maranhão. O prefeito Miguel Marcone afirmou que "não tem nada na prefeitura. Não há nenhuma prestação de contas de 1997 a 2004". Ele afirmou que o promotor estadual que atua no município citou o ex-prefeito, Ribamar Azevedo, porque o município teria ficado inadimplente por falta de prestação de contas. A Porto Belo realizou obras em Buritirana e Amarante.

Na prefeitura de Vila Nova dos Martírios não existem documentos da administração anterior, de João Pinto. Os assessores afirmaram que a memória dos computadores foi deletada. O ex-prefeito afirmou que enviou as prestações de contas ao TCE. Ele disse que pediu as emendas para Madeira porque o município foi criado em 1997 e era muito carente. Mas assegurou que nenhuma empresa foi indicada pelo deputado. A construção de unidades sanitárias foram executadas pela RV Alencar no município. Em Itinga, o ex-prefeito Raimundo Pimentel Filho disse que teve todas as suas contas aprovadas pelo tribunal. A maioria das obras foi financiada com emendas de Pedro Novais (PMDB-MA). A empreiteira Canol, de Francisco Chagas, realizou as obras. Uma emenda de Madeira teria financiado a construção de kits sanitários.

Documentos eram falsos
O presidente do Tribunal de Contas do Estado do Maranhão, Edmar Cotrin, classificou como "um verdadeiro absurdo" o processo de licitação realizado nas pequenas cidades do interior: "A lei é bem clara. Exige transparência e a publicidade da licitação. Não pode haver direcionamento, com prejuízo ao bem público. A desgraça do nosso país, a miséria do nosso país, é o desvio do dinheiro público".

O desembargador considerou "incabível" a afirmação de ex-prefeitos de que o órgão demora quatro ou cinco anos para aprovar as contas dos municípios. Disse que o tribunal está em dia com as contas, mas deu uma informação preocupante: "A grande maioria dos prefeitos não mandou as prestações de contas para as câmaras municipais. E há vários casos de fraudes nos recibos de entrega dos documentos".

Cotrin contou que muitos prefeitos falsificam assinaturas de vereadores para tentar provar que apresentaram cópia de suas contas à câmara municipal. "O tribunal não recebe as prestações de contas sem o recibo de entrega de cópias à câmara. Mas há casos de falsidade ideológica na apresentação desses recibos", disse o presidente do tribunal. Ele também lamenta o fato de as decisões do tribunal não terem caráter terminativo. "A câmara pode aprovar contas que tiveram parecer contrário do tribunal", comentou.

A apresentação de cópias desses documentos às câmara municipais possibilitaria aos vereadores a fiscalização da execução das obras. Mas nem isso seria uma segurança, porque a maioria das câmaras é controlada politicamente pelos prefeitos, que dispõe de cargos e verbas do município para conseguir a adesão dos vereadores.

O presidente do TCE afirmou que já estão concluídas as análises das contas de 2005 dos 20 maiores municípios, que são responsáveis por 50% das receitas do estado. Disse que os atrasos aconteceram no passado, quando ainda existia o Tribunal de Contas dos Municípios, extinto em 1992. O acervo daquele tribunal foi para o TCE, que ficou cheio de processos com análise em atraso. "Não tinha quem desse conta. Fizemos concurso e admitimos mais 200 técnicos. Hoje, estamos em dia com a análise."

Contas rejeitadas Algumas das cidades visitas pelo Correio no sul do Maranhão tiveram suas contas rejeitadas nos últimos anos. As contas de Buritirana relativas a 2001, 2002 e 2003 foram rejeitadas pelo tribunal. Em 2002, a rejeição foi por unanimidade, seguindo o voto do relator. Em 2001, foi aplicada multa de R$ 21,6 mil ao ex-prefeito Antônio Lopes de Souza, o Antônio do Leque, o equivalente a 30% dos seus vencimentos anuais. No ano seguinte, a multa foi de R$ 2,3 mil. As contas de João Lisboa relativas a 2001 e 2002 foram rejeitadas por unanimidade. O ex-prefeito Francisco Holanda foi multado em R$ 21,6 mil.

As contas da prefeitura de Amarante relativas a 2001 também foram rejeitadas. O ex-prefeito José Ribamar de Azevedo foi multado em R$ 23,9 mil. A Funasa informou que o município de Amarante está inadimplente com o INSS por causa de irregularidades na execução de obras na área de saúde. Os técnicos não encontraram os documentos da licitação de uma obra.

