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2006-08-28
A artista plástica Flávia Tavares ama a Floresta da Tijuca. Ama tanto que até fundou uma comunidade na internet para expressar seus sentimentos. E, de quebra, para denunciar a “criminosa” e “antipatriótica” eliminação das jaqueiras do Parque Nacional da Tijuca, perpetrada (horror, horror!) pela sua própria administração. Tudo, obviamente, comandado pela inescrupulosa ministra Marina Silva e o governo anti-florestal do PT. Sem entrar no mérito político-partidário, desse crime o governo não tem culpa. Nem a administração do Parque. Até porque não há nada de criminoso na derrubada dessas árvores – pelo contrário, são ações a favor da biodiversidade. Flávia, assim como outros indignados de plantão, pode ficar tranqüila. Tudo, segundo o Parque, está sendo feito com as melhores intenções.

A jaqueira é uma espécie exótica invasora. Isso significa que ela não é nativa da Mata Atlântica (tem origem indiana) e que até prejudica o desenvolvimento de espécies naturais destas bandas. Segundo Bernardo Issa, analista ambiental do Parque Nacional da Tijuca, isso acontece por conta da forma agressiva de reprodução da planta. Quem já comeu jaca sabe a quantidade interminável de caroços que a fruta pode conter. Quando aquele troço imenso explode no chão, cada uma das sementes gera uma jaqueirinha (quase 100% germinam). E, como explica o engenheiro florestal Márcio Gomes Pinto, a planta também é alelopática – ou seja, ela espalha à sua volta uma substância que não permite o desenvolvimento de outras espécies. “É uma competição desleal”, resume ele.

O extermínio das jaqueiras é feito pela retirada de um anel de casca do caule, o que impede a circulação da seiva da raiz às folhas. A técnica se chama anelamento. A agonia é lenta: a árvore só morre dois anos depois de feito o procedimento. Como as jacas servem de alimento para várias espécies da fauna do parque, a retirada tem sido controlada – a intenção é que a cada cinco jaqueiras, quatro venham abaixo. Até agora, 660 jaqueiras com caule acima de 10 centímetros de diâmetro foram aneladas nos quase 4 mil hectares do parque. Além disso, 1665 plantas menores foram cortadas e 42 mil mudas arrancadas.

Bernardo e Márcio fazem parte de um projeto de proteção, manejo e recuperação de solo no parque, realizado em parceria com a ONG Instituto Terrazul e financiado pelo programa Petrobras Ambiental. As ações incluem o manejo de espécies exóticas, especialmente da dracena, uma vez que as jaqueiras já vinham sendo combatidas pelo parque antes do início do projeto, em 2005, num trabalho conduzido pelos engenheiros florestais Luiz Fernando Lopez e Henrique Guerreiro. A dracena, um arbusto africano muito usado na jardinagem, se apaixonou perdidamente pelo clima da Floresta da Tijuca. Tanto que, em muitas áreas, o sub-bosque (espécie de andar de baixo da floresta) é totalmente dominado por ela.

Outras ações

Para o geógrafo Flávio Balesdent, que também atua no projeto, a revolta de quem vê homens golpeando árvores com um machado no meio da mata é compreensível, ainda que não justificável. “Muita gente acha ruim. Mas o que é melhor: a Mata Atlântica ou um bosque de jaqueiras? Eu fico com a primeira opção”, diz.

Quatro hectares de dracena já foram retirados da floresta nos últimos dois anos, o que equivale a mais ou menos oitenta caminhões repletos da praga. Antes que nossa amiga Flávia arranque os cabelos diante desse número, é preciso deixar claro: no lugar delas são plantadas mudas de espécies nativas, cultivadas num viveiro que conta com 36 espécies da floresta atlântica. Todas usadas pelo projeto que, quando chegar ao fim, vai deixar a estrutura montada para utilização do parque. Isso pode acontecer ainda no fim deste ano, caso o patrocínio da Petrobras não seja renovado.

A proteção e o manejo da mata são na verdade apenas uma das linhas de atuação de um projeto maior, “Água em Unidade de Conservação”, que também inclui atividades de educação ambiental e de monitoramento da quantidade e qualidade da água do parque. A linha coordenada por Bernardo (do lado do parque) e por Flávio (do lado da Terrazul) também é responsável pela instalação de “ecolimites”, de dois portões de entrada e pela construção de um aceiro que acompanha uma das bordas da unidade. Além disso, 12 hectares do parque estão sendo reflorestados, em locais onde a floresta deu lugar a clareiras.

Os ecolimites servem para frear a expansão de comunidades localizadas no entorno do parque. No caso, a de Camarista Méier, próxima ao setor D da floresta, que fica na zona Norte da cidade. São mourões de concreto ligados por 2,8 mil metros de cabo de aço, que marcam o limite das habitações, separadas do parque por uma área em processo de reflorestamento pela prefeitura. Assim, fica fácil saber aquilo que foi construído recentemente além das marcações e é passível de remoção. Também no mesmo setor foram construídos dois portões de acesso, principalmente com o objetivo de mostrar aos moradores do entorno que a partir daquele marco começa a área protegida. Ambas as ações foram acompanhadas pela linha do projeto que trata de educação ambiental, para discutir a instalação das estruturas e para esclarecer as suas funções à população.

Anti-fogo

O gigantesco aceiro – uma faixa de terreno especialmente preparada para conter a expansão de fogo – é uma história à parte. Ele fica sobre os morros do Perdido e do Elefante, na Cabana da Serra, zona Oeste do Rio, e é uma espécie de fosso entre a mata e campos de capim que a margeiam. A idéia é proteger a floresta em tempos como o mês de julho passado, quando seis incêndios foram combatidos pela equipe de bombeiros do parque - quatro no interior e os outros dois no entorno.

O fogo que pega facilmente no capim seco, causado por balões ou pela queima de lixo, não consegue atravessar o aceiro – não há o que queimar ali. O que impressiona na obra são as medidas: ela tem cinco quilômetros de extensão por oito metros de largura, cavados em cerca de quatro meses por equipes de menos de dez pessoas. Tem gente na redação de O Eco que conta já tê-lo visto da Linha Amarela e até da ponte Rio-Niterói, uma distância mais do que considerável. “É como uma estrada”, diz Bernardo. Ele conta que o aceiro já teve papel importante na seca deste ano. Um incêndio que lambeu há algumas semanas o capim dessa área foi impedido pelo fosso de chegar à mata.

Como as outras ações dessa linha do projeto, o aceiro já estava previsto no plano de manejo do parque, criado no início da década de 60. Mas não havia sido concretizado ainda por falta de recursos. No total, o projeto do Instituto Terrazul custou aos bolsos da Petrobras menos de R$ 3 milhões, dos quais R$ 600 mil foram para a linha de proteção e manejo. Nada como um dinheirinho a mais para ajudar na merecida recauchutagem do parque que dá tons de verde à paisagem carioca.
(Por Eric Macedo, O Eco, 26/08/2006)

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