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2006-08-21
Marina Silva subiu ao Ministério do Meio Ambiente há 4 anos falando em transversalidade. Na lexicografia petista, o termo deixou seu significado mais humilde, registrado em dicionários, de ser a qualidade de atravessar perpendicularmente um ponto referente, para ganhar significado mais ambicioso. No conceito da ministra, aplicar a palavra à política ambiental do governo significava dar-lhe um caráter interdisciplinar, mobilizar em torno dela boa parte dos ministérios e transformar o meio ambiente em parte efetiva do planejamento de políticas públicas. Infelizmente, a tese foi mal absorvida no governo Lula.

Durante um seminário organizado pelo PT em Brasília, sobre os quatro anos no poder, um militante chegou a dizer que “existe uma política ambiental do Ministério e outra do governo Lula”. O orçamento do MMA aumentou durante a atual gestão, mas ainda é o sexto mais pobre da Esplanada e sofreu cortes progressivos por conta do contingenciamento fiscal. Este ano, a redução foi de 3,6%. Para o diretor de Políticas Públicas da Conservação Internacional (CI), Paulo Gustavo Pereira “meio ambiente não é prioridade desse governo”.

Divergências internas, por exemplo, entre o MMA e os ministérios da Agricultura (MAPA) e Desenvolvimento (MDIC) ficaram claras com a aprovação da Lei de Biossegurança (11.105/2005). No debate sobre a regulamentação de pesquisa e uso comercial de transgênicos, a equipe de Marina defendeu a aplicação de licenciamento ambiental. Mas para a alegria dos ruralistas, a queda de braço foi vencida pelos ministros Roberto Rodrigues e Luiz Fernando Furlan. A lei aprovada deu plenos poderes à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBIO) para a liberação de transgênicos no país. “Fomos derrotados, não há dúvidas”, avalia Claudio Langone, secretário-executivo do MMA. Embora ressalte que houve avanço na regulamentação da atuação da CTNBIO, que só pode deliberar pontos que tiverem dois terços de votos favoráveis, ele vê atualmente um “recrudescimento no discurso conservador”, já que a ala ambiental do governo está sendo culpada pelo mau funcionamento da Comissão.

Outra mostra de que meio ambiente não encontra as portas abertas na Esplanada é a paralisação de uma das medidas mais esperadas da gestão Marina Silva: a aprovação de um projeto de lei que regule o acesso aos recursos genéticos da biodiversidade nacional. O tema foi uma das principais bandeiras da ministra durante sua passagem pelo Senado. Ela foi a primeira senadora, em 1995, a apresentar um projeto que visava evitar casos de biopirataria e estimular pesquisas com a biodiversidade. Atualmente, o acesso a recursos genéticos é normatizado pela Medida Provisória 2186-16 de 2001, e Marina, bem como muitos de sua equipe, sempre se opôs ferozmente a este instrumento. Contudo, o consenso para uma regra clara não foi alcançado em função da eterna disputa entre MMA e MAPA .

Cabo de guerra
Uma nova versão do projeto de lei está parada há quase dois anos na Casa Civil. De acordo com o secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Ribeiro Capobianco, o MAPA não aceita que pesquisas com alimentos tenham que passar pelo crivo da lei de recursos genéticos. A solução proposta pela Casa Civil foi a criação de um capítulo específico para o tema, mas a Agricultura não aceita e quer fazer um projeto de lei separado para regrar o acesso na produção de alimentos. Capobianco garante que a Casa Civil é quem terá a palavra final e é provável que o projeto entre agora em fase de consulta pública para ser enviado ainda este ano ao Congresso. “Temos esperança que ele possa ser aprovado pois esse é um tema absolutamente essencial”, afirma.

Como a falta de consenso entre ambientalistas e ruralistas se estende e se fortalece no Congresso, é possível imaginar que o PL de acessos a recursos genéticos será alvo de um debate acirrado. Basta olhar para o Projeto de Lei da Mata Atlântica (PL 3285/1992) que transita há 14 anos na Casa. No primeiro semestre de 2006, o governo conseguiu colocá-lo entre os projetos prioritários a serem votados, mas um reduzido grupo de parlamentares da bancada ruralista diz não estar satisfeito com o formato final do texto. O ponto pendente é a indenização por remanescentes de mata atlântica. Como a nova lei impedirá a derrubada de qualquer trecho de floresta conservado, mesmo aqueles que estão fora de áreas de preservação permanente e reservas legais, os ruralistas entendem que os proprietários devem ser indenizados pelo potencial econômico supostamente perdido ao serem proibidos de cortar a mata.

