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2006-08-28
Em entrevistada publicada neste domingo (27/08), a autoridade máxima do Irã na Argentina, Mohsen Baharband, disse que seu país está de "portas abertas" para mostrar a sua tecnologia nuclear aos argentinos. "Podem vir e ver o que temos", declarou Baharband ao jornal dominical Perfil. O diplomata afirmou que a Argentina "tem o direito a se desenvolver", mas que não existe "cooperação nuclear" entre os dois países.

Segundo ele, o Irã "não precisa importar (urânio), porque nós o produzimos". As declarações do representante iraniano levaram o jornal a publicar a manchete na sua primeira página: "Irã oferece apoio a Argentina no plano atômico para enriquecer urânio".

Mohsen Baharband é representante do setor de negócios do Irã na Argentina. O Irã retirou seu embaixador do país em 1994, logo depois do atentado à sede da AMIA (Associação Mutual Israelense da Argentina), em Buenos Aires. Na época, surgiram acusações de diferentes correntes contra o Irã, por seu apoio ao grupo libanês Hezbollah, um dos responsabilizados pelo atentado que deixou 85 mortos.

Programa nuclear
As afirmações do diplomata iraniano foram feitas quatro dias depois que o presidente Nestor Kirchner e o ministro do Planejamento, Julio de Vido, lançaram um pacote de medidas para reativar o programa nuclear argentino. Na ocasião, De Vido, único a falar, insistiu que o pacote será para fins pacíficos. Diante de diplomatas do Brasil e do Canadá, os quais fez questão de citar em seu discurso, o ministro afirmou que o objetivo é a "paz" e "melhorar a vida dos argentinos".

O crescimento econômico recorde e a conseqüente escassez de energia são os argumentos oficiais para o lançamento do plano, que custará cerca de US$ 3,5 bilhões ao longo de oito anos. Em declarações ao mesmo jornal, neste domingo, De Vido disse que o programa incluirá a Argentina "no clube das dez nações do mundo que trabalham com energia nuclear".

Ele contou que uma das metas é construir um reator de até 300 megawatts de potência, uma fábrica de água pesada e outra de enriquecimento de urânio de Pilcaneyeu, na província de Neuquén, na Patagônia. O governo também quer concluir as obras da usina de Atucha II, na província de Buenos Aires.

Venezuela
O jornal Perfil afirma, na sua matéria de três páginas, que o programa atômico lançado por Kirchner deixou "mais dúvidas do que certezas". O texto recorda que o governo americano pediu garantias ao governo argentino de que sua tecnologia de enriquecimento de urânio não será transferida para terceiros países.

Diplomatas argentinos reiteraram que o objetivo é pacífico, e garantiram que essa transferência não ocorrerá. Mas as dúvidas parecem persistir. O presidente da DAIA (Delegação das Associações Israelenses na Argentina), Jorge Kirszenbaum, disse que a "aproximação entre a Venezuela e o Irã" preocupa.

Ele ressalvou que não confia no presidente da Venezuela, Hugo Chávez, mas sim em Kirchner. "Os objetivos da Argentina sempre foram pacíficos. O governo é bastante democrático e prudente para saber que esse é um desafio científico e que não pode ser utilizado para outra coisa".

O cientista político Rosendo Fraga, do Centro de Estudos União para a Nova Maioria, recordou que a Argentina, junto com o Brasil, assinou acordos de não proliferação de armas atômicas para fins que não sejam pacíficos. Mas a aproximação atual da Argentina com a Venezuela abre caminho para as dúvidas, ele ressaltou. O presidente venezuelano Hugo Chávez, lembrou o analista, apoiou o plano nuclear da Coréia do Norte e, recentemente, visitou o Irã e reuniu-se com Mahmoud Ahmadinejad.

Gesto político
Já o especialista americano Willian Potter, diretor do americano Centro de Estudos para a Não-Proliferação (CNS, na sigla em inglês) manifestou "sérias dúvidas de que se possa justificar a renovação das atividades de enriquecimento de urânio (na Argentina) por razões econômicas". Segundo ele, se estivesse apenas interessada em produzir urânio de baixa potência para sua indústria energética civil, seria mais barato para a Argentina importá-lo.

Potter, ainda de acordo o jornal argentino, foi assessor de desarmamento da Secretaria Geral da ONU. Ele disse que a Argentina poderia estar mais interessada num "gesto político" do que qualquer outra coisa, depois que Brasil e Austrália fizeram anúncios similares. O programa nuclear argentino também recebeu críticas de grupos de ecologistas como o Greenpeace.

Juan Carlos Villalonga, diretor político do Greepeace na Argentina, disse que a construção de Atucha II não é só uma das mais caras do mundo, como não será a saída para a urgência de energia que o país vive hoje. Ele afirmou que a decisão foi tomada durante a ditadura argentina (1976-1983) e, agora, o fim das suas obras vai demorar pelo menos quatro anos.
(Por Márcia Carmo, BBC, 27/08/2006)
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