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2006-08-28
O descumprimento do Plano de Manejo Participativo da Reserva Biológica do Lami José Lutzenberger leva a discussão sobre a sua implantação apenas parcial ao Ministério Público Estadual.

“Fiquei cerca de um ano observando a situação até fazer a denúncia” comenta Printes, que administrou a Rebio Lami entre 1999 e 2003, ausentando-se do cargo para fazer doutorado na Universidade Federal de Minas Gerais. “Sou visto pela comunidade como alguém capaz de resolver os problemas ambientais relativos à reserva. Talvez por ter sido o único administrador que escolheu morar no Lami, as pessoas batem à minha porta deixando animais, bilhetes e abaixo-assinados”. Entre estes, o manifesto da Colônia Z-4 no qual os pescadores locais pedem a saída da atual administradora, Patrícia Bernardes Witt.

Patrícia Witt, bióloga que assumiu a Unidade de Coservação (UC) em março de 2005, afirma que tem “um ótimo relacionamento com os pescadores da Z-4”, uma vez que já trabalhou com eles no Parque Estadual de Itapuã, do qual foi coordenadora de Educação Ambiental em 2003 e 2004. Em sua gestão, ela destaca palestras sobre Educação Ambiental e Unidades de Conservação, estendidas à rede de ensino estadual e municipal, e melhorias tecnológicas na UC. Para ela, o atual Plano de Manejo está equivocado e vai contra os princípios legais que regem a categoria de Reserva Biológica. O Secretário do Meio Ambiente, Beto Moesh, defende as medidas tomadas pela administradora.

Plano de Manejo da Rebio Lami
A Rebio Lami foi a primeira Reserva Biológica do Rio Grande do Sul a elaborar seu Plano de Manejo, durante a administração de Printes, resultando numa obra de 106 páginas, aprovada e publicada em 2002. Segundo a lei 9985/2000, que estabelece o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, Reserva Biológica pertence ao grupo das Unidades de Proteção Integral cujo uso destina-se a atividades científicas e educacionais.

“A principal demanda era tornar a reserva importante para a comunidade local, pois ela era mal vista pela maioria das pessoas. Desmanchar o mito da Rebio ser um depósito de cobras ou estar povoada por seres imaginários foi um dos principais objetivos. Quanto mais fechada é uma reserva, mais monstros há lá dentro”, revela Printes, justificando a mobilização para construir o Plano, através de 26 reuniões com a participação direta de 48 colaboradores e indireta de 150 pessoas. No período de três anos, seguiram-se as etapas do diagnóstico, do zoneamento ambiental e da definição dos programas de manejo, em que a comunidade contribuiu nas duas últimas.

Na Rebio Lami existem dois prédios: a Casa de Pedra, próxima ao Guaíba, e a Casa Verde, reconstruída em 1998: “o projeto previa um local para a comunidade reunir-se, um pequeno museu e espaço para dar suporte às atividades de educação ambiental”, conta João Roberto Meira, biólogo e mestre em Ecologia Terrestre, que administrou o reserva entre 1997 e 1998. “Além da sede dar suporte às atividades de pesquisa científica e de educação ambiental, havia a função paralela de servir como lugar para reuniões da comunidade discutir suas demandas mais importantes no Orçamento Participativo ou até de servir como sala de aula.”

A Casa Verde e seus arredores, tendo em torno de meio hectare entre os 180 do total da reserva, aparecem no Plano de Manejo como Zona de Uso Intensivo. Aqui, para ampliar a relação com a comunidade, estava incluído um viveiro de mudas nativas, um canteiro de plantas medicinais, uma horta demonstrativa, uma composteira e a farmacinha caseira. Esta, administrada por voluntárias e funcionando dentro da Casa Verde, aparece no primeiro item do capítulo Manejo Participativo, que também prevê acordos de manejo para melhorar situações ou solucionar conflitos a partir de um longo processo de discussão e decisões de consenso.

Andeas Kindel, doutor do Centro de Ecologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e professor titular da disciplina Biologia da Conservação, acredita que “o grande desafio de um gestor é minimizar os conflitos com a comunidade do entorno”. Ele concorda com a proposta de uso intensivo pois ela cumpre com os fins educativos, um dos únicos usos para uma Unidade de Proteção Integral.

“O Plano não poderia ser chamado de ilegal ou inapropriado a uma reserva biológica” assegura Kindel que inclusive o utilizou em suas aulas para estudantes de graduação em Biologia. Além do Plano atender a legislação, ele possui dois aspectos inéditos, adotados no procedimento de elaboração: a tomada de decisões por consenso e o processo participativo dos moradores do entorno e das pessoas diretamente afetadas, presentes desde o planejamento. “O processo demora mais, porém a partir das decisões tomadas as pessoas são comprometidas com o plano e sua implantação fica muito mais fácil”.

Conflitos
Historicamente, a Casa Verde possui esse nome por estar associada a um viveiro de mudas nativas, onde a comunidade poderia obter espécies para o reflorestamento no entorno da reserva. “Quando cheguei aqui o viveiro estava um matagal”, relata a atual administradora, que optou por desativá-lo, bem como o canteiro de plantas medicinais, a horta demonstrativa e a composteira, todos com finalidade educativa, previstos pelo Plano de Manejo e localizados na área de uso intensivo da reserva.

