Relatório revela falhas em gasoduto Camisea, no Peru
2006-08-25
Techint, a companhia argentina que construiu no Peru o gasoduto de 557 quilômetros para gás líquido de Camisea, utilizou técnicos soldadores sem qualificação, violando normas internacionais, afirma um novo relatório da consultoria norte-americana independente E-Tech Internacional. O informe é divulgado justamente quando o governo peruando de Alan García, que assumiu em 28 de julho, inicia conversações com a Transportadora de Gás do Peru (TGP) no sentido de revisar o contrato com esse consórcio encarregado das operações do poliduto de gás natural e de gás liquefeito, que vai da jazida amazônica de Camisea até o litoral do Pacífico.
Entre 2004 e 2006, foram registradas rupturas na tubulação de gás líquido, o que provocou fortes críticas ao TGP e obrigou o governo anterior, de Alejandro Toledo, a determinar uma auditoria para estabelecer as condições dos gasodutos. Durante a campanha eleitoral, García prometeu que revisaria o contrato com o TGP para introduzir sanções não previstas e obrigar o consórcio a solucionar as causas das freqüentes rupturas que paralisaram o fluxo de gás. O diretor-executivo da E-Tech International, Bill Powers, autor do novo relatório técnico sobre o duto de Camisea, disse à IPS que ao contrário do informe divulgado em fevereiro, que se baseava em testemunhos de ex-técnicos do TGP, o atual conta com documentos e fotos que dão credibilidade ao que afirmam os dois estudos: que no processo de construção foram cometidas falhas que explicam as reiteradas avarias.
Um dos documentos mais importantes é um “Relatório de Não Conformidade” de um inspetor de campo da consultora Gulf Interstate Engineering (GIE), contratada pela construtora Techint. No documento consta que depois de revisar 26 soldaduras, ou juntas, seguidas em um trecho de 300 metros do quilômetro 92 da tubulação, o inspetor constatou que “foram utilizados soldadores não qualificados, numa contravenção das normas estipuladas e previstas no API 110/99 (código internacional do American Petroleum Institute), nas especificações do projeto (gasífero de Camisea) e nas Especificações de Procedimento dos Soldadores de tubulações de gás e petróleo”.
No mesmo documento aparece um espaço para que o contratista, neste caso a Techint, enuncie as medidas a tomar para remediar o problema. A construtora nunca completoudez esse formulário. O relatório da E-Tech International compreende também fotos mostrando outras graves deficiências: tubulações cobertas apressada e parcialmente com terra, entre os quilômetros seis e dez; tubulações expostas por longo tempo à intempérie antes de serem introduzidas nas valetas, no quilômetro 90. Além disso, o informe apresenta cópias de documentos originais que estabelecem as mudanças do traçado dos gasodutos sem avaliação prévia.
Consultado pela IPS, o ministro de Energia e Minas, Juan Valdivia Romero, disse que pediria à empresa que auditará os gasodutos do TGP – que será selecionada através de concurso internacional no dia 12 de setembro – uma avaliação das conclusões da E-Tech. “A empresa auditora deverá avaliar se as acusações são reais ou se existem dúvidas. Deverá considerar em seu estudo todos os elementos que constam do informe. Por outro lado, a Direção de Hidrocarbonetos do ministério e a comissão que cuida do caso Camisea, solicitou um informe sobre novas descobertas”, afirmou o ministro. Valdivia também disse que, à luz da nova informação revelada pela E-Tech International, o governo avalia se os termos de referência da auditoria serão mais rigorosos.
Sobre as negociações com o TGP para revisão do contrato, o ministro informou à IPS que “não se está vendo o caso da construção do poliduto, mas do que acontecerá daqui em diante quando acontecer a interrupção do fornecimento de gás. Somente depois dos resultados da auditoria a ser contratada serão examinados os temas que surgirem do estudo”. O congressista pelo partido de governo José Carrasco Távara, que ocupou o ministério no primeiro governo de Alan García (1985-1990) discordou de Valdivia. O novo relatório da E-Tech ratifica a necessidade de revisar o contrato com o TGP e de frear a busca da auditoria, disse à IPS.