"Meu benefício é político"
O empresário Roberto Alencar afirma que participou de processos de licitação previstos na lei, que não houve direcionamento em favor das suas empresas e que nunca pagou comissão a prefeitos ou aos autores das emendas ao Orçamento da União. "Não tenho compromissos com ninguém, nem com prefeitos. Nunca fiz doações a deputados. Se eu der, vou morrer de fome, porque a margem de lucro é de 10%, 12%", afirmou.

Roberto também procurou inocentar o deputado Sebastião Madeira (PSDB): "Nunca ouvi um prefeito dizer que deu propina ou qualquer benefício ao deputado. Muitos deles são adversários políticos. Nem entendo como ele coloca recursos para adversários. Há três semanas disseram que você viria aqui fazer uma investigação. Pode fazer, mas só olham o meu? Tem muita coisa que não foi feita por outras empresas, em qualquer dessas cidades. Há um grande desvio de dinheiro no país. Eu nunca deixei de executar nada".

Ele afirmou que, além de Madeira, os deputados Pedro Novais (PMDB), Nice Lobão (PFL) e Terezinha Fernandes (PT), Sarney Filho (PV) e Wagner Lago (PDT) também apresentaram emendas para esses municípios.

Madeira atribuiu a autoria da denúncia ao suplente de deputado Francisco Escórcio (PMDB-MA), ligado ao senador José Sarney (PDDB-AP). "Ele foi colocado no mandato para me enfrentar. Outro dia, tentou me agredir num corredor. É um escroque." Ele também acusou o engenheiro José Henrique, que fez a denúncia.

"O José Henrique me pediu R$ 5 mil para não publicar uma denúncia contra mim. Fez isso por intermédio de outra pessoa. Ele é um vigarista, um chantagista. Ele foi afastado do Crea por isso. Ele queriam ganhar algumas obras", disse Madeira. O deputado nega que tenha recebido qualquer benefício financeiro em trocas das suas emendas: "Nunca pedi a um prefeito para entregar a obra a essa ou àquela empresa. O meu benefício é político".

"Divulga que eu fiz"
Madeira disse que muitos prefeitos avisam: "Não posso apoiá-lo. Tenho compromisso com outro deputado". Ele sempre responde: "Quero fazer um acordo: eu não fico com nenhum real, nem você, mas você divulga que eu fiz a obra. Quero apenas que você permita que eu visite a obra". Uma moradora teria feito a seguinte confissão: "O senhor me criou uma dúvida: não sei se moro onde estou ou se me mudo para o banheiro".

Depois, fez um desabafo: "É por isso que sou mais forte do que Lula, do que a Roseana (Sarney) na região. Sou o candidato que ajuda os pobres. Estou sendo investigado porque eu realizo as obras. Isso desperta o ódio de quem não faz. Não é à toa que não surge num novo líder no Maranhão. Quando surge, é destruído. O esteio que me segura é a minha integridade. É bom que o TCU o venha investigar tudo. Se algum prefeito tiver algum problema, que pague".

José Henrique apresentou atestados de bons antecedentes, comprovando que não há processos em andamento contra ele, além de uma carta do Crea elogiando a sua conduta à frente do órgão.

Descontrole público
A ineficiência no controle dos gastos públicos, verificada pela CPI dos Sanguessugas, é uma porta aberta para o direcionamento de licitações, conluio entre empresas e o conseqüente desvio de dinheiro do Orçamento da União. No oeste maranhense, na região do Bico do Papagaio, um grupo de três empresas domina há sete anos a execução de obras de saneamento e abastecimento de água em pequenas cidades próximas a Imperatriz. Kits sanitários, poços artesianos, reservatórios e redes de água são construídos invariavelmente na modalidade de carta-convite. Os editais são pregados nas portas das prefeituras e das câmaras municipais, num processo de licitação pouco transparente. Em alguns casos, o dono de uma empreiteira fiscaliza a obra executada pelo filho, dono de outra empreiteira. Em grande parte das prefeituras, as prestações de contas dessas obras sumiram. Vários municípios estão inadimplentes e não podem receber recursos federais.

A grande maioria das obras foi financiada com recursos de emendas individuais do deputado Sebastião Madeira (PSDB-MA), mas outros parlamentares também colocaram recursos na região por intermédio das suas emendas. Levantamento feito no Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea) de Imperatriz mostra que o valor total das obras atinge cerca de R$ 6 milhões. As emendas de Madeira no período de 1999 a 2005 somam aproximadamente R$ 4 milhões, sem contar as emendas coletivas, modalidade em que os deputados de uma bancada dividem entre si recursos destinados a grandes obras estaduais. Todos os prefeitos ouvidos pelo Correio afirmam que Madeira nunca indicou empresas nem recebeu comissão pelas obras.

