Hoje o planeta Terra está 0,7 ºC mais quente do que há 200 anos, segundo o Painel Intergovernamental em Mudança do Clima (IPCC), instituição da Organização Meteorológica Mundial (OMM) e do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, e as mudanças climáticas decorrentes desse aquecimento são um dos principais problemas ambientais a serem enfrentados pelo governo brasileiro nos próximos anos.
Essa constatação faz parte do relatório e do documentário “Mudanças do Clima, Mudanças de Vidas”, produzido pela organização não-governamental (ONG) Greenpeace, divulgado ontem (23/08). O levantamento, baseado em pesquisas de especialistas na área de clima, relaciona os efeitos intensificados do aquecimento global sobre a população brasileira em diferentes regiões do país.
Um dos aspectos mais evidentes do fenômeno é que a seca já não é apenas um problema do semi-árido nordestino. Em 2005, a Amazônia sofreu uma das suas piores estiagens, e os principais rios da região, como Solimões, Madeira, Purus e o Acre tiveram os níveis bastante diminuídos. A navegação foi suspensa, milhares de peixes mortos cobriram os leitos dos rios e comunidades ribeirinhas ficaram isoladas e sem comida e água para o consumo. As imagens típicas do deserto chegaram à mídia e chocaram a população acostumada a ver a área densamente coberta por florestas verdes.
Outro exemplo é a seca dos últimos dois anos no Estado do Rio Grande do Sul, que teve um prejuízo de R$ 3 bilhões com a estiagem prolongada. Por outro lado, a região sul também tem sido vítima de tempestades violentas, como em março de 2004, quando o primeiro furacão registrado no Atlântico Sul atingiu cidades de Santa Catarina.
Segundo o diretor de campanhas do Greenpeace Brasil, Marcelo Furtado, um dos objetivos do relatório é informar a população sobre essas questões de forma simplificada. “As catástrofes climáticas serão mais intensas e freqüentes com grandes impactos sociais e ambientais”, alerta o relatório do Greenpeace.
A desertificação de biomas como a caatinga, onde a temperatura do solo chega a 50ºC, a perda de cobertura vegetal, o derretimento de geleiras e a extinção de espécies animais e vegetais não serão as únicas conseqüências das mudanças climáticas”. Furtado lembra que, cada vez mais, as populações humanas terão que conviver com a intensificação dos fenômenos climáticos e seus efeitos, até que a situação chegue a um ponto “insuportável”.
O diretor da ONG enfatiza que os mais pobres têm menos recursos para enfrentar e se adaptar a essas situações e, portanto, sofrerão mais. Só no semi-árido nordestino, 31 milhões de brasileiros vivem vulneráveis aos condicionantes da seca e da desertificação.
Interferência humana
A ação do homem como principal ator no processo de mudanças climáticas é consenso na comunidade científica. Foi a partir da Segunda Revolução Industrial (1860-1900), com o aumento de indústrias e o uso em larga escala de combustíveis fósseis, como o petróleo e o carvão, que a temperatura global aumentou.
A queima desses combustíveis é a maior causa do aquecimento global, devido à emissão de gás carbônico, que é capaz de reter calor na atmosfera. Os Estados Unidos são o país que mais lança CO2 na atmosfera, sendo responsáveis por 30% das emissões mundiais, seguido da China. Nesse cenário, o Brasil ocupa o quarto lugar.
A contribuição brasileira para o aquecimento global é de 200 a 300 toneladas de gás carbônico anuais decorrente das queimadas indiscriminadas das florestas. “O círculo é vicioso: a retirada da floresta e as queimadas aumentam a quantidade de carbono na atmosfera, e por conseqüência, o aquecimento global, que, por sua vez, altera o clima na região amazônica, favorecendo climas mais secos, novas queimadas e mais emissão de carbono”, observa o relatório do Greenpeace.
“O Brasil tem que assumir a sua posição de emissor. O governo brasileiro não tem políticas públicas para mudanças climáticas. Tecnologia já existe para redução das emissões, mas é preciso investimentos, principalmente em pesquisas, e vontade política”, afirma Furtado.
O relatório coloca a preservação da Amazônia como principal contribuição do Brasil para reduzir o aquecimento global. “Entre 2004 e 2005, o desmatamento na Amazônia diminui com a presença do governo na região”, observa o diretor da ONG. Outra estratégia é concentrar pesquisas e investimentos em alternativas energéticas. “O Brasil já tem 45% da sua matriz baseada em fontes renováveis. Mas tem um imenso potencial eólico e solar que precisa ser explorado”, indica o relatório.
Furtado lembra que, se nada for feito pela comunidade internacional, incluindo o Brasil, os efeitos podem ser catastróficos. Para o diretor do Greenpeace, as metas do Protocolo de Kyoto, tratado que estabelece metas para países desenvolvidos reduzir os níveis de emissão de gases causadores de efeito estufa, “são tímidas para resolver o problema”. “Se transformações forem feitas hoje, os impactos delas só serão sentidos daqui a 50 anos. Há um comprometimento das futuras gerações”, afirma.
(Por Natália Suzuki,
Agência Carta Maior, 24/08/2006)