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2006-08-21
A expansão acelerada do setor sucroalcooleiro nos últimos anos acendeu o sinal de alerta dos órgãos ambientais. Foi-se o tempo em que levantar uma usina exigia apenas relatórios simplificados, que eram liberados em poucos meses. Hoje, as secretarias pedem estudos rigorosos de impacto ambiental e chegam a gastar mais de dois anos para permitir a entrada em operação de uma unidade. É uma demora que tem tirado o sono de muitos usineiros, cujos planos para elevar a produção de açúcar e álcool são ousados.

A questão é polêmica. Enquanto os ambientalistas exigem rigor, os desenvolvimentistas pedem mais agilidade nas licenças para que o País não perca o bom momento do setor no mundo. A preocupação dos órgãos ambientais está na construção das usinas e formação das lavouras. “Mas os problemas não são intransponíveis. Os empreendedores só precisam cumprir as exigências para preservar o meio ambiente”, observa o diretor de avaliação de impacto ambiental da Secretaria Estadual de Meio Ambiente de São Paulo, Pedro Stech.

Para atender à demanda interna e externa, o setor terá de aumentar sua produção dos atuais 400 milhões de toneladas de cana-de-açúcar para 673 milhões, segundo estimativa da União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Unica). Isso significa montar, no mínimo, cem novas usinas com capacidade para moer cerca de 2 milhões de cana cada uma. O investimento pode chegar a US$ 14 bilhões, sem considerar a aquisição de terras. As projeções são feitas com base em três importantes fatores.

O primeiro deles é a crescente demanda de álcool com a expansão dos veículos bicombustíveis no Brasil, cuja frota completou na quinta-feira 2 milhões de veículos. Esses carros, com motor flex, já respondem por 77% das vendas de automóveis leves no País. No cenário externo, o combustível ganha cada vez mais espaço diante das preocupações ambientais e das incertezas em relação ao petróleo. Para completar o quadro positivo, o País deve se beneficiar da redução dos subsídios ao açúcar na União Européia. A expectativa é de que, em 2013, as exportações do produto atinjam 27 milhões de toneladas.

Segundo a Unica, hoje há no País 89 projetos de novas usinas, sendo 43% delas no Estado de São Paulo. Essa concentração, no entanto, pode ser um entrave ao rápido crescimento, pois tem implicações ambientais, afirma Pedro Stech. Segundo ele, algumas regiões não comportam um parque industrial, já que não têm pessoal suficiente para atender à demanda. “Isso significará a ida de muitas pessoas para essa área”, diz ele, explicando que pode haver um descontrole populacional.

O executivo afirma ainda que só neste ano já entraram cerca de 40 pedidos de licenciamento e planos de trabalho na secretaria. Alguns exigem a elaboração de Estudo de Impacto Ambiental (EIA-Rima), o que significa a realização de audiência pública para explicar o projeto e recolher opiniões da população. Se o estudo cumprir as exigências, o empreendedor obtém a licença prévia (LP) para dar início ao projeto.

Mas, para começar a construir, é necessário ter a licença de instalação e, por último, a licença de operação. Esse processo todo pode demorar até dois anos. Só a análise do EIA-Rima e a concessão da LP demoram, no mínimo, seis meses. Isso se for um projeto sem grandes complicações ambientais, afirma Stech. No momento, a secretaria analisa o Estudo de Impacto Ambiental de quatro usinas localizadas nas cidades de Itapura, Ilha Solteira, Olímpia e Promissão. Além disso, estão sendo avaliados outros 14 Relatórios Ambientais Preliminares (Raps) - documento similar ao EIA, mas com menos detalhamentos e usado para projetos de até 1,5 milhão de toneladas.

Para o secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, José Goldemberg, os usineiros não estão acostumados com tantas exigências. No passado, exemplifica, não havia nenhum cuidado com a lagoa de vinhaça, resíduo líquido altamente corrosivo, mas rico em potássio, usado na fertilização dos solos cultivados com cana. Hoje, ela tem de ser feita de concreto para não contaminar o lençol freático. A quantidade de água usada no processo também tem de ser controlada. Esse problema foi resolvido pelas usinas com a adoção de um ciclo fechado que reutiliza a água.

Na avaliação de Goldemberg, a expansão do setor, da forma como vem sendo calculada, tem de ser tratada com cuidado para não causar impactos ambientais. Em Minas Gerais, onde o número de projetos também é grande, a secretaria estadual passou a exigir EIA-Rima, afirma o superintendente do Sindicato de Açúcar e Álcool do Estado, Luciano Rogério de Castro. “Antes bastava fazer um Relatório de Controle Ambiental (RCA), que era menos abrangente. Agora leva-se entre um ano e meio e dois anos para concluir o processo de licenciamento.”

Castro afirma que há 21 projetos cadastrados na entidade, o que representa investimentos de US$ 2,8 bilhões e 35 mil novos empregos diretos. “Nesse ritmo, vamos atrasar em dois anos o processo de expansão, um prejuízo para o setor neste momento de grande discussão mundial sobre o uso do álcool.” Para a consultora da Unica, Laura Tetti, em artigo publicado na Revista Opiniões, “o processo ambiental fica reduzido a um jogo de entrave, medidas protelatórias, exigências e prazos dignos de desafiar a paciência de personagens bíblicos”.

