As comunidades ribeirinhas do alto rio Tapajós, em Itaituba, no Oeste do Pará, estão sendo alvo de um estudo que pretende verificar quais foram as conseqüências da exposição prolongada ao mercúrio (Hg) na última década. "A contaminação pode causar problemas locomotores e no sistema nervoso. Pretendemos verificar se essa exposição também aumenta a tendência à doença coronária, em especial a hipertensão, como mostram alguns trabalhos científicos", afirma o toxicologista Fernando Barbosa Junior, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP e que integra a equipe de pesquisadores.
Segundo o cientista, havia alguns anos os garimpos eram os maiores responsáveis por esta contaminação. Atualmente a principal causa é o desmatamento, que é feito tanto para a venda de madeira como para o plantio de soja. O desmate deixa muito exposto o solo local, que é naturalmente rico em mercúrio. Com o aumento cada vez maior das áreas desmatadas, as chuvas constantes da região acabam levando o metal até os rios, contaminando-os.
"Nos rios, o mercúrio sofre transformações decorrentes de bactérias presentes nas águas e se transforma em metilmercúrio, substância que fica acumulada nos tecidos dos peixes, que são a base da alimentação desses ribeirinhos", esclarece o pesquisador.
No total, participam da pesquisa 450 voluntários, com idades entre 18 e 65 anos. No último mês de julho, os pesquisadores visitaram alguns deles em comunidades ao longo do rio Tapajós, como Brasília Legal e São Luís do Tapajós, para coletar amostras de sangue e de cabelo que serão analisadas nos laboratórios da FCFRP. Barbosa Júnior prevê que a próxima coleta aconteça em outubro.
Peixes herbívoros e selênio
Os moradores tiveram palestras explicativas sobre a contaminação e foram orientados a evitar o consumo de peixes carnívoros, dando preferência aos herbívoros, como tambaqui, pacu, aracu, cará, mapará, branquinha, corimatá e jaraqui, pois acumulam menos mercúrio e por isso apresentam menos riscos à saúde.
Os ribeirinhos também foram incentivados a comer frutas cítricas, porque elas estão relacionadas a uma maior excreção de mercúrio pelo organismo. Os pesquisadores recomendaram ainda o consumo de alimentos ricos em selênio - nutriente encontrado na castanha-do-pará - por ele apresentar a capacidade de minimizar os efeitos nocivos do metal.
A divulgação dos resultados deverá acontecer no início do próximo ano. "Vamos fazer algumas recomendações e sugestões aos órgãos de saúde locais e pretendemos também informar os dados aos ribeirinhos por meio de palestras", afirma Barbosa. Ele conta que essa população é muito pobre e vive com infra-estrutura precária. "O acesso às casas é feito por barco e chega-se a levar 12 horas navegando até encontrar essas pessoas. Muitos deles nunca viram um médico na vida", aponta.
O projeto teve início há 12 anos com pesquisadores canadenses liderados pela professora Donna Mergler, da Universidade de Quebec. O grupo estudava os aspectos ambientais relacionados aos altos níveis de concentração de mercúrio na região de Itaituba. Eles perceberam a necessidade de estudar a saúde dos moradores e acabaram por convidar, há pouco mais de um ano, o toxicologista Fernando Barbosa Júnior para integrar a equipe. O projeto conta com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
(Por Valéria Dias,
USP Online, 22/08/2006)