O Brasil poderia economizar mais energia não apenas no verão – por conta do horário diferenciado que entra em vigor na estação mais quente do ano –, mas também no inverno. A observação, do geólogo e engenheiro ambiental Luiz Amore, secretário-geral do Projeto de Proteção Ambiental e Desenvolvimento Sustentável do Sistema Aqüífero Guarani, foi feita nesta quinta-feira (24/8), no 11º Congresso Mundial de Saúde Pública, no Rio de Janeiro.
Segundo Amore, vários estados brasileiros gastariam menos energia elétrica se utilizassem mais a água subterrânea. “Como o Aqüífero Guarani fica a uma profundidade que varia de 50 metros a 1,5 mil metros, a água é permanentemente quente. A temperatura varia entre 33ºC e 65ºC”, disse.
Amore contou que no interior de São Paulo, nas regiões de São José do Rio Preto e Presidente Prudente, companhias de abastecimento resfriam a água, muitas vezes sem necessidade. “No inverno, a população não quer que a água seja resfriada. Estão jogando energia e dinheiro fora. Seria melhor fazer duas tubulações, uma de água fria e outra de água quente”, sugeriu.
O Aqüífero Guarani é a principal reserva subterrânea de água doce na América do Sul e um dos maiores sistemas aqüíferos no mundo, ocupando uma área total de 1,2 milhão de quilômetros quadrados, com aproximadamente 37 mil quilômetros cúbicos acumulados. Estende-se sob oito estados: Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
O Projeto de Proteção Ambiental e Desenvolvimento Sustentável da reserva, iniciado em 2003, é uma iniciativa dos quatro países por onde ela se estende: o Brasil (que detém 850 mil quilômetros quadrados do aqüífero em seu território), a Argentina (225 mil quilômetros quadrados), o Paraguai (70 mil quilômetros quadrados) e o Uruguai (45 mil quilômetros quadrados). A área total é equivalente aos territórios da Inglaterra, França e Espanha juntos.
Além da vantagem econômica trazida pela economia de energia, o uso da água termal da reserva tem ainda vantagens turísticas. São várias as cidades brasileiras, uruguaias e argentinas que utilizam a água naturalmente aquecida em estâncias hidrominerais.
“A amplitude térmica oferece possibilidades de desenvolvimento de diversas aplicações geotérmicas”, disse Amore. Segundo ele, a água subterrânea é vantajosa por ser mais barata. “Mas, uma vez contaminada, torna-se extremamente caro recuperá-la”, alertou.
Riqueza renovável
Luiz Amore destacou que os problemas do Aqüífero Guarani ocorrem localmente. A contaminação é a grande ameaça. “Na zona de Santana do Livramento, no Rio Grande do Sul, houve ocorrência de contaminação por nitrato. Isso levou ao fechamento de alguns poços”, disse.
Outro problema é a sobreexplotação, o uso irracional e excessivo da água da reserva subterrânea, como ocorre na parte central de Ribeirão Preto (SP), onde o aqüífero rebaixou em 60 metros.
O objetivo do Projeto de Proteção Ambiental e Desenvolvimento Sustentável do Sistema Aqüífero Guarani é identificar as zonas mais vulneráveis e as mais protegidas e gerar uma rede de monitoramento para produzir um sistema de informações.
“A idéia é proteger um recurso natural antes que ele chegue a uma situação de colapso. Nossa meta é desenvolver normas legais que evitem a poluição e a sobreexplotação e potencializar ações positivas”, disse Amore. Ele aponta que um dos grandes problemas na área é a carência de profissionais de água subterrânea hoje em dia. Segundo ele, outro problema é que 95% dos fundos destinados a pesquisas em águas vão para recursos hidrossuperficiais. “Muito pouco vai para a pesquisa em água subterrânea”, disse.
O Aqüífero Guarani recebeu a denominação do geólogo uruguaio Danilo Anton, em memória do povo indígena da região. Uma diferença em relação a outros aqüíferos existentes no mundo, como o Sistema Nubian, localizado no norte da África, é a capacidade de renovação. Enquanto o Nubian se renova apenas por meio do orvalho, uma vez que a região é desértica, o Guarani tem um processo natural renovável anual de 166 quilômetros cúbicos, por meio da água da chuva, abundante na região.
(Por Washington Castilhos,
Agência Fapesp, 25/08/2006)