A manhã de 24 de agosto de 2006 veio azul e sem vento. Coisa rara, nem uma folha se mexia no topo dos eucaliptos que margeiam a antiga Estrada da Perua, nos arredores de Osório. Dia perfeito para mais um casamento alemão, ou seja, o acoplamento Hélice + Gerador, no alto de uma torre de concreto, em plena planície do Litoral Norte do Rio Grande do Sul, onde se constrói a maior usina eólica sul-americana.
Às oito horas, o canto de um quero-quero cortou o silêncio da várzea ao redor da torre 44 do Parque Eólico de Osório, a 50 metros do asfalto que liga a Lagoa dos Barros à “capital dos bons ventos”. Apesar de não haver sequer uma brisa na superfície, no Capão da Areia, perto daqui, os primeiros 25 aerogeradores da Ventos do Sul giram a 11 rotações por minuto, sinal de que lá em cima, a 100 metros do chão, o deslocamento de ar já era suficiente para uma geração mínima (o giro máximo é 24 rpm).
Haverá tempo para elevar a hélice até o topo antes que o nordeste comece a soprar para valer? O pessoal da Wobben Windpower não dorme no ponto, deixa tudo pronto na véspera.
Às 8h05min, o motor do guindaste Liebherr da Zandoná começa a zunir e logo a hélice é suspensa no ar, ficando a dois metros do chão.
“Firma ela, não puxa”, grita um dos supervisores da operação. Uma das pás, que logo ficará na vertical, é abraçada por quatro operários de macacão azul. Eles se esforçam para evitar que a ponta da pá enterre no chão. As outras duas pás são seguras por meio de cordas esticadas por outros operários. Parece coisa improvisada, mas não é.
Às 8h12min, a hélice começa a subir.
8h19min: os quatro operários soltam a última pá, posicionada verticalmente. Da estrada, onde é mínimo o movimento, um casal tira mais uma foto antes de embarcar no carro e seguir sua viagem. Na base da torre, há cerca de vinte pessoas, todas diretamente envolvidas na operação. Um pouco afastado, um operário de macacão e capacete fotografa a cena.
8h26min: já ficando pequena, a hélice ultrapassa os respiradouros, à altura dos anéis 16/17, na metade da torre, que possui 24 segmentos de concreto e, no topo, um anel de aço, onde se assenta o gerador de 80 toneladas.
8h31min: a hélice pára no ar, na frente do gerador. São 24 toneladas suspensas no espaço. Qualquer vento mais forte, agora, atrapalharia tão esperado casamento.
8h33min: no chão, a cabine do guindaste empina-se o suficiente para que o operador possa ver a cena final, lá em cima. Fora o piloto do guindaste e os seguradores das pontas (com as cordas esticadas), não há mais ninguém à vista na base da torre. Quase todos entraram porta da torre adentro.
8h36min: silenciosamente, o cilindro da hélice começa a encaixar-se no eixo do gerador. Um joão-de-barro faz alarido no arvoredo vizinho. Sem ligar a mínima para a cena ao lado da estrada, carroceiro retorna da cidade com dois tonéis cheios de lavagem para seus porcos.
8h39min: a luzinha do alto da carapaça do gerador não pára de piscar, o acoplamento vai se completando. “Agora sou cata-vento”, parece dizer a hélice, asas abertas sobre a amplidão.
8h42min: montado mais um aerogerador, um dos carros de serviço estacionados na base da torre manobra para se retirar da cena. Para alguns, já é o fim de uma jornada. No alto e no interior da torre, alguns técnicos ficarão por mais algumas horas, dias até, para ajustar tudo, fazer testes, preparar o equipamento para iniciar a produção, em setembro, quando devem entrar em operação os 25 cata-ventos do Sangradouro, junto à Lagoa dos Barros. Até janeiro, se tudo continuar nesse ritmo, devem ficar prontos os últimos 25 aerogeradores, junto à Lagoa dos Índios, perto de Tramandaí.
8h45min: Na beira da Estrada da Perua, os eucaliptos continuam imóveis, aparentemente indiferentes ao impacto de cena tão espetacular. Nunca se viu por aqui algo tão grande, nem tão alto, tão preciso e tão assustadoramente belo.
9h30min: o vento nordeste começa a franzir a superfície das águas da Lagoa dos Barros. Espera-se que os últimos 25 aerogerados de Osório estejam prontos em janeiro do ano que vem.
(Por Geraldo Hasse, especial para
Jornal Já e Ambiente Já, 28/08/2006)