O acordo de manejo construído com os pescadores da Z-4, preservando 150 metros de área lindeira no lago Guaíba, foi ampliado para 400 metros da Rebio. A atitude, visando proteger a Reserva, provocou descontentamento na comunidade, principalmente por não seguir os critérios de ampla discussão, decisão por consenso e intensa divulgação, acordados previamente registrados no Plano de Manejo.

Outro tema divergente consiste na remoção do pequeno museu localizado no lado oposto ao auditório. Para Beto Moesch, titular da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Smam), o museu não existia. “Os animais empalhados daquela sala foram encaminhados ao mini-zôo do Parque Farroupilha”. O antigo administrador da reserva, João Roberto Meira, em cuja gestão foi construída a nova Casa Verde apresenta uma outra versão: “no local estavam expostas antigas armadilhas, para caçar capivaras e ratões, encontradas na reserva. Além de ossos de animais, haviam quadros com cenários para caracterizar os ecossistemas, como o da fauna de restinga utilizado no Atlas Ambiental de Porto Alegre, e painéis das pesquisas desenvolvidas na área. As fotos e ilustrações dos animais e impressões negativas de pegadas, encontradas na trilha interpretativa, eram uma alternativa para os alunos das escolas quando a visitação era impossível, como nos dias de chuva ou no caso de grupos com mais de 30 alunos, onde este precisava ser dividido.”

Fechada pela Secretaria Municipal da Saúde, no início de agosto, a pequena farmácia que havia na Reserva surgiu a partir de uma pesquisa feita na área de entorno e atendia às pessoas da comunidade na Casa Verde, nas terças-feiras. Em seu trabalho de conclusão sobre plantas medicinais, a estagiária da reserva Cristina Bauldauf entrevistou os moradores mais antigos da comunidade e constatou que aqueles que detinham o conhecimento tradicional sobre as propriedades fitoterápicas das ervas estavam morrendo sem passar esse saber a outras gerações. Concluiu também que eles sabiam para que servia a planta, mas a manipulação era feita de forma equivocada.

A partir de um seminário sobre esse tema nasceu a farmacinha caseira comunitária do Lami, em maio de 2000. Maria Elisabete Silva de Oliveira, representante do Conselho Local de Saúde, coordenava o trabalho e lamenta seu fechamento, pois no Lami não existe outra farmácia e ela não vê outro lugar para retomar as atividades: “lá tínhamos o respaldo da segurança e dos biólogos. Não utilizávamos nenhuma planta da Rebio e o horto medicinal servia apenas para fins educativos.”

As ações desenvolvidas pela atual administração da Reserva Biológica do Lami José Lutzenberger têm total aprovação do Secretário Municipal do Meio Ambiente: “a administradora é uma bióloga capacitada para o cargo, foi nomeada por mim e faz um excelente trabalho, gerando várias demandas de equipamentos que foram prontamente atendidas pela nossa Secretaria”.

Melhorias
Entre as melhorias estruturais que aconteceram nos últimos meses estão dois computadores novos conectados à rede da Prefeitura e instalados na sala anteriormente destinada ao pequeno museu. O auditório recebeu uma TV de 21 polegadas, data show e DVD. Equipamentos como binóculos, filmadora e GPS também estão disponíveis aos pesquisadores.

Para aprimorar o trabalho de vigilância da área, foram destinados à reserva três guarda-parques, um por turno, rádios para a comunicação, dois barcos novos, duas lanternas e uma camionete Toyota. “Se a reserva está bem cuidada, toda a comunidade ganha. Nunca tivemos um trabalho de fiscalização tão intenso, totalizando 30 autuações”, revela o secretário.

Na área de Educação Ambiental, são promovidos cursos para professores da rede municipal e estadual, nas segundas terças-feiras de cada mês. Foi feito um novo folder da reserva e em breve será lançado um vídeo para divulgar a reserva nas escolas mais afastadas do bairro Lami.

Conselho Consultivo e Audiência Pública
“A primeira reunião do Conselho Consultivo está prevista para o dia 25, às 14h aqui na Reserva” comunica a administradora Patrícia. O órgão foi criado pelo decreto-lei municipal, no 15.224, de 20 de junho de 2006. As 18 vagas foram distribuídas entre a sociedade civil e os órgãos públicos. Entre as primeiras, duas cabem a associações sem fins econômicos, com atuação na preservação do ambiente; duas, às associações de bairro do entorno da UC; quatro a instituições de ensino públicas ou privadas, nos níveis fundamental, médio ou superior e a última, ao Comitê de Bacia Hidrográfica do Lago Guaíba. Das restantes, cinco competem ao munícipio, três ao governo estadual e uma ao Ibama.

Quanto ao inquérito no Ministério Público, a administradora informa que haverá uma Audiência Pública no dia 12 de setembro às 18h, na Casa Verde. “O Plano de Manejo vai ser revisado, a Smam já contratou uma empresa para adaptá-lo”. Questionado sobre qual seria essa empresa, o secretário Moesh afirma que não existe tal contratação. “Não temos verba. O novo Plano de Manejo precisa ser precedido por uma Audiência Pública, como as que acontecem nos EIA-RIMA, ainda sem data estabelecida.”
(Por Cláudia Dreier, EcoAgência, 24/08/2006)
http://www.ecoagencia.com.br/index.php?option=content&task=view&id=1795&Itemid=2

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