Transposição do rio São Francisco é uma polêmica a ser encarada pelo Governo Federal apenas após as eleições
2006-08-25
No dia 16 passado, o Supremo Tribunal Federal – STF - concedeu liminar suspendendo o andamento do mandado de segurança impetrado pela Associação Mineira de Defesa do Ambiente – AMDA - na Justiça Federal do Distrito Federal.
A ONG pedia a nulidade do edital do Ibama para a transposição, alegando que a obra traz impactos sociais e ambientais, discutidos de forma insuficiente com o povo mineiro, o que confrontaria seu direito à informação. A notícia acabou gerando, em muita gente, a expectativa de que, agora, o Governo Federal iria dar início ao projeto. Mas, na realidade, essa é uma possibilidade não imediata.
Segundo a secretária executiva do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, Yvonilde Medeiros, a transposição estancou em outubro passado, quando a 14a. Vara Federal da Seção Judiciária da Bahia concedeu liminar suspendendo o licenciamento ambiental do Ibama para a obra.
A decisão foi resultado de uma Ação Civil Pública ajuizada em 29 de setembro pelo Ministério Público Federal na Bahia, o Ministério Público do Estado, a Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Bahia, a Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia – AATR- e o Fórum Permanente de Defesa do São Francisco, entre outras associações civis.
Os autores da Ação destacam uma série de irregularidades na concessão da Licença Prévia pelo Ibama, o que comprometeria todo o licenciamento do chamado Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias do Nordeste Setentrional.
Entre elas, estão a falta de estudos sobre a fauna e flora locais, além do desconhecimento do impacto da obra sobre as populações tradicionais (ribeirinhas, quilombolas e indígenas). “As omissões no Estudo de Impacto Ambiental, apontadas pelos autores, são de tal monta que comprometem a própria validade do licenciamento ambiental”, afirma a juíza da 14a. Vara na decisão.
A Ação Civil Pública também cita a necessidade de autorização do Congresso Nacional para a realização da obra. A obrigação está descrita no artigo 231 da Constituição Federal, segundo o qual “o aproveitamento de recursos hídricos (...) em terras indígenas só pode ser efetivado com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas”. Para a juíza, “esta grave omissão é capaz de, por si, viciar todo o procedimento administrativo que precedeu à outorga do questionado licenciamento ambiental”.
“Oficialmente, o Governo está parado em relação à transposição”, atesta Yvonilde Medeiros, lembrando que o momento eleitoral não é exatamente o mais adequado para que se retomem os debates de uma questão marcada pela polêmica.
O próprio presidente Lula, falando à imprensa, tem reafirmado que, transcorrido o pleito, todos os processos referentes ao projeto terão andamento. “Ele tem fé que vai conseguir derrubar a liminar”, diz Yvonilde.
A greve de fome do bispo da Diocese de Barra (BA), dom Luiz Flávio Cappio, encerrada em 06 de outubro passado, serviu para promover a reabertura do diálogo. Em julho passado, em Brasília, ocorreu uma reunião entre representantes da Casa Civil; de órgãos como a Agência Nacional das Águas – Ana – e da Codevasf; e da sociedade organizada.
O objetivo do encontro foi debater alternativas para o semi-árido. De um lado, o Governo Federal insiste em basear qualquer perspectiva de desenvolvimento para a região na obra de transposição do rio São Francisco.
De outro lado, a sociedade civil defende exatamente o contrário. “Precisamos que se busque formas de convivência com o semi-árido enquanto, para o Governo Federal, o desenvolvimento virá através de investimentos em grandes obras”, pondera Yvonilde. “Isso é um modelo concentrador de capital, enquanto o semi-árido precisa de ações difusas, pois os núcleos populacionais são dispersos”.
Ela cita, como ideais, experiências já comprovadamente adequadas a exemplo das postas em prática pela Cáritas Brasileira e pela Articulação no Semi-Árido Brasileiro – Asa -, um fórum de organizações da sociedade civil, que atua em prol do desenvolvimento social, econômico, político e cultural daquela região.
Mas não seria desanimador tanto diálogo infrutífero, posto que o Governo Federal só aceita a versão que lhe convém? “Não”, diz Yvonilde. “A sociedade tem meios e deve utilizá-los para expressar sua vontade”, defende ela, afirmando a validade de, ao menos, ter a consciência tranqüila de haver lutado pelo que se acredita.
(Por Mônica Pinto, AmbienteBrasil, 24/08/2006)
http://www.ambientebrasil.com.br/noticias/index.php3?action=ler&id=26421