Após coletar uma amostra do líquido do Rio Gravataí, o técnico Paulo
Sérgio Santos Vieira, 45 anos, decide a dose diária de remédio a
aplicar. Há 25 anos na função, cada vez mais tem de reforçar o
tratamento da água, porque as bacias do Rio Grande do Sul são
castigadas por um infindável despejo de lixo e de esgoto.
Castigados pelo despejo contínuo de lixo e de dejetos, os rios do
Estado estão se voltando contra a população. Cada vez exigem um volume
maior de recursos para recuperar a água. As caras estações de
tratamento de esgoto são escassas em território gaúcho, mas essenciais
para conter a poluição. Se houvesse mais, o trabalho do técnico da
Corsan Paulo Sérgio seria facilitado.
- Não dá mais para nadar e pescar nas praias do rio. Se os mananciais
não forem preservados, teremos de adicionar muitos produtos químicos,
e o custo da água pode ser alto no futuro - alerta.
Além de tratar o líquido consumido por 205 mil moradores de Gravataí,
Paulo Sérgio passa diariamente por 70 pontos do município e testa a
qualidade do produto que sai das torneiras. A peregrinação o tornou
conhecido na comunidade.
No comando de uma estação da Companhia Riograndense de Saneamento
(Corsan), Paulo Sérgio é responsável pelo controle de bactérias e do
teor de cloro de cerca de 25,8 milhões de litros de água processados
por dia. Ele define:
- É um trabalho sério. Temos a vida de muita gente nas mãos.
Aos 18 anos, ele aprendeu o ofício com o pai, Hipólito, auxiliar de
tratamento da Corsan aposentado em 1986. Mescla os conselhos paternos
com o conhecimento adquirido em cursos e compartilhado com estudantes
em palestras.
- Percebo quando a água está se tornando pior pela cor e pela presença
de matéria orgânica. Em dias de chuva, é preciso adicionar mais
produtos químicos - afirma.
No mais recente Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese), o
Estado obteve a nota 0,565 em saneamento. Ela indica um
desenvolvimento médio na área, beirando o nível baixo.
É o pior indicador entre os quatro temas do estudo da Fundação de
Economia e Estatística (FEE) divulgado este mês (os outros são
educação, renda e saúde). O levantamento mostra a situação por
município.
Em Gravataí, em 71º lugar em saneamento entre as 496 cidades, apenas
um em cada cinco moradores dispõe de esgoto coletado e tratado. O
quadro no Rio Grande do Sul inteiro é ainda pior. Dos 343 municípios
atendidos pela Corsan, 86% não têm nenhum tratamento de esgoto porque
a instalação é muito cara, confirma o diretor de operação da estatal,
Jorge Accorsi.
Em 2000, 78% do Estado era desprovido do serviço, aponta o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Como agravante, onde
havia coleta, não existia separação de esgoto doméstico e da chuva, na
maior parte dos casos.
Quando não há o sistema, a água usada para lavar louça, tomar banho e
dar a descarga do vaso sanitário é destinada a uma fossa, fica a céu
aberto ou acaba poluindo um arroio ou rio. A situação aumenta a
incidência de doenças. Mesmo assim, a rede de esgoto nem sempre evita
o problema. É preciso haver também coleta de lixo e escoamento
adequado da água da chuva.
- Eu me preocupo com quem mora na beira do rio e com o crescimento
populacional. Ao fazer um passeio de barco pelo Gravataí, vejo pontos
maravilhosos. Em outros, há lixo, sofá e até TV jogados. É preciso
educar as pessoas - relata Paulo Sérgio.
Além de melhorar a rede de esgoto em cada cidade gaúcha, é necessário
universalizar o abastecimento de água e evitar o racionamento em
determinadas localidades.
Como fornecer serviços básicos para preservar a água dos gaúchos?
É preciso...
A resposta:
... buscar financiamentos
Preparar projetos e pleitear recursos em fontes financiadoras para
ampliar o abastecimento de água e o tratamento de esgoto.
... avaliar o impacto na saúde
Em meio à crise nas finanças estaduais, construir uma rede esgoto é
muito caro, o que desestimula o Estado. O gasto é até quatro vezes
maior do que uma obra para tratamento de água. A Corsan investiu
recentemente pelo menos R$ 17,8 milhões em estações de tratamento de
esgoto, mas é insuficiente. Só em Passo Fundo, foram gastos R$ 5,1
milhões. Mas é um investimento que renderá economias futuras, lembra
Antônio Domingues Benetti, professor de pós-graduação em recursos
hídricos e saneamento ambiental da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS). O que o Estado deixa de colocar em saneamento acaba
gastando cinco vezes mais no tratamento de doenças, segundo a
Organização Mundial da Saúde.
... fortalecer o Pró-Guaíba
O maior programa de gestão ambiental da história do Rio Grande do Sul
está em ritmo lento. Entre 1994 e 2004, foram investidos US$ 220,5
milhões em saneamento, manejo da terra, recuperação de reservas e
educação ambiental em 251 municípios. Os recursos foram financiados
pelo BID. Em agosto de 2005, foi lançado o Módulo II. Até o momento,
não há previsão de obras em razão da falta de dinheiro. Um relatório
está sendo preparado para o governo estadual prestar contas ao BID e
tentar um segundo aporte de verbas.
Obstáculos
1) O Rio Grande do Sul superou a capacidade de endividamento, e a União
reluta em dar aval para novos financiamentos internacionais. Como
resolver: negociação.
2) Nem sempre há linha de crédito aberta para rede de esgoto, uma das
principais demandas. O recomendável é sempre ter um projeto pronto na
gaveta.
3)De acordo com o diretor de operação da Corsan, Jorge Accorsi, a
estatal não conseguiu dinheiro da Caixa nos últimos três anos e meio
para esgoto.
... programa de educação
Intensificar palestras em escolas e nas periferias para orientar as
pessoas sobre os cuidados com o ambiente e tentar reduzir a
contaminação de arroios e rios.
(Por Marciele Brum,
Zero Hora , 26/08/2006)