“Com os novos elementos revelados pela E-Tech, a auditoria que vai convocar o Estado para Camisea deve ser adiada para incorporar os novos termos de referência. Tem de ser uma auditoria integral, que inclua o pedido de informação à IGE, cujos inspetores encontraram nas obras soldadores não qualificados”, disse o legislador, que preside a Comissão de Energia e Minas do Congresso. Essa comissão convocará Valdivia para pedir explicações sobre que as descobertas da E-Tech na auditoria que o Estado contratará.
A IPS levou ao conhecimento do TGP o conteúdo do segundo relatório da E-Tech para que comentasse. “O novo informe desqualifica e questiona não somente o TGP, mas outras entidades que se preocupam e investigam com seriedade as denúncias apresentadas, pelo fato de suas conclusões não coincidirem”, afirmou seu gerente-geral, Ricardo Ferreiro. “O TGP sustentou e sustenta que somente a uma auditoria técnica esclarecerá todas as dúvidas sobre o sistema de transporte de gás do Projeto Camisea”, afirmou.
“Somos os primeiros interessados e estamos à espera dos resultados da convocação pelo Estado para que esta comece rapidamente. Todos exigimos rigor neste processo e devemos colaborar com isso, pois está em jogo o projeto energético mais importante do país”, acrescentou o gerente-geral do TGP. A empresa, o ministério e o Organismo Supervisor do Investimento em Energia (Osinerg) haviam negado em fevereiro a afirmação do primeiro relatório da E-Tech sobre o uso de pessoal não qualificado para trabalhar nas soldagens.
“Desacreditaram nosso relatório, mas continuamos investigando. O documento que obtivemos é a prova contundente de que não mentimos: usaram soldadores sem qualificação para o trabalho da tubulação de gás líquido, o que é terminantemente proibido em todo o mundo”, disse Powers à IPS. “A Techint disse que todos os soldadores estavam devidamente qualificados antes de receberem autorização para soldar no projeto”, acrescentou. “Se a construtora diz que estavam qualificados, então estamos falando que provavelmente tinham falsos certificados de qualificação? A quem entregaram a construção do gasoduto?”, perguntou.
No dia 4 de março a comunidade indígena de Kepashiato, na selva amazônica, sofreu as conseqüências da explosão da tubulação de gás líquido. Várias casas e duas pessoas ficaram queimadas. O então primeiro-ministro Pedro Pablo Kuczsynski atribuiu imediatamente o acidente a uma ação terrorista e o vinculou à apresentação do primeiro relatório da E-Tech, cujo texto alertava sobre possíveis novos acidentes. Kuczsynski, que entre dezembro de 2002 e fevereiro de 2004 integrou a direção da Tenaris, uma subsidiária da Techint, decidiu em segundo instância ordenar uma revisão independente nas tubulações. Mas cinco meses depois, a primeira convocação fracassou e até agora não foi designada a companhia que realizará a investigação.
Em junho, uma comissão investigadora do Congresso concluiu que houve irregularidades na construção e recomendou que fosse avaliada a qualidade da tubulação. Esse informe está em trâmite para ser aprovado pela nova legislatura. O presidente da Osinerg, Alfredo Dammert, cuja tarefa é fiscalizar as operações do TGP, disse à IPS que o uso de profissionais não qualificados provavelmente foi uma anomalia registrada na primeira parte do processo e logo sanada.
em uma primeira etapa de construção pode ter ocorrido erros ou falhas que, ao serem detectadas pela consultoria (GIE), foram corrigidas”, disse Dammert. Independente do que afirma o relatório, sempre dissemos que quando supervisionamos as obras encontramos coisas que não nos agradaram e por isso há multas. A empresa teve deficiências, foi multada e teve de saná-las. E foi pedido à empresa para colocar mais supervisores”, afirmou.
Dammert se manifestou de acordo com algumas recomendações da E-Tech, como o estudo de todas as soldas, e reconheceu que a Osinerg só fez uma avaliação de amostras da tubulação. Powers anunciou que entregaria às autoridades peruanas uma cópia do segundo relatório, “para que saibam que é necessário ir fundo neste problema”.
(Por Ángel Paez, Envolverde, 24/08/2006)
http://www.envolverde.com.br/materia.php?cod=21677&edt=1