Desde o fim do ano passado, a Reserva Barbacena, localizada na pacata cidade de São Pedro do Ivaí, no noroeste do Paraná, recebe R$ 8.823 por mês por manter parte de sua floresta nativa em pé. O dinheiro tem um só objetivo: garantir que a área verde particular continue viva e saudável.
E ela está. O recurso pago pelo município permitiu melhorias significativas em Barbacena. A reserva de 554 hectares contratou um guarda-parques para inibir a ação de ladrões de palmito e fechou parceria com a Embrapa para a datação das espécies vegetais e animais que habitam o espaço. Além disso, desenvolve um programa de educação ambiental com a comunidade, que faz visitas monitoradas nas trilhas da floresta. Dentro da mata, não se vê um papel no chão. "Tentamos mostrar o que é que a área verde tem a ver com essa gente, a importância dela para a cidade", diz a bióloga Fabiana Maestá, responsável pela gestão da reserva.
A floresta é pequena quando se olha ao redor - quilômetros a perder de vista de plantações de cana-de-açúcar, que avançam rapidamente nessa região e abastecem uma das maiores usinas de açúcar e álcool do Paraná. Mas, quando questionada, a população sabe na ponta da língua: aquela área verde, ali no meio da cana, é boa para a imagem e dá dinheiro à cidade.
São Pedro do Ivaí, com seus pouco mais de 11 mil habitantes, passou a receber 10% mais em repasses do Estado justamente por ter conseguido preservar as áreas verdes de Barbacena, graças a um programa inédito desenvolvido pelo Paraná e que tem acelerado o crescimento de áreas de preservação na região.
A idéia do programa é estimular a criação da chamada Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN). Na prática, entrega nas mãos do proprietário da área preservada parte de arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) que antes ficava com as prefeituras.
Qualquer pessoa que tenha uma floresta nativa pode fazer dela ou parte dela uma RPPN. Pela lei federal, o direito de propriedade é mantido, mas o particular assume o compromisso irretratável de preservar a área verde - o que impede o desmatamento. Em troca, ganha isenção do Imposto Territorial Rural (ITR) e maior acesso a crédito.
Independentemente da regulamentação federal, porém, cada Estado pode criar estímulos próprios para ampliar essas áreas verdes particulares. No Paraná, as RPPNs são levadas em conta na hora de definir a fatia que cada município terá do ICMS que o Estado arrecada e repassa às prefeituras. As RPPNs fazem parte do chamado ICMS ecológico, repassado em função de áreas verdes preservadas.
O que o Paraná está fazendo de novo é garantir que parte do ICMS ecológico recebido pelos municípios seja repassado aos proprietários das RPPNs. "A idéia é premiar quem preserva as áreas verdes", afirma Wilson Loureiro, do Instituto Ambiental do Paraná (IAP).
Foi um trabalho meticuloso e longo. A iniciativa começou a ser articulada em 1998 e envolveu Ministério Público, Tribunal de Contas do Estado, o Instituto Ambiental do Paraná e a Associação Estadual de RPPNs. Segundo Wilson, o parecer das autoridades foi fundamental para lastrear o programa e garantir sua viabilidade e também dar transparência aos processos. "Sentimos o peso de fazer bem feito por sermos os primeiros", diz.
De acordo com o estabelecido pelo Tribunal de Contas do Estado e pelo Ministério Público cada centavo do dinheiro deve ser aplicado na preservação da área verde. E os proprietários são obrigados a prestar contas a cada fim de ano.
Em São Pedro do Ivaí, o entusiasmo com o programa é generalizado. A reserva Barbacena é da família de Watt Longo. Quem administra e presta contas da RPPN é a Usina Vale do Ivaí, da qual os Watt Longo são sócios majoritários. "A RPPN trouxe benefícios institucionais incalculáveis", diz Marcos Rogério Vindoca, gerente de Recursos Humanos da usina. Ele diz que ao solicitar um financiamento do BNDES, a usina ganhou pontos ao exibir em seu balanço socioambiental a RPPN mantida por ela.
Atualmente, há 189 RPPNs no Paraná. Apenas sete fecharam o convênio de repasse aos proprietários, mas Loureiro, da Associação Estadual, estima que esse número deva subir para 42 ainda este ano.
