Falta apenas um dia para a fabricante de telhas e caixas d água de amianto Eternit entrar para a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Mas não se sabe quanto tempo pode levar para que famílias de pessoas que morreram devido a enfermidades causadas por exposição ocupacional ao amianto tenham reparação legal. Essa contabilidade cronológica díspar é o que permite que empresas como a Eternit eternizem sua convicção de que nada precisa mudar na política de extração e uso do controverso mineral.
Segundo matéria da jornalista Lílian Cunha, publicada na edição de hoje da
Revista IstoÉ Dinheiro, a Eternit, que teve lucro líquido de R$ 34 milhões em 2005, parece não estar preocupada com os efeitos do amianto. O presidente da companhia, Élio Martins, alega que há 26 anos a empresa não usa mais o amianto anfibório, considerado cancerígeno, e tem tecnologia para diminuir a "níveis seguros" a exposição dos trabalhadores.
Enquanto essa convicção se consolida, a Eternit enfrenta uma batalha judicial: está sentenciada desde 2004, pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, a pagar US$ 170 milhões a 2,5 mil vítimas do amianto.
Como se sabe que processos desse tipo são lentíssimos, muitos requerentes de indenizações podem estar mortos mesmo antes de o martelo bater em instância final, sendo ou não favorável às vítimas. O processo está em segunda instância, e os valores de indenização podem ser superiores a R$ 330 milhões.
A Eternit, contudo, conta vantagem porque sabe que as vítimas têm pouco cacife - e ainda menos fôlego - para uma batalha tão prolongada. Nas palavras de seu presidente: "Mesmo que sejamos condenados, cada uma dessas 2,5 mil pessoas teria que entrar com ações individuais para conseguir a indenização. Isso dificilmente ocorrerá".
Catástrofe sanitária
A declaração do presidente da Eternit é considerada chocante pela coordenadora da Rede Virtual-Cidadã pelo Banimento do Amianto na América Latina, Fernanda Giannasi. "Prova cabal e concreta de que a Bovespa não incorpora mesmo conceitos como ética empresarial e responsabilidade socioambiental em seus projetos top de linha está na admissão da Eternit para o chamado Novo Mercado. Detentora de um dos maiores passivos socioambientais que se tem conhecimento em nosso país, a Eternit vem se beneficiando tanto da morosidade e ineficiência da Justiça brasileira para adiar o pagamento de indenização às vítimas do amianto, como na incompetência dos poderes Legislativo e Executivo federal para pôr fim à chamada catástrofe sanitária do século XX, proibindo aqui a continuidade da exploração, comercialização e utilização da fibra cancerígena, como já ocorre em 45 países, alguns Estados e municípios brasileiros", comenta.
Mais mortes
Segundo Fernanda, "em menos de seis meses tivemos três mortes de engenheiros e duas pessoas mais tiveram seus diagnósticos confirmados de doenças relacionadas ao amianto". Uma das mais recentes vítimas é o trabalhador Sebastião Mendes Maia, o Tampinha, que morreu no último dia 4 de julho, aos 51 anos de idade. Ex-membro da comissão de fábrica da Multibras (antiga Brastemp) de São Bernardo do Campo, "ele estava já bastante dispnéico", afirma a engenheira. "A biópsia dele foi agendada para o dia 13 de julho, mas, infelizmente, não foi feita. Me disse a esposa que ele teve derrame pleural no hospital onde ficou internado, em São Bernardo do Campo, e onde se drenou o líquido para biópsia, mas ela não tem o resultado disto", explica Fernanda. "A causa mortis que consta no atestado é fibrose pulmonar."
Lentidão
A luta dos expostos ao amianto não é apenas na fila do posto de saúde ou do hospital, mas se prolonga na busca por reparo indenizatório. É uma batalha quase sempre perdida para o tempo. "Com certeza, ele [o presidente da Eternit], melhor do que ninguém, sabe que a quase totalidade das vítimas da Eternit estará morta até o julgamento final de todos os recursos procrastinatórios impetrados pela empresa, sob a alegação de ampla defesa. O desrespeito demonstrado pelo presidente da Eternit aos seus ex-empregados, condenados à morte, é repugnante. A certeza da impunidade e o desprezo pelos poderes constituídos é um insulto ou, melhor dizendo, um escárnio. Até quando a Bovespa vai incentivar este tipo de comportamento empresarial, admitindo empresas como a Eternit em seu grupo seleto do Novo Mercado e, com isto, estimulando práticas semelhantes e altamente reprováveis?", questiona Fernanda.
(Por Cláudia Viegas, com informações da IstoÉ Dinheiro, 16/08/2006)