Na visão do deputado federal Xico Graziano (PSDB-SP), um defensor ferrenho do setor agropecuário, o “radicalismo” do MMA encontrou respaldo entre os ruralistas, que radicalizaram do outro lado. “O erro de Marina foi continuar acentuando esta polarização entre o bem e o mal”, conclui. Luciano Zica, deputado do PT (SP) que foi relator do projeto, diz que os lobbies dos ruralistas e da especulação imobiliária são um dos mais fortes e atuantes no Congresso. Para o diretor da SOS Mata Atlântica, Mario Mantovani, o PL da Mata Atlântica ganhou nesta gestão força nunca vista, mas talvez a necessidade de fortalecer o lobby do meio ambiente seja a maior lição deste período Marina Silva. “As Ongs não conhecem o Congresso, temos um trabalho muito mais reativo do que de negociação. O lobby dos ruralistas é que é muito bom, eles estão de parabéns”, ironiza.

É bom, mas não é imbatível, como mostrou a aprovação, em 11 meses, da Lei de Gestão de Florestas Públicas (11.284/2006), sancionada em março pelo presidente Lula. A norma busca, através de concessões à exploração florestal em áreas públicas, estimular um desenvolvimento que preserve mais do que degrade. “Este será o maior legado da gestão de Marina Silva, porque leva o Estado à Amazônia”, aposta Paulo Gustavo Pereira.

Já o superintendente do Fórum Brasileiro das Indústrias de Base Florestal, Fernando Castanheira, questiona a eficácia da nova lei. “A aprovação foi apenas um passo, falta muito para implementar”, pontua. A questão mais relevante em sua opinião é se valor dos bens florestais a serem explorados em áreas públicas será suficiente para manter a floresta em pé. “O problema da Amazônia não é a madeira e sim a terra e não se sabe se essa lei vai atingir realmente a questão fundiária, é preciso valorizar os produtos florestais”, afirma Castanheira.

Ícone governamental
A questão fundiária é uma questão central para a implementação tanto da Lei de Gestão de Florestas Públicas quanto dos 20 milhões de hectares de áreas protegidas criados na gestão de Marina Silva. Langone reconhece o desafio e diz que existe uma estratégia de financiamento onde os recursos devem vir principalmente da renda da compensação ambiental, de projetos internacionais, como o ARPA, e o plano de uso público de Parques Nacionais. Quanto aos recursos humanos, ele conta que uma das principais dificuldades é deslocar funcionários concursados para locais isolados, mas isso poderia ser resolvido com a tercerização dos cargos não gerenciais.

Para Langone, o MMA ganhou a briga sobre o modelo de desenvolvimento na Amazônia lançando as sementes de uma economia florestal mais valiosa do que a atividade agropecuária. “Há quem discorde, dizendo que criamos muitas unidades de uso sustentável, mas o importante é que existe um planejamento”, diz o secretário-executivo ao lembrar que o governo do Pará segue o mesmo caminho ao criar um conjunto de florestas estaduais para a exploração sustentável.

O Pará foi alvo de um dos principais projetos do Ministério: o Plano da BR-163 Sustentável, que inclui o primeiro distrito florestal do Brasil. Ele foi lançado em junho deste ano e costurado entre 22 ministérios com o objetivo de licenciar o asfaltamento da rodovia Cuiabá-Santarém. A ala ambiental do governo condicionou a emissão da licença à criação de um conjunto de unidades de conservação, que por fim somaram 10,8 milhões hectares.“A BR-163 se tornou um caso ícone de planejamento dentro do governo e de diálogo com sociedade porque não tratou o desenvolvimento econômico de forma isolada”, pondera Paulo Moutinho, pesquisador do Instituto de Pesquisas da Amazônia (IPAM).