As obras são executadas basicamente por três empresas. A principal delas é a RV Alencar, de propriedade de Roberto Alencar. A Conol pertence ao seu pai, Francisco das Chagas Alencar, sub-secretário de Infra-Estrutura de Imperatriz. A Porto Belo tem dois sócios proprietários: Roberto Alencar e a sua mulher, Ana Claudia Silva. Os dados estão na Junta Comercial de Imperatriz. Roberto sempre cadastra as suas duas empresas (RV e Porto Belo) nas prefeituras. Quando chega o convite, ele escolhe uma para fazer a obra. A Conol também participa de licitações.

Em Campestre, Francisco Alencar fiscalizou a construção de um sistema de abastecimento de água executada pela RV Alencar, em 2002. No mesmo ano, Francisco fiscalizou a construção de unidades sanitárias na Vila dos Martírios, outra obra executada pela empreiteira do filho. A moradora Maria José Rodrigues disse que gostou do banheiro novo, mas fez uma reclamação: "Não ajuda muito, porque não está tendo água. Tem um dia e falta quatro. Tem gente botando a caixa no chão". Em outros municípios, o pai faz o projeto, e o filho executa a obra.

"Eu direciono"
O direcionamento na escolha das empreiteiras é assumido pelo prefeito de Ribamar Fiquene, Hilter Alves Costa (PFL). "Tenho que convidar alguém e convido quem eu conheço. Eu me reservo o direito de escolher os sérios. Desde que me permitam fazer, eu direciono. Se me mandarem mais obras, vou continuar convidando ele (Roberto). Nessa área, ele é imbatível", disse o prefeito. Mas ele esclarece que não tem ligações com Madeira: "Nunca votei nele. Ele não pertence ao meu grupo. Mas o único deputado que traz recursos para a região é ele".

Ex-prefeito de Senador Edson Lobão (MA) Nei Bandeira descreve como são divulgadas as licitações: "Publicamos editais nas portarias da câmara e da prefeitura, com a modalidade e o valor da obra. As firmas mais próximas se habilitam. Ele (Roberto) chega na cidade, se habilita e faz a obra". Sobre o trabalho de Madeira, comenta: "Ele nunca pediu nada de vantagem para ele. Mas todos têm essa gratidão, porque ele olha para as carências desses municípios".

O monopólio das empresas de Alencar foi denunciado à CPI dos Sanguessugas e à Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara pelo engenheiro José Henrique Paiva, ex-inspetor-chefe do Crea de Imperatriz e ex-vice-presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Sul do Maranhão. Ele afirmou que há comentários na região sobre "fortes indícios de que as obras foram superfaturadas, não obedeceram a padrões técnicos exigidos e tiveram licitações dirigidas".

Roberto tem uma equipe para procurar obras e licitações nos diários oficiais e nos sites dos ministérios. Em janeiro de cada ano, ele prepara um pacote de documentos e faz o cadastramento nas 22 prefeituras da região. "A lei diz que as prefeituras deverão convidar as empresas cadastradas. E sempre tem chegado os convites. A gente preza pela qualidade do atendimento", diz o empresário.

Em 2002, depois de executar obras de abastecimento de água em Ribamar Fiquene, Roberto foi contratado pela prefeitura para fazer projetos de engenharia. "Ele foi contratado como engenheiro de projetos", confirma Hilter. Em 2000, houve um fracionamento de obra no município. Duas obras, com números seqüenciais no Crea (115.101 e 115.102), registradas no mesmo dia, foram feitas no município. Uma pela RV Alencar, no valor de R$ 65,4 mil, e outra pela Conol, no valor de R$ 62,3 mil. Roberto não soube explicar o fracionamento: "Isso já não sei. É questão da prefeitura".

Madeira e Roberto apresentaram versões semelhantes para o primeiro contato que tiveram em 1998. "Ele perguntou se poderia procurar os prefeitos para fazer as obras. Falei: Não tem problema. Pelo menos uns 15 empresários me procuraram. Só tenho uma exigência: que a obra seja bem feita", relatou Madeira. Roberto lembra do encontro: "Você sabe como funciona. Adianta ir atrás da coisa se o deputado já indicou a ou b? Perguntei: Deputado, o senhor tem compromisso com outra pessoa? Ele falou que não e acrescentou: Eu só peço que executem a obra".
(Por Lúcio Vaz, Correio Braziliense, 28/08/2006)
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