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2006-08-18
Quem compra uma ação olha antes de mais nada se a empresa terá lucro no longo prazo. No entanto, esquece do principal: se ela continuará existindo no futuro. Para tanto, a empresa precisa ter características que garantam sua perpetuidade, como preocupações com o meio ambiente e a sociedade. Essa preocupação, que ganha força junto aos administradores de recursos internacionais, levou 211 investidores institucionais no mundo inteiro - dos quais 15 brasileiros - , que administram US$ 31 trilhões, a aderir ao projeto britânico Carbon Disclosure Project (CDP). O objetivo é saber o que as 500 maiores empresas abertas do mundo estão fazendo para reduzir a emissão de gás carbônico (CO2), um dos gases que provocam o superaquecimento do planeta. Este ano, pela primeira vez desde 2002, quando o projeto começou, as companhias brasileiras também serão analisadas.

O projeto escolheu as 50 empresas com maior liquidez entre as 100 ações do Índice Brasil (IBrX) da Bovespa. Nos últimos meses, elas receberam um questionário com dez perguntas descritivas relacionadas à mudança climática. O resultado da enquete mundial será divulgado em setembro, em Nova York, com a participação do ex-vice presidente americano Al Gore.

Embora os números não estejam fechados, sabe-se que mais da metade das 50 empresas brasileiras respondeu ao questionário. Para uma primeira pesquisa no país, esse percentual foi considerado muito bom. Em outras regiões pesquisadas, a participação foi inferior. O percentual de respostas do Brasil também é alto comparado a anos anteriores de outros países. Na primeira pesquisa mundial, por exemplo, apenas 47% de todas as empresas consultadas responderam.

Os investidores estão interessados em questões práticas - e decisivas - sobre as companhias de capital aberto, alvos dos seus aportes. Essas empresas sabem quantas toneladas de carbono jogam na atmosfera? Estão fazendo algo para diminuir essas emissões? Têm planos de alterar sua matriz energética? O que eles querem saber é a real preocupação dos empresários com as mudanças climáticas no mundo, como eles entendem que isso afeta seu trabalho e quais as políticas que adotaram a partir disso.

"As mudanças climáticas representam riscos e oportunidades para as empresas", diz Giovanni Barontini, da Fábrica Ética Brasil, consultoria ambiental que está coordenando o trabalho no país. "Os fundos de pensão, reunidos no CDP, querem hoje estar bem informados sobre a postura empresarial em relação a isso". O projeto tem o patrocínio do ABN Amro Real e da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp).

Entre os investidores brasileiros que aderiram ao projeto estão fundos de pensão do porte da Previ, Petros, Fundação Cesp, gestores como Unibanco Asset Management (UAM) e bancos como Caixa Econômica Federal (CEF) e Banco do Brasil. Eles não estão mais preocupados com a forma que as empresas lidam com o meio ambiente por filantropia. "Essas informações reduzem o risco de surpresas desagradáveis, como multas ambientais, em empresas onde investimos", afirma o presidente da Petros, Wagner Pinheiro.

A partir do ano que vem, a fundação passará a utilizar os resultados do CDP como mais um instrumento de análise para escolher onde irá investir. A Petros pediu para as empresas das quais participa do bloco de controle que respondessem ao questionário. "Isso acaba de forma indireta fazendo com que se comprometam com os dados que divulgaram", diz Pinheiro.

A fundação já vem colocando essas preocupações em seu dia-a-dia. Na política de investimento que valerá entre 2006 e 2010, colocou critérios de governança corporativa e responsabilidade social para escolher as companhias. Pinheiro estima que, nos próximos dois ou três anos, as empresas que não se preocupam com tais temas estarão totalmente excluídas da carteira do fundo. A tendência dos fundos de pensão de olhar para essas questões começou há alguns anos. "Os primeiros foram os fundos de entidades cristãs dos EUA e hoje isso faz parte da agenda dos grandes investidores também da Europa", diz o superintendente de educação e desenvolvimento sustentável do Real, Carlos Nomoto.

Assim como com as boas práticas de governança, ainda é difícil mensurar quais os impactos das medidas socioambientais no resultado das empresas. O relatório com o resultado do CDP do ano passado aponta, no entanto, que o custo das emissões de carbono pode corroer até 45% do lucro das companhias. É impossível imaginar que isso não se reflita no preço das ações.

"As preocupações socioambientais já são um fator de diferenciação entre as companhias e pesam no bolso", diz o gerente da unidade de negócios florestal da Suzano Papel e Celulose, Luiz Cornacchioni. O consumidor já não compra produtos de uma empresa com imagem ruim. Também existe o mercado de crédito de carbono, no qual as empresas podem ter ganhos vendendo papéis que representam medidas de redução na emissão de gases, como investimento em florestas. A Suzano colocou três milhões de toneladas de créditos de carbono à venda na Chicago Climate Exchange (CCX) - uma bolsa que negocia especificamente ativos ambientais. Em 2004, a tonelada era negociada por volta de US$ 1,17 e hoje está em torno de US$ 4,60. "Aos preços de hoje, podemos ter um ganho de US$ 13,8 milhões só com a venda desse créditos", diz Cornacchioni. Ele acredita que as vendas devem ocorrer nos próximos meses e refletir no resultado deste semestre.

A quarta edição do CDP abriu mais o escopo, passando de 500 para quase 2 mil empresas de capital aberto de vários setores da Austrália, Japão, Canadá, Alemanha, França, Reino Unido e EUA. O Brasil é o único país em desenvolvimento incluído. Segundo Barontini, a presença de patronos de peso, como ABN e Abrapp, foi determinante.

"Não conseguimos ainda analisar profundamente os relatórios, mas já dá para perceber que o conteúdo é tímido", diz ele. "Muitas empresas brasileiras não têm sequer o inventário de carbono (medição das toneladas de CO2 produzidas)." A Suzano Papel e Celulose, por exemplo, ainda precisa terminar o inventário de algumas unidades. "Estaremos com tudo pronto para o CDP do ano que vem e participaremos, com certeza", diz Cornacchioni.

A Votorantim Papel e Celulose, que respondeu ao questionário, já realiza o inventário das emissões dos gases que provocam o efeito estufa (GEE) de todas as suas unidades industriais, em linha com a sua política de sustentabilidade. "Não acompanhar as mudanças climáticas seria um risco, perderíamos oportunidades de projetos, como o de negociação de carbono", diz Umberto Cinque, gerente de meio ambiente da empresa.
(Por Bettina Barros e Daniele Camba, Valor Econômico, 18/08/2006)
http://www.valoronline.com.br/valoreconomico/285/eueinvestimento/49/Lucro+ambiental,,,49,3853888.html

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