O caso da BR-163 mostra que a gestão de Marina obteve melhor desenvoltura na agenda verde, aquela que lida com temas de florestas e biodiversidade. Nesses pontos conseguiu-se estruturar planos governamentais que contemplam as questões de meio ambiente. Um bom exemplo é o Plano de Combate ao Desmatamento da Amazônia, o qual a ministra se orgulha em dizer que 13 ministérios participam. Dez operações do MMA foram feitas em conjunto com a Polícia Federal e quadrilhas de madeireiros foram desmanteladas levando à prisão 271 pessoas, sendo 78 funcionários do Ibama. Além disso, nestes três anos e meio, 120 ações de fiscalização foram realizadas. Os resultados apareceram no ano passado, quando o índice de desmatamento na Amazônia caiu em 31%.

Nem só governo
Moutinho do IPAM lembra que nem toda a queda pode ser atribuída à ação governamental. As commodities, principalmente a soja, perderam valor no mercado internacional contribuindo para a paralisação do avanço da fronteira agrícola no Norte. Assim mesmo, diz ele, é preciso dar crédito às ações de combate à ilegalidade uma vez que se observou em algumas regiões da Amazônia queda de 80% no ritmo de derrubada da floresta.

No entanto, o mesmo empenho não foi colocado pela equipe de Marina na chamada agenda marrom, que trata de temas urbanos, como saneamento, áreas contaminadas e resíduos sólidos. O professor da Universidade São Paulo Pedro Jacobi, considerado um dos grandes especialistas nesses temas, avalia que a dificuldade em avançar se deve á falta de políticas ambientais voltadas especificamente para os municípios e de modelos sustentáveis que passem a atuar na área de serviços urbanos. “Hoje a gestão dos resíduos é dominada por oligopólios, que são os únicos capazes de lidarem com um volume extremamente significativo de recursos financeiros”, analisa.

Langone diz que o MMA tem tentado aumentar a capacidade das cidades em lidar com questões ambientais através dos programas de treinamento de gestores municipais e também delegando funções, como o licenciamento local. No caso dos resíduos o grande nó é a responsabilidade pós-consumo, argumenta. “O setor privado não quer assumir a responsabilidade de modo impositivo, só através de ações voluntárias.”

Lacunas como estas, acredita Langone, só serão supridas com o aumento de capacidade de planejamento por todo o setor ambiental. “Para se ter a transversalidade é preciso ter força política na ponta e técnicos bem preparados na base”, resume. Ele defende que esta gestão do MMA caminhou neste sentido ao contratar permanentemente 940 novos funcionários para o IBAMA e 280 para o ministério.

Falta de estímulo
Esse aumento de mão de obra permitiu também agilizar um outro tema polêmico: licenciamento ambiental. No primeiro ano de governo, a Associação Brasileira de Infra-Estrutura e Indústria de Base (Abdib) organizou seminários e estruturou um grupo temático de meio ambiente que visava resolver “os entraves” dos licenciamentos ambientais. Números indicavam que 7 bilhões de dólares em investimentos estavam parados em função de impasses ambientais. Na época, Antônio Ermírio de Moraes, presidente do grupo Votorantim chegou a dizer que “meia dúzia de ambientalistas” não poderia impedir o aproveitamento do potencial hidrelétrico do país.

O Ibama e o MMA buscaram diálogo com os empresários e criaram um grupo de trabalho, em abril de 2004, para discutir a questão. Como resultado, se criou um modelo que tornou obrigatória a obtenção de licença ambiental prévia para empreendimentos que entram em leilões de geração de energia. “É, no mínimo, inconcebível o Estado conceder uma obra à iniciativa privada que não pode ser construída porque o mesmo Estado considera que os impactos ambientais são grandes demais para permitir a obra. O conceito de transversalidade contribui para conferir mais estabilidade, previsibilidade e segurança regulatória ao setor de infra-estrutura”, afirma o presidente da Abdib, Paulo Godoy.

Mas há quem acredite que a relação com o setor privado ainda está aquém do satisfatório. Para Paulo Gustavo Pereira, da CI, o diálogo falho da equipe de Marina com o setor privado é responsável pelas maiores lacunas desta gestão. “Nada se fez para dar estímulos aos produtores adotarem uma estratégia de desenvolvimento sustentável”, diz ao citar a falta de políticas de crédito e fomento à produção mais limpa. “O ministério perdeu muito tempo com brigas intragovernamentais e fechou os olhos para problemas sérios”, critica.
(Por Gustavo Faleiros, OEco, 19/08/2006)

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