Onça faz bem para mata, diz estudo
2006-08-21
É claro que as capivaras, veados e outros bichos com tendência a virar almoço não vão concordar, mas, pelo visto, ter um plantel de onças na mata faz bem para a diversidade geral de vida que existe nela. Aliás, faz bem até para a concorrência das onças: segundo uma pesquisa da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), a diversidade dos predadores menores, como jaguatiricas e raposas, aumenta com os grandes gatos por perto.
O trabalho, realizado pelo biólogo Marcel José Franco Penteado, do Departamento de Zoologia da Unicamp, é uma demonstração clara de que os chamados predadores de topo (classe na qual as onças se encaixam) estão longe de ser uma mera cereja do bolo em termos ecológicos. Eliminá-los de uma área de mata (coisa bastante comum, já que eles precisam de florestas relativamente bem-preservadas e são muito visados por caçadores) pode gerar efeitos imprevisíveis e nocivos para o resto da fauna.
"Fora do Brasil, as pessoas têm usado isso como um forte argumento para proteger os grandes predadores", diz Penteado, que fez a análise em seu mestrado e agora cursa o doutorado na Unicamp. O papel regulador dos grandes carnívoros já havia sido verificado em florestas temperadas, mas é a primeira vez que sua vocação para fiel da balança ecológico é verificado numa mata tropical.
"Aparentemente, o que acontece é que a pressão dos predadores de topo acaba minimizando a competição entre os mesopredadores [como são conhecidos os carnívoros mais modestos]. Algumas espécies se dão melhor, outras pior, mas no geral a diversidade aumenta", afirma o biólogo.
Gatos paulistas
Para chegar a essa conclusão, Penteado monitorou nove fragmentos de mata atlântica do Estado de São Paulo, com tamanhos que iam de 12 hectares a 15 mil hectares, em observações que se estenderam por dois anos. Na imensa maioria dos casos, o grande predador em questão era a onça-parda, também conhecida como puma ou suçuarana (Puma concolor), embora em um fragmento também houvesse onças-pintadas (Panthera onca).
A técnica usada para estimar a população dos grandes gatos englobava uma caixa de areia na qual as pegadas ficavam facilmente marcadas. Na areia eram pingadas gotas de uma isca odorífera, que exala o cheiro de algumas espécies de carnívoro. Como ambas as onças são bichos solitários, o cheiro as atraía porque elas queriam defender seu território. "Iam ver quem estava invadindo o espaço. Algumas vezes chegavam a destruir a armadilha e urinar em cima", conta o biólogo.
Ao mesmo tempo, também era avaliada a diversidade de mesopredadores -bichos que, em território paulista, contam cerca de 12 espécies, como os felinos (jaguatirica, jaguarundi, gato-maracajá), canídeos (cachorro-do-mato, raposa-do-campo), furões e mãos-peladas.
O resultado final foi francamente favorável à relação entre a presença de onças e a diversidade: em média, florestas onde os felinos não pisavam tinham três ou quatro espécies de mesopredadores, enquanto os fragmentos com onças contavam com oito ou nove espécies de carnívoros mais modestos.
A presença benéfica dos felinos chegava a aparecer mesmo em fragmentos pequenos de mata, diz Penteado -desde que esses trechos estivessem próximos de outros pedaços de floresta. "É claro que, sem essa conectividade, os pumas não iam ter mesmo como chegar ali."
(Por Reinaldo José Lopes, Folha de S. Paulo, 19/08/2006)
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe1908200601.htm