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2006-08-17
Na terça-feira (15/08), durante a cerimônia de assinatura dos contratos de concessão de cinco usinas hidrelétricas com as empresas vencedoras do Leilão de Energia Nova de 2005, o presidente Lula voltou a tocar em um assunto delicado: a construção de duas usinas - Jirau e Santo Antonio - no Rio Madeira, em Rondônia, e da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, no Pará. Ambos os projetos são polêmicos e têm enfrentado forte resistência dos movimentos socioambientais e indígenas da Amazônia, além do Ministério Público Federal (MPF), em função dos impactos sobre o meio ambiente e as comunidades indígenas e ribeirinhas que serão atingidas, um passivo socioambiental até agora não tratado adequadamente pelo governo, segundo os opositores.

Em seu pronunciamento, antes de atacar especificamente a questão, apesar de garantir que até 2010 não há risco de falta de energia, Lula se disse preocupado com a capacidade produtiva do país, principalmente porque, de última hora, duas das sete concessões aprovadas no leilão foram suspensas por força de liminares, pouco antes da assinatura presidencial.

“Certamente nem todo mundo tem consciência do que significa a gente não estar assinando dois contratos hoje. (...) Eu acredito que, da parte dos empresários brasileiros, da parte dos trabalhadores brasileiros, nós não queremos voltar ao tempo do apagão. Até porque o apagão seria um anúncio muito forte para qualquer investidor estrangeiro ou brasileiro não fazer novos investimentos”, introduziu o tema.

Em seguida, foi ao ponto: “Eu sei que é uma angústia do ministro de Minas e Energia, dos empresários do setor, e deve ser uma angústia maior minha: as hidrelétricas que nós precisamos construir no Brasil. Nós temos duas importantes no Rio Madeira, um megaprojeto de hidrelétrica; e nós temos Belo Monte, que vem se arrastando ao longo de anos e anos. Precisamos encontrar uma solução definitiva para isso: ou pode fazer ou não pode fazer, e vamos procurar outra solução”.

Apesar de admitir a possibilidade do embargo das obras, Lula afirmou estar “convencido de que nós vamos conseguir fazer as três hidrelétricas”. Segundo o presidente, já teria sido marcada uma reunião entre o MPF, o Ibama, os Ministérios do Meio Ambiente e de Minas e Energia, a Presidência da República e a Casa Civil para discutir o assunto e resolver as pendências.

E concluiu: “muitas vezes, há disposição política do governo de fazer, muitas vezes há interesse dos empresários de fazer, muitas vezes o Ministério do Meio Ambiente quer que faça, muitas vezes o Ibama quer que faça, muitas vezes o Ministério Público quer que faça. Mas, às vezes, basta uma pessoa entrar com uma ação, que esse conjunto de desejos fica soterrado por alguns meses e, por que não dizer, por alguns anos”.

Empecilhos

Em seu discurso, o presidente Lula adotou um tom mais impaciente e bem diferente de outro pronunciamento feito em maio passado, quando reconheceu que problemas ambientais têm sido decisivos no processo de impugnação das obras. “Para construir essas hidrelétricas [os projetos Rio Madeira e Belo Monte], vai ser uma guerra, primeiro dentro do próprio governo: o Ministério de Minas e Energia quer fazer, e o Ministério do Meio Ambiente quer cumprir a lei [ambiental]. Segundo, vai ser uma guerra da sociedade, porque certamente não faltarão liminares na Justiça”, previu o presidente, à época.

Apesar da aposta agora em uma conversa entre os setores envolvidos, a solução dos entraves à aprovação das hidrelétricas pode estar fora do alcance do que é passível de acordo político entre órgãos do governo. No caso do Rio Madeira, ainda em julho o Ibama considerou insatisfatório o Estudo de Impacto Ambiental apresentados pelas empresas Furnas e Odebrecht, o que postergou qualquer definição sobre o licenciamento ambiental para o fim do ano - e a aprovação do projeto para além deste mandato do presidente Lula.

Entidades ambientalistas que têm acompanhado o projeto alertam, no entanto, que existem implicações maiores, já que, segundo um estudo do hidrólogo Jorge Molina Carpio, presidente do Instituto Nacional de Hidrologia da Bolívia, uma parte do território do país vizinho será atingido. “A usina Jirau deve inundar território boliviano, mais especificamente parte do departamento (estado boliviano) de Pando. Obviamente, isso implicaria que os dois países devem assinar um tratado internacional, que não foi negociado até agora”, explica Glenn Switkes, coordenador da ONG Coalizão Rios Vivos.

Segundo o sociólogo Luis Fernando Novoa, que tem acompanhado as reivindicações da sociedade civil de Rondônia, Furnas teria afirmado, em reunião com as entidades socioambientais, que não ocorrerão impactos na Bolívia. “Mas, como a região onde está planejada Jirau é muito plana, só não haveria inundação de território boliviano se fosse construído um enorme muro de contenção”, pondera Novoa.

Esta também seria a posição da população do município boliviano de Nueva Esperanza, que tem se reunido com organizações brasileiras nas últimas semanas. “O lago de Jirau só não impactará a Bolívia se colocarem barreiras nas fronteiras”.

Em relação à hidrelétrica de Belo Monte, uma liminar do Ministério Público Federal impede o prosseguimento do processo de licenciamento ambiental em função do não cumprimento de um artigo da Constituição Federal, que prevê a realização de audiências do Congresso Nacional com os indígenas que serão atingidos.

Segundo o procurado geral do MPF em Belém, Felício Pontes, esta situação não mudará em função de reuniões ou acordos políticos. “Podemos até conversar com o governo, mas o Ministério Público Federal não vai transigir de direitos indígenas. O que está em jogo é a possibilidade de extinção de etnias indígenas como já ocorreu no passado, quando houve a remoção de índios de seus territórios. As pendências em relação a Belo Monte já duram seis anos, as ações do MPF já foram a todas as instâncias superiores, e em todos os casos tivemos ganho de causa”.
(Por Verena Glass, Agência Carta Maior, 17/08/2006)

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