A usina de Dracena, por exemplo, demorou mais de dois anos para começar a operar. Em dezembro do ano passado, ainda sem licença de operação, a empresa teve de vender a cana para outros produtores, pois ainda não estava habilitada a funcionar. Segundo a empresa, eles estavam cumprindo exigências feitas pela Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), ligada à Secretaria do Meio Ambiente do governo de São Paulo. A licença de operação foi concedida no início de agosto. Para os produtores, o licenciamento transformou-se em um verdadeiro obstáculo para os investimentos.

“A legislação é pertinente. Mas é preciso ter agilidade, pois a expansão vai trazer desenvolvimento para o País”, afirma o presidente da Usinas e Destilarias do Oeste Paulista (Udop), Luiz Zancaner. Na avaliação dele, o impacto desses atrasos no mercado vai depender de vários fatores. “Se o petróleo continuar subindo, o consumo do álcool vai aumentar. E temos usinas que poderiam entrar em operação mais rapidamente e não conseguem.”

Goldemberg afirma que um dos problemas para a demora na liberação das licenças são as próprias empresas, que têm dificuldade para cumprir as exigências. Ele destaca que não há muitas empresas especializadas em estudo ambiental para o setor. Mas as secretarias também têm de conviver com a falta de pessoal para avaliar projetos de inúmeras áreas.

Proibição de queimadas reduz corte de cana
Sidiclei Aparecido é cortador de cana. Nas mãos, segura o controle de uma colheitadeira, uma máquina enorme parecida com um gafanhoto feito de metal e força bruta que engole até 600 toneladas de cana por dia. Volume equivalente ao trabalho de 120 homens bem dispostos. Nem sempre foi assim. Por quatro safras, o paulista de Altinópolis tinha nas mãos apenas um facão para deitar a fileira interminável de cana sob o mesmo sol que hoje retira a umidade do ar. Sidiclei se diz “privilegiado”.

O corte manual da cana-de-açúcar está, neste momento, ameaçado não apenas pelas máquinas, mas pela situação ambiental de Ribeirão Preto. A escassez de chuvas fez com que a gerência do escritório regional da Cetesb suspendesse a queima da cana. Boa parte da produção moída nas usinas ainda é colhida após a queimada da palha.

A agência ambiental paulista tenta evitar o que já ninguém suporta: um quadro ainda pior da umidade relativa do ar, que está inferior a 20%. Além de Ribeirão Preto, a região de Barretos também está proibida de queimar canaviais.

A lei estadual que regula o assunto determina que, nessas condições, a queimada preparativa para o corte é proibida. Mas a suspensão das queimadas, que vigora há duas semanas sem interrupção em Ribeirão Preto, começa a criar dificuldades para os produtores. A Usina da Pedra, uma das três unidades do Grupo Irmãos Biagi, passou de 22 mil para 19,5 mil toneladas de cana moída por dia.

A usina deslocou os 250 cortadores para a região de Batatais, onde a umidade do ar está mais alta e não houve a restrição para as queimadas. “As áreas de cana em Batatais não são muito extensas. Não tenho muito trabalho lá, caso não volte a chover, a solução será cortar a cana crua, sem a queima”, explicou Hebert Trawitzki, gerente de Produção, Colheita e Transporte da Usina da Pedra.

Há várias razões para se evitar o corte em canavial cheio de palha, com a cana crua. O rendimento dos trabalhadores cai e custo da mão-de-obra dobra, assim como os riscos, inclusive de queimada acidental.

A situação climática obrigou a usina a abandonar o planejamento elaborado para queimadas e cortes. “Estamos trabalhando fora do plano inicial, não teve jeito”, disse Trawitzki.

A situação só não é pior por que a região de Ribeirão Preto, capital da cana no Brasil, tem um dos melhores índices de mecanização do corte. A própria Usina da Pedra tem mecanizada a colheita de 85% da área própria. “O problema mais sério é sentido pelos fornecedores de cana para a usina. Aqueles que não têm corte mecanizado estão parados.”

Vigilância
Não há como fugir da regra. O calor escaldante e o ar seco tornam o ambiente hostil. A Cetesb e o Ministério Público do Meio Ambiente de Ribeirão Preto são os responsáveis pelo acompanhamento da situação. Por enquanto, o setor tem cumprido a ordem de suspender o fogo nos canaviais. Segundo Marcelo Goulart, promotor do Meio Ambiente, as queimadas são, de longe, o pior problema ambiental da região.

Ele criticou a lei que definiu um prazo para o setor parar definitivamente as queimadas. Isso deverá ocorrer em 2020. “Poderia ter sido antes, mas essa lei - que não é reconhecida pelo Ministério Público - concedeu mais prazo para a mecanização. Depois da lei, o setor reduziu os investimentos.” O setor garante que tem cumprido a regra de cortar pelo menos 35% da área com colheitadeira, mas se queixa que falta uma adequação tecnológica do equipamento para zerar o corte manual. Hoje, há limitações de terrenos para o uso da colheitadeira.
(Por Renée Pereira, O Estado de S. Paulo, 20/08/2006)
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