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2006-08-18
Arankartuktaram! Nos respeitem”, exclamam em sua língua as comunidades indígenas achuar desde o coração da Amazônia do Peru. O grito se dirige ao Estado e às empresas multinacionais que fazem prospecção e exploram de hidrocarbonetos. Após mais de 30 anos sofrendo contaminação ambiental em seus territórios, o povo achuar da bacia do Rio Corrientes, na selva peruana, estuda iniciar ações legais contra as empresas responsáveis pelos danos. Este seria o primeiro caso levado às instâncias judiciais pelos povos indígenas neste país. As atividades de exploração petrolífera em territórios indígenas começaram com a presença da norte-americana Occidental Petroleum Corporation (Oxy), na década de 70.

A partir de 1996, a companhia de capital argentino Pluspetrol Norte vem operando nas bacias altas dos Rios Pastaza, Corrientes e Tigre, e desde 2000 ampliou sua área de intervenção. Na última assembléia indígena, realizada nos dias 5 e 6 deste mês, os apus (chefes) dos indígenas acusaram novamente as companhias de petróleo de atentarem contra a saúde e o meio ambiente do povo achuar, da bacia do Rio Corrientes. Essa etnia se encontra localizada no departamento de Loreto, norte do país, e conta com 31 comunidades que agrupam cerca de oito mil pessoas, das quais entre três mil e quatro mil são vítimas diretas da exploração petrolífera, segundo a organização não-governamental Racimos de Ungurahui, que trabalha na defesa dos direitos do povo achuar.

“Existe uma violação sistemática de nossos direitos por parte do Estado em cumplicidade com as companhias. O governo não é capaz de punir os que contaminam nossos rios e territórios. Por isso, pensamos em tomar ações”, disse à IPS Robert Guimarães, vice-presidente da Associação Interétnica de Desenvolvimento da Selva Peruana (Aidesep), que reúne 47 federações e seis organizações regionais indígenas. Guimarães, junto com a Federação de Comunidades Nativas do Rio Corrientes (Feconaco), reiterou sua denúncia desde um salão do Poder Legislativo, onde compareceu no último dia 9 para participar de um encontro por ocasião do Dia Internacional dos Povos Indígenas.

A direção da Aidesep considera que há suficientes elementos probatórios para processar as empresas. Um dos informes mais reveladores é do Ministério da Saúde, no qual se alerta, pela primeira vez por parte do Estado, sobre as altas concentrações de cádmio e chumbo no sangue dos achuar. A pesquisa governamental “Visita de reconhecimento para a avaliação da qualidade sanitária dos recursos hídricos e mostra biológica nas comunidades da bacia do Rio Corrientes”, divulgada em maio deste ano, contém um relatório científico sobre a presença de metais pesados na população indígena, que foi elaborado com resposta a uma solicitação da Feconaco. Neste estudo foram analisadas amostras de 199 pessoas, 74 delas crianças entre 2 e 17 anos.

O informe revelou que 98,6% dos menores da área da bacia do Rio Corrientes que foram examinados superavam os limites de cádmio, de 0,1 miligrama por litro de sangue, enquanto 97,3% ultrapassavam inclusive a concentração habitual deste metal em fumantes, de 9,2 miligramas, embora as pessoas analisadas não tivessem o hábito de fumar. Além disso, 37,8% dos menores apresentavam níveis de risco, isto é, com concentrações de 0,21 a 0,5 miligramas de cádmio por litro de sangue, e 59,4% ultrapassavam o limite de tolerância (LTB) de cádmio, superior a 0,5 miligramas. O cenário foi semelhante nas amostras da população adulta.

Os resultados sobre detecção de chumbo entre os menores de idade foram preocupantes: em 66,2% do casos “supera o limite estabelecido para o chumbo em população infantil (até 10 miligramas por litro de sangue)”, enquanto entre os maiores de 18 anos verificou-se que as concentrações deste metal estavam abaixo dos limites aceitos, de 20 miligramas por litro de sangue.

Segundo o informe La Oroya não Espera, elaborado pela Associação Interamericana para a Defesa do Ambiente e pela Sociedade Peruana de Direito Ambiental, a alta concentração de cádmio no sangue pode provocar dano e câncer pulmonar, doenças dos rins, enfraquecimento dos ossos, enfisema, bronquite crônica, doenças do coração e depressão do sistema imunológico. Já a concentração de chumbo afeta o sistema nervoso, com risco para o cérebro e os rins.

Entretanto, os representantes da Pluspetrol Norte não admitem a responsabilidade do consórcio na contaminação dos moradores porque afirmam, que, com verificou o próprio relatório governamental, a concentração de chumbo nas águas está abaixo dos limites permitidos. Entretanto, o documento esclarece que não existem dados sobre a presença de outros metais pesados no rio, como cádmio e cobre, porque não foi possível fazer uma avaliação por razões metodológicas.

A Pluspetrol Norte é uma das filiais peruanas da argentina Pluspetrol e tem desde 2004 a estatal chinesa National Petroleum Corporation – principal produtora de petróleo da China – como co-proprietária em 45% de participação. Em 2004, a Pluspetrol Norte era responsável por 54% da produção nacional de petróleo. “A empresa segue os parâmetros exigidos por lei. Cremos que o informe do ministério é sério, mas não se pode assegurar que os níveis de contaminação no sangue se devam à presença de metais pesados nos rios. Não se pode estabelecer uma relação direta entre uma e outra coisa”, disse à IPS um funcionário da companhia.

Racimos de Ungurahui, entretanto, afirma que para determinar o grau de contaminação dos rios se deveria analisar a composição dos sedimentos. Mas isto é difícil, pois como esclarece a avaliação do Ministério da Saúde, “no Peru não existe uma norma técnica estabelecendo valores-limites para avaliar metais pesados, hidrocarbonetos totais de petróleo e outros parâmetros em sedimentos”. A observação se baseia no fato de o nível das águas dos rios da selva subir e baixar rápida e constantemente, e, portanto, os restos dos metais pesados se perdem no caudal e acabem se sedimentando de maneira rápida.

A ONG assegura que há contaminação nas lagoas e nos lagos, onde as comunidades se abasteciam de pescado, e que foram afastados os animais selvagens, que eram alimento dos moradores. Trata-se, de acordo com um documento da Racimos de Ungurahui, de uma cadeia de danos originada pela atividade petrolífera que se converte “em um instrumento de violação de um dos direitos fundamentais dos moradores: a alimentação”. Como resultado de um congresso dos povos indígenas de Loreto, realizado entre 20 e 24 de julho, a Organização Regional Aidesep Iquitos (Orai) exigiu a criação de “mecanismos de controle sanitário permanente para prevenir futuros problemas de saúde nos povos indígenas em áreas de exploração petrolífera” e que se declare a bacia do Rio Corrientes em estado de emergência ambiental.

No pronunciamento da Orai, os indígenas também exigem do Estado e da Pluspetrol Norte a descontaminação do território achuar e a aplicação de tecnologia de ponta (limpa) na região em que opera, durante toda a exploração. Guimarães, em nome das comunidades afetadas, disse que é urgente a reinjeção das águas de produção, atender os passivos ambientais e evitar as atividades de novas companhias petrolíferas em território achuar. A este respeito, o ministro de Minas e Energia, o arquiteto Juan Valdivia Romero, disse à IPS que funcionários do ministério mantêm reuniões com os diretores da Pluspetrol Norte para que acelerem os trabalhos de reinjeção das águas residuais de produção no subsolo, com método de disposição ambiental aceitável.

Sobre o conjunto dos danos ambientais produzidos pelas companhias de petróleo, Romero afirmou que “reconhecemos a importância que tem para as comunidades a rápida redução dos passivos ambientais. Desde a direção de fiscalização, exigimos da empresa o rígido cumprimento das normas”. Por sua parte, a Pluspetrol Norte informou que até agora já reinjetou cerca de 210 mil barris diários de água de produção, o que supera seu plano inicial de 80 mil barris/dia. Estima-se que este trabalho terminará em 2009. Entretanto, para a Racimos de Ungurahui, a empresa não só avança a passos lentos como também planeja a reinjeção de apenas 15% do total das águas residuais.

O gerente-geral da Pluspetrol Norte, Roberto Ramallo, disse através de uma nota que “estamos conscientes da existência de um impacto ambiental histórico na região, e por isso desenvolvemos planos para melhorar a qualidade de vida das comunidades”. O executivo destacou que a companhia dá assistência médica a 18 mil pessoas de forma gratuita e constrói e reforma escolas para quatro mil alunos nativos na região. Mas Guimarães insistiu em que essa ajuda não passa de um paliativo. “Queremos nosso próprio nível de desenvolvimento com identidade e harmonia com a natureza sem renunciar à nossa língua, cultura e territórios. Exigimos um Estado pluricultural ou multilíngüe”, disse à IPS.

A origem da contaminação deve ser procurada na visão de desenvolvimento do Estado peruano, baseada em um modelo de exploração de recursos naturais que não respeita as populações afetadas, disse José De Echave, da ONG Cooperação, especializada em temas mineiros e sociais. As comunidades indígenas também recorreram a instâncias parlamentares. O novo presidente da Comissão de Amazônia e Assuntos Indígenas do Congresso, Carlos Arana, disse que no 15 passado este órgão analisou as preocupações das comunidades.

“Veremos a possibilidade de apresentar projetos de lei que ajudem a entender as reclamações destes povos e que também incorporem o que exigem os tratados internacionais sobre o assunto”, disse Arana à IPS. Nos próximos dias será feito anúncio das organizações indígenas sobre as medidas que adotarão. Embora os porta-vozes das etnias estejam muito sigilosos, prevê-se que uma primeira medida será iniciar ações legais, e, em seguida, como tantas outras vezes, um processo de negociação com as companhias de petróleo.
(Por Milagros Salazar, IPS, 17/08/2006)
http://www.envolverde.com.br/materia.php?cod=21263&edt=1

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