A previsão é otimista, pois a receptividade ao programa não é unânime. A 30 km de São Pedro do Ivaí, a cidade de Lunardelli enfrenta dificuldades em convencer novos proprietários a transformar suas áreas verdes em RPPN. São duas as críticas: a necessidade de justificar o uso dos repasses e a rigidez da RPPN, que proíbe a derrubada de uma árvore sequer.
"Isso é uma condenação perpétua", diz o engenheiro florestal Josef Schleiss, que administra as únicas duas RPPNs da cidade, a Suíça I e a Suíça II. "Desse jeito, esse programa está fadado ao fracasso."
Segundo ele, os proprietários não acreditavam que a proteção à floresta fosse tão rígida, com uma proibição perpétua de desmatar as áreas registradas como RPPN. "Muitos proprietários dizem se sentir ludibriados pelos prefeitos".
Schleiss é franco ao contar sobre a origem das RPPNs. A história passa longe de qualquer preocupação com o meio ambiente. "O prefeito anterior estava com o município em situação apertada. Por isso, ligou para os proprietários e pediu que registrassem as propriedade como RPPN". Mais RPPNS, afinal, garantiriam mais receita à cidade.
O recebimento e uso do repasse de ICMS ecológico também é outro problema. Como não possui outras áreas de preservação, Lunardelli passou a receber o ICMS ecológico somente em função das duas RPPNs. O convênio para o repasse aos proprietários foi assinado em 2003, mas o prefeito anterior ameaçou segurar o dinheiro. Representantes dos proprietários de RPPN da cidade prometeram levar a questão à Justiça e apenas em março de 2005 passaram a receber sua cota do ICMS pontualmente.
A ameaça funcionou, já que o acordo paranaense costurado com as instituições públicas prevê que, no caso de quebra do acordo, os proprietários das RPPNs podem entrar com pedido de cancelamento do repasse total do ICMS ecológico ao município.
"Desde que eu assumi, pago direitinho. Perder esse recurso seria um suicídio para o município", diz o atual prefeito de Lunardelli, Célio Pinto de Carvalho (PMDB), no cargo desde 2005. No caso dessa cidade, o repasse é muito importante na receita mensal. Em julho, Lunardelli recebeu repasse de ICMS de R$ 112 mil, dos quais R$ 50 mil foram em função das RPPNs. Cada propriedade recebeu R$ 5 mil. Em média, entre 10% e 80% do ICMS verde recebido pelos municípios é repassado aos proprietários.
Apesar das queixas, as RPPNs de Lunardelli trouxeram alguns efeitos positivos. Benedito de Jesus, pelo menos, ganhou um emprego fixo como guarda-parque das duas propriedades, com salário de R$ 460. "Antes havia muito ladrão de palmito. Desde que eu cheguei, só dois bandos entraram na propriedade", conta, resumindo o principal resultado da sua contratação.
Pelas contas de Schleiss, antes da contratação de Benedito foram retirados da mata cerca de 5 mil pés de palmito. Depois, houve só duas invasões. Numa, o bando levou 500 pés. O outro foi preso.
Ao contrário dos proprietários, as prefeituras não precisam destinar os recursos do ICMS verde para a área ambiental. "Uso esse dinheiro para recuperar estradas de terra, pagar profissionais da saúde e educação", diz o prefeito. "Mas para os fazendeiros, R$ 5 mil não é nada. Eles preferem fazer o que quiser a ficar preso no acordo."
Em São Pedro do Ivaí a aplicação dos recursos tem sido diferente. Graças à área verde de Barbacena, o município aumentou o seu repasse de ICMS em R$ 15 mil por mês, dos quais R$ 6 mil (40%) ficam para a prefeitura e o resto para a RPPN. O município recebe em média R$ 200 mil mensais de transferência do imposto.
Não é tanto se comparado com o incremento financeiro gerado em Lunardelli, mas seu impacto será sentido logo: a prefeitura acertou a compra de um terreno de 3,5 hectares para construir o primeiro aterro sanitário da cidade. "Apesar de ser um recurso livre, procuramos investir na área ambiental", diz a prefeita Cristiane Zulian (PMDB). O dinheiro arrecadado no plano de aplicação deste ano será destinado à construção de um projeto urbanístico com quadras e playground - tudo o que a cidade ainda não tem.
Resta saber se o programa realmente trará consciência ecológica. Em Lunardelli, garrafas plásticas deixadas pelos palmiteiros presos em dezembro encontravam-se na mata até a última semana.
(Por Bettina Barros e Marta Watanabe,
Valor Econômico, 18